“Treinei com os Steelers em 1978, com os Patriots em 1979 e com os Packers” diz Tony DiRienzo, o único brasileiro draftado da história

Na semana do Super Bowl 50 acabamos encontrando uma das histórias mais legais sobre o futebol americano. Houve um kicker brasileiro jogando no College Football – mas há muito tempo, nos anos 1970. Seu nome é Tony DiRienzo e ele foi duas vezes campeão nacional universitário pelo Oklahoma Sooners. Aqui neste vídeo, por volta de 14 minutos, você pode ouvir o narrador do Orange Bowl mencionando a origem de “Tony D”, como ele era chamado.

Acabamos achando a história por acaso, quando pesquisávamos no acervo da Folha de São Paulo sobre as transmissões do Super Bowl no Brasil antes da Bandeirantes começar a transmitir o jogo nos anos 1970. DiRienzo foi tema de uma matéria de capa inteira na Folha em 1974, quando ainda era jogador universitário.

Pesquisando um pouco na internet, descobrimos mais. É o tipo de história que, de tão inacreditável, não parece verdade.

Depois de terminar sua elegibilidade nos dois títulos de Oklahoma, DiRienzo teria de escolher se iria se profissionalizar ou não. Ele não esteve num elenco de temporada regular – esse trunfo ainda pertence apenas a Cairo Santos – mas igualou ao feito de Maikon Bonani, estando no elenco de pré-temporada (training camp) do time.

Mas DiRienzo tem algo único na curta, porém cada vez maior, história de brasileiros na NFL. Ele é o único brasileiro draftado por uma franquia da NFL. Nem Bonani e nem Cairo o foram – dado que atualmente são apenas sete rodadas no draft. Em 1976, com regras bem mais restritas de free agency, eram 17 rodadas.

Na oitava rodada e escolha 212 (equivalente hoje, com 32 franquias, ao final da sexta rodada), Tony DiRienzo foi escolhido pelo San Diego Chargers. Como dito, ele até chegou a estar no elenco mais “inflado” de pré-temporada, mas não chegou a estar no time de temporada regular. O kicker austríaco Toni Fritsch era recém chegado do Dallas Cowboys e acabou ficando com a posição.

DiRienzo voltou para Oklahoma depois disso, para terminar seus estudos em Administração. Nos últimos dias, tentamos exaustivamente tentar achar Tony para uma conversa. Infelizmente isso não foi possível de pronto. Primeiro, falamos com um um jornalista americano, Murray Evans, que nos foi bastante educado. Evans havia feito uma matéria com DiRienzo e sua filha, Tai, em 1999. Ela jogava o esporte que seu pai praticava quando criança, o futebol. Murray me disse que não tinha pego nenhum contato de Tony, dado que a entrevista foi feita no campo de treinamento da filha  (e obviamente que fazia muito tempo).

O próximo passo foi entrar em contato com o Departamento Atlético da Universidade de Oklahoma. Nos Estados Unidos há um trato muito sério quanto aos antigos alunos, e provavelmente haveria um contato de DiRienzo por lá. Muito gentilmente, eles nos cederam os contatos de Tony (e-mail e telefone). Mais uma vez acabou não dando certo, dado que o e-mail retornou e o telefone, após ligarmos algumas vezes, chamava e ninguém atendia.

Obviamente continuamos, nos meses seguintes, a tentar falar com ele para uma entrevista. Tentar entender o que aconteceu com os Chargers, como foi sua vida depois disso, o porquê dele ter permanecido nos Estados Unidos. Isso tudo faz 40 anos e só hoje estamos desenterrando essa história. Tony tem 61 anos hoje, não tem facebooktwitter e nem nada disso tudo. Não nos procurou para tomar glórias como “o primeiro brasileiro” a fazer sucesso nos Estados Unidos como jogador de futebol americano.

Não foi possível no início – mas graças à internet, descobrimos o nome de sua filha e entramos em contato com ela pelo Facebook. Acabamos entrando em contato e ligando para ele pelo Skype nos estúdios da Central 3, onde gravamos nosso podcast. Eu, Rodrigo, e Antony Curti gravamos a entrevista com ele – em inglês, já que, depois de tanto tempo nos Estados Unidos, DiRienzo não fala mais português com total fluência – assim, seria mais fácil fazê-la em inglês.

