14 escolhas, 5 wide receivers, Moneyball: como o Cleveland Browns quer revolucionar o Draft

Desde o início da atual intertemporada, os olhares de todos aqueles que acompanham a NFL têm observado cuidadosamente os movimentos vindos de Cleveland. A contratação de Paul DePodesta como executivo dos Browns gerou muita expectativa para saber como o arquiteto do “Moneyball” traria sua prática do baseball para o futebol americano.

Antes de mais nada você tem que saber: o princípio básico do Moneyballsistema que tem como base a análise de jogadores por meio de estatísticas avançadas, é não ser medíocre. Você pode ser brilhante ou explodir a franquia: mas não vai correr o risco de ser medíocre e fazer o que todo mundo já faz.

Algumas da primeiras medidas da direção dos Browns causaram estranheza, como a não renovação de contrato com os free agents Travis Benjamin, Mitchell Schwartz e Alex Mack. Mas o que todos aguardavam era pelo primeiro draft do novo regime. E, como pudemos observar nos eventos da última semana, a equipe entrou no draft com um plano bem estabelecido: ter o maior número possível de escolhas.

Através de sucessivas trocas, o Cleveland Browns chegou a quatorze escolhas nas sete rodadas do draft, acrescentando então diversos novos jogadores à sua equipe em reconstrução. Chamou especialmente a atenção o fato dos Browns terem selecionado cinco wide receivers. Ainda que fosse uma posição de grande necessidade, não é algo comum de se ver no draft da NFL. Para tentar entender a seleção desses cinco recebedores, discutiremos os princípios do uso da análise numérica no futebol americano, mais especificamente no draft.

Análises Avançadas (Analytics)

A ideia de utilizar análises estatísticas para tomar decisões esportivas não é nova. Paul DePodesta alcançou muito sucesso como dirigente-assistente do Oakland Athletics, da Major League Baseball, utilizando-se das estatísticas para compor a equipe de maneira mais barata e eficiente – em outras palavras, olhar para onde os outros não costumavam por conta da tradição de olheiros no beisebol. Essa estratégia ganhou o nome de Moneyball, sendo inclusive retratada no filme homônimo, com Brad Pitt e Jonah Hill (em português, recebeu o título de “O Homem Que Mudou o Jogo”).

Mas como transferir esse modo de trabalho para o futebol americano?

O beisebol é um esporte dominado pelas estatísticas, onde cada possível movimento do jogador recebe um número, tanto no ataque quanto na defesa. Já no futebol americano, muitos dos jogadores não podem ser avaliados objetivamente com números, principalmente os jogadores de linha. Ainda que sites como o Pro Football Focus tentem analisar cada jogador, dando notas para seu desempenho, esta é uma avaliação subjetiva, não baseada apenas em números, “desvirtuando” os princípios da análise avançada.

Na NFL, já são utilizados cálculos matemáticos para determinar quando tentar a conversão de dois pontos após o touchdown, por exemplo. Mas o uso das análises avançadas como principal ferramenta de montagem de um elenco ainda é algo desconhecido dentro da liga. Quando o Cleveland Browns promoveu o dirigente Sashi Brown para a posição de executivo principal da equipe, e trouxe Paul DePodesta para compor a equipe, questionamentos já começaram a ser feitos, sobre como poderia dar certo a gestão da equipe baseada principalmente em análises estatísticas. Mais do que isso, como essa estratégia poderia dar certo junto ao novo técnico, Hue Jackson, um veterano “football guy” (“cara do futebol”), obviamente adepto de um estilo mais tradicional de montagem do elenco.

O draft seria um momento importante para observar a interação entre os estilos diferentes de trabalho de Jackson e Brown/DePodesta, facilitando a compreensão sobre qual seria o caminho do Cleveland Browns nos próximos anos. Como poderemos ver a seguir, o plano traçado pela equipe ficou bem claro.

Draft 2016

Ainda que o princípio das análises avançadas inclua algumas estatísticas muito específicas, cálculos matemáticos muito simples fizeram parte da estratégia do Cleveland Browns no draft 2016. Basicamente, considerando-se a incerteza que envolve qualquer escolha no draft, quanto mais escolhas uma equipe tiver, maiores as chances de acerto. Em realidade, isso, em específico, não é tão novidade – Bill Belichick faz uso do expediente do trade down com certa frequência, como já falamos aqui em ProFootball. Pete Carroll em Seattle, também.

E este princípio norteou o processo de seleção dos Browns. A equipe abriu mão da chance de selecionar um dos quarterbacks mais cobiçados no draft (Carson Wentz), trocando a segunda escolha geral com os Eagles, recebendo em troca a oitava escolha geral, além de escolhas extras. Posteriormente, trocou a oitava escolha com o Tennessee Titans, recebendo a décima quinta escolha, além de seleções extras em outras rodadas. No fim das contas, estas foram as seleções do Cleveland Browns:

1a rodada (15): Corey Coleman, Wide Receiver, Baylor

2a rodada (32): Emmanuel Ogbah, Defensive End, Oklahoma State

3a rodada (65): Carl Nassib, Defensive End, Penn State

3a rodada (76): Shon Coleman, Offensive Tackle, Auburn

3a rodada (93): Cody Kessler, Quarterback, USC

4a rodada (99): Joe Schobert, Linebacker, Wisconsin

4a rodada (114): Ricardo Louis, Wide Receiver, Auburn

4a rodada (129): Derrick Kindred, Safety, TCU

4a rodada (138): Seth DeValve, Wide Receiver/Tight End, Princeton

5rodada (154): Jordan Payton, Wide Receiver, UCLA

5rodada (168): Spencer Drango, Offensive Tackle, Baylor

5rodada (172): Rashard Higgins, Wide Receiver, Colorado State

5rodada (173): Trey Caldwell, Cornerback, Louisiana-Monroe

7a rodada (250): Scooby Wright III, Linebacker, Arizona

14 escolhas.

Ao analisarmos as escolhas do Cleveland Browns, alguns detalhes são perceptíveis. Por exemplo, além de buscar o maior número de escolhas possível, os Browns optaram por selecionar jogadores com boa produção na universidade. Não há nenhum jogador na classe selecionado apenas por conta de seu potencial atlético. Todos foram jogadores importantes em suas equipes universitárias, e a maior parte deles teve pelo menos dois anos jogando como titulares. Além disso, a personalidade foi levada em conta. Depois de experiências muito ruins com jogadores como Johnny Manziel e Josh Gordon, os Browns optaram claramente por jogadores que se destacam como presença positiva no vestiário. Nesse ponto, cabe destacar Shon Coleman, o tackle que conseguiu vencer um câncer durante sua carreira universitária.

Finalmente, é fácil perceber que influenciou nas escolhas dos Browns o nível de competição das equipes. À exceção de Seth DeValve, Rashard Higgins e Trey Caldwell, todos os demais jogadores (11) selecionados vieram de universidades fortes, e que enfrentam adversários de respeito – das chamadas conferências Power 5 dos College Football, cujos campeões tem vaga garantida no College Football Playoff ou em um dos seis Bowls importantes de ano novo. É fácil perceber que a equipe desejava jogadores habituados a enfrentar oposição de qualidade.

Além do que já citamos, há uma pergunta importante a ser respondida sobre o draft do Cleveland Browns. Tentaremos fazer isso a seguir.

Por que cinco wide receivers?

Para entender por que cinco wide receivers foram selecionados pelo Cleveland Browns, é preciso lembrar o estado anterior do corpo de recebedores da equipe. É (bastante) plausível dizer que depois da posição de quarterback, a maior necessidade da equipe era a de recebedores.

Antes do draft, os wide receivers dos Browns eram Brian Hartline, Andrew Hawkins, Taylor Gabriel, Marlon Moore, Terrelle Pryor, Rannell Hall e Saalim Hakim. Não estamos exatamente falando de Odell Beckham e Julio Jones – longe disso aliás. Então é claro que havia uma necessidade importante na posição. Se juntarmos a isso a teoria que foi discutida acima, de quanto mais escolhas maior chance de sucesso, começa a fazer algum sentido o plano dos Browns.