Caso você queira ler a matéria original sobre ele, clique aqui. Abaixo, a entrevista em texto. Confira, é material único e exclusivo aqui do ProFootball.

Com a camisa #3, DiRienzo na foto oficial do Oklahoma Sooners de 1974, campeão nacional do College Football.
Com a camisa #3, DiRienzo na foto oficial do Oklahoma Sooners de 1974, campeão nacional do College Football.

Pro Football – Você foi treinado pelo lendário Barry Switzer e ganhou dois títulos nacionais universitários em Oklahoma. Como foi esta experiência como um todo?

Tony DiRienzo – É incrível porque, sendo do Brasil, eu não fazia a menor ideia sobre o quão sério, importante e competitivo é o futebol americano universitário aqui (nos Estados Unidos). No estado de Oklahoma não temos um time profissional de futebol americano, então os Sooners são considerados o “time profissional” daqui. Os torcedores, o estádio, a tradição, a escola, são coisas grandiosas e eu não fazia a menor ideia que seria assim. Vim pra cá como estudante de intercâmbio através do Rotary Club e nunca havia visto um jogo de futebol americano ou sequer uma bola oval. Então, jogando apenas em meu ano final de high school, tive uma performance boa o suficiente para receber uma oferta de bolsa de praticamente todas universidades do país.

Eu queria ir para UCLA, meus pais queriam que eu fosse para Notre Dame, por ser católica, e as pessoas de Oklahoma queriam que eu estudasse em OU, então acabei fazendo isso, mas não fazia ideia do quão grande isso seria. Quanto a jogar com o coach Switzer, ele não foi meu treinador em ano de calouro, que foi Chuck Fairbanks, que nos deixou para treinar o New England Patriots, ou algo assim. Então, o coach Switzer assumiu o cargo e ele tinha mais a característica de “players coach“, ele era muito amigável e se dava muito bem com todos. Ele era um cara que acreditava que a gente poderia fazer qualquer coisa e ganhamos muito. Eu apenas perdi um jogo em toda minha carreira em OU, fomos 37-1 quando eu entrei em campo. Trinta e sete vitórias e apenas uma derrota.

Pro Football – Você foi para os Estados Unidos sem ser fluente em inglês. Como era a comunicação com seus treinadores e saber quando chutar, quando entrar em campo e etc.? Como você conseguiu atingir o que conseguiu e chutar bolas de mais de 60 jardas sob essas circunstâncias?

Tony DiRienzo – Eu falava um pouco de inglês nessa época. O meu período no high school foi o mais complicado. Eu tinha 16 anos de idade, vim em janeiro — verão no Brasil e inverno aqui —, para Oklahoma, sem fazer a menor ideia de onde se localizava, e não falava nada de inglês. A escola tentou me ajudar, me colocando em aulas de espanhol, matemática, geometria, contabilidade, enfim, lidando com números, que são universais.

Então, demorou cerca de dois ou três meses para que eu me acostumasse com o inglês e, certo dia, eu acordei e falava inglês. Portanto, quando a temporada começou em meados de agosto, eu já estava mais familiarizado com inglês. Já o problema que eu tive em OU foi ser o primeiro chutador “soccer style”, estilo de chute com o peito do pé, ao invés de com “dedão”. E todos livros e dados disponíveis na época eram sobre chutes de “bicuda”. Não foi só sorte, eu era um bom jogador de futebol no Brasil, eu tinha provavelmente a perna mais forte de São Paulo, ela sempre foi forte. Tive que aprender a dar mais direção na bola e o resto foi história. A parte mais difícil foi aprender as regras de quando chutar e o quê chutar. No futebol se chuta abaixo da trave, no futebol americano se chuta acima dela, sabe? O mais difícil foi aprender sozinho, porque ninguém fazia as coisas daquele jeito, tive de ser autodidata.

Pro Football – Você teve uma carreira extremamente vitoriosa nos Sooners, sendo campeão nacional por duas vezes. No final das contas, qual é a mais doce lembrança que você tem de seu período jogando em Oklahoma? Seria seu game-winner contra Texas?

Tony DiRienzo – É, o chute contra Texas foi o mais importante, por ter nos mantido invictos e eventualmente ganhado o campeonato nacional. No entanto o que eu tenho mais orgulho é o de 60 jardas por ter sido o primeiro jogador em Oklahoma a acertar um chute dessa distância e não bati o recorde (do College Football) da época por apenas uma jarda.

O que a maioria das pessoas não sabem é que aquele foi o primeiro chute que eu dei em OU. Eu tinha chutado a distâncias muito grandes nos treinos, mas o time estava preparado para chutar o punt, ou o coordenador ofensivo ou algo do tipo, pelo menos, até que o coach Switzer decidiu que eu deveria tentar o field goal para não dar uma chance de retorno ao outro time. Então, pedimos um tempo e eu fui lá e acertei, mas os outros jogadores não tentavam chutes dessa distância.

Pro Football – Sendo jogador de futebol americano, imaginamos que você era uma figura importante, socialmente falando, em Norman – onde fica a Universidade de Oklahoma. É verdade que você gozou de um certo status de celebridade no campus?

Tony DiRienzo – Bem, eu era um dos jogadores mais populares do time, não pela minha posição. Na época, o kicker não tinha grande importância, até porque nosso time e ataque eram tão bom que eu raramente chutava field goals, era muito mais requisitado para extra points.

Mas os motivos de eu me destacar eram, primeiro, que eu era o primeiro chutador soccer style e o primeiro da história com bolsa completa para ser um especialista. Fui o primeiro com bolsa para ser exclusivamente chutador. Segundo que eu tinha meu sotaque brasileiro, eu tinha cabelo longo e um estilo brasileiro, eu tinha um bom bronzeado sempre, era diferente dos outros garotos. Eu andava pelo campus usando rabo-de-cavalo, enfim, era diferente.

Pro Football – Uma das partes mais interessantes sobre sua história é que você foi o primeiro (e até agora, único) brasileiro a ser draftado pela NFL. Na ocasião, você foi selecionado pelo San Diego Chargers na oitava rodada do draft de 1976. Mas não existem mais tantos dados sobre como foi sua carreira de jogador depois disso. O que acabou acontecendo?

Tony DiRienzo – Bem, jogar no College e profissionalmente são experiências totalmente diferentes. Primeiro porque, como eu disse, em Oklahoma eu só perdi um jogo e San Diego não era um time muito bom. Eu fui de fato selecionado e na época havia 19 rodadas no draft, sendo selecionado na oitava rodada, algo muito raro para kickers. Então, a oitava rodada era uma boa posição para mim.

Quando cheguei em San Diego, sei lá, eu amei a cidade, mas não me dei tão bem quanto eu esperava com os treinadores. Eu fiquei lá por menos de um mês, eu simplesmente não estava com o coração investido na coisa. Então eu simplesmente saí, voltei para Norman e completei meu diploma de administração. Então, nos próximos anos recebi ligações com interesse de vários outros times. Pittsburgh me ligou, Green Bay me ligou. Fui para vários training camps, joguei em partidas de pré-temporada, mas nunca gostei tanto da coisa. Minha esposa estava cansada de tantas viagens e queria se estabelecer de vez em um lugar, talvez até voltar par o Brasil e ajudar o meu pai. Com o tempo fui perdendo o interesse, então simplesmente larguei.

Pro Football – Você chegou a disputar alguma partida de temporada regular ou apenas pré-temporada e training camps?

Tony DiRienzo – Apenas pré-temporada e training camps.

Pro Football – Algo fascinante na sua história reside no anonimato que você tinha no Brasil até recentemente mesmo sendo um pioneiro do esporte para o Brasil, talvez por usar o nome Tony e não Antônio, ainda mais com feitos como um chute de 60 jardas, algo completamente incomum para chutadores universitários…

Tony DiRienzo – Bem, eu também sou o único kicker da história de OU a acertar cinco ou mais chutes para mais de 50 jardas. Eu tive cinco destes. Em um jogo, contra Kansas State, no meu último ano, eu acertei dos chutes para mais de 50. Eu tenho o chute mais longo, que é o de 60, e o terceiro mais longo, para 56 jardas.

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Pro Football – Você inclusive esteve no time All-Big-8, como melhor kicker da conferência, correto?

Tony DiRienzo – Exato.

Pro Football – Como é e foi sua vida pós-futebol americano? Estabelecendo-se em Oklahoma, completando seus diplomas, sua família?

Tony DiRienzo – Tenho duas filhas e um filho, e vamos ao Brasil todo ano para ver minha família. Tenho familiares em São Paulo, Rio, Sorocaba, Mogi das Cruzes, todos irmão e irmãs. O que ocorreu foi que voltei para Norman para poder pegar meu diploma e minha esposa precisava de um novo carro. Então ela foi para uma concessionária, e nessa época eu estava em um training camp. Ela foi para a concessionária, pegou um carro e levou para casa. Quando eu retornei, perguntei se ela havia pago e ela respondeu que não, que eles sabiam quem eu era e quando voltasse do camp iria lá e acertaria tudo.

Então eu disse “isso é muito dinheiro, Carol”, fui na concessionária e disse que não queria aquele carro, queria algo diferente, maior, então eles me ofereceram um emprego. Então perguntei por que deveria vender carros e eles disseram que “tinha um nome forte em Norman, todos te conhecem, você tem uma ótima personalidade, seria fácil, as pessoas gostam de você e estar com você, então poderia fazer muito dinheiro com isso”. Então eu entrei para o ramo. Isso foi em janeiro de 1980 e estou no mercado de carros desde então.

Pro Football – Então, você foi para treinamentos com Pittsburgh, San Diego e Green Bay, correto?

Tony DiRienzo – Bem, fui selecionado por San Diego. Em 1977, treinei com Pittsburgh, em 1978, com New England, e, em 1979, com o Green Bay Packers. Bart Starr era o técnico em Green Bay quando eu estava lá, e é de certo modo interessante que o [Cairo] Santos está jogando por Kansas City porque este era meu time favorito. Eles tinham um kicker chamado Jan Stenerud, da Suécia, o primeiro chutador soccer style a jogar por eles. Ele usava uma camisa vermelha, como eu em OU, e ambos usávamos o número 3. Ele era meu herói.

Então, quando fui para Green Bay, o Bart Starr falou “Tony, venha para o nosso camp, acho que você consegue entrar para o time, te vimos chutar, você está chutando bem, assinaremos um contrato”. Quando cheguei ao camp, o Jan Stenerud estava lá e eu me perguntava o que ele estava fazendo lá, porque achava que ele tinha se aposentado e ele acabou ficando com a vaga ao invés de mim. Apenas porque ele tinha nome, quer dizer, eu era dez anos mais jovem que ele, chutava a bola umas belas 30 jardas mais longe que ele e eu era bem jovem, mas os treinadores decidiram por ele por conta de experiência e todos conhecerem o nome dele. E ninguém conhecia o Tony D — era assim que me chamavam, Tony D.

Pro Football – Para fechar, o futebol americano é um dos esportes que mais cresce no Brasil. Temos o Cairo, cerca de um milhão de pessoas assistiu cada uma das finais de Conferência de 2016. Que mensagem você daria para jogadores brasileiros do esporte e, principalmente, para os fãs, impressionados com a sua história, porque percebe-se que você tem grande paixão pelo país.

Tony DiRienzo – Estou aqui nos Estados Unidos há 40 anos, então sou americano-brasileiro, mas o jogo de futebol americano é interessante porque, no futebol, por exemplo, pode ter um jogador, como um Neymar ou Ronaldo, que em uma jogada individual pode marcar. No futebol americano, todos onze jogadores são necessários para uma jogada funcionar. O que eu amo nesse jogo é esse trabalho em equipe, todos são necessários, especialmente no ataque. Se você erra sua tarefa ou perde um bloqueio, seu running back não vai a lugar nenhum. Se o quarterback lança a bola e o recebedor corre a rota errada, ele não vai pegar a bola.

Então, todos onze jogadores são necessários para a jogada funcionar e é isso que eu amo nele. É todo esse conceito de time. Eu convivi com os mesmos 75 caras por quatro