Ajudando a defender a decisão da equipe, podemos argumentar que os jogadores selecionados têm estilos diferentes. Coleman e Louis são muito velozes, recebedores das chamadas big plays. Coleman, inclusive, se caracterizou pela explosão em Baylor, frequentemente transformando passes curtos em jogadas de grande ganho de jardas. Já Payton e Higgins são recebedores grandes, com capacidade de usar o corpo para fazer recepções. Finalmente, DeValve, um wide receiver na universidade, pode jogar como tight end nos profissionais – e ser uma escolha bem inteligente, dada a carência de tight ends “natos” nesta classe, no que diz respeito à qualidade recebendo passes.

Em uma NFL que cada vez mais se direciona para o jogo aéreo, é fundamental dar ao quarterback opções viáveis de recebedores. Ainda mais importante no momento atual dos Browns, que tentam reviver a carreira de Robert Griffin III, além de desenvolver Cody Kessler como possível quarterback do futuro. Falando nisso…

Cody Kessler?!!

Seja pensando em fatores analíticos, ou na avaliação tradicional de jogadores, não há como não ficar surpreso com a seleção do quarterback Cody Kessler na terceira rodada. Kessler era considerado como um prospecto digno de ser “draftado” na sexta ou sétima rodada, devido a importantes limitações de precisão e, principalmente, de potência no braço. Poderíamos pensar: qual foi a estatística analítica específica que determinou a escolha de Kessler pelos Browns? A resposta é nenhuma. Na entrevista coletiva após o draft, o técnico Hue Jackson afirmou aos jornalistas: “vocês vão ter que confiar em mim nessa escolha”. Jackson tem uma relação de proximidade com USC, universidade onde Cody Kessler jogou – onde Jackson foi coordenador ofensivo nos anos 1990.

O que podemos concluir é que a escolha mais surpreendente dos Browns não foi baseada na análise avançada de estatísticas, e sim uma decisão do “cara do futebol”. Resta saber se Hue Jackson vai conseguir repetir com Kessler o bom trabalho  de desenvolvimento que conseguiu com Andy Dalton no Cincinnati Bengals. É difícil imaginar Cody Kessler como quarterback titular na NFL, mas, se alguém pode fazê-lo evoluir seu jogo a esse ponto, esse alguém é Hue Jackson.

O novo Cleveland Browns

Ainda que seja possível questionar algumas das decisões tomadas pelo novo comando do Cleveland Browns, não há dúvida quanto ao objetivo à frente. Abrindo mão de alguns free agents importantes e investindo pesado no número de escolhas no draft, a direção da equipe mostra que está pensando a médio/longo prazo. Os Browns agora contam com um núcleo jovem e de personalidade, jogadores que podem dar a nova cara que os torcedores de Cleveland tanto desejam ao time. Pensando matematicamente, como o histórico de Paul DePodesta sugere, é provável que nem todas as quatorze escolhas dos Browns sejam bem-sucedidas. Assim como é provável que nem todos os wide receivers selecionados se firmem na equipe. Mas, quanto mais tentativas, maior a chance de acerto. Considerando que, devido às trocas de escolhas, os Browns terão duas escolhas de primeira e segunda rodadas em 2017, além de uma escolha extra de segunda rodada em 2018, a equipe ainda terá muitas chances de acerto pela frente.

Será que no ano que vem, caso a necessidade seja linebacker, a equipe irá escolher 20 deles? E, por “peneira”, ver qual vai dar certo? É uma estratégia inovadora – e ao mesmo tempo não é. Imagine que você comandava um time na NFL antes do aparecimento do Draft em 1935. Como montar o elenco? Bom, você pegava todos os wide receivers disponíveis e selecionava quem era apto.

Soma-se a esses resultados da estratégia da equipe um fato muito positivo. Foi mantido o lugar da subjetividade e da experiência, personificados na figura do técnico Hue Jackson. A escolha de Cody Kessler, por desejo de Jackson, mostra esta abertura. Resta saber se, tanto a aposta em Kessler, quanto a estratégia “numérica” de escolhas no draft, contribuirão para um futuro melhor para este novo Cleveland Browns. Fato é que, se a equipe obtiver sucesso, rapidamente veremos a estratégia se espalhando por toda a liga.

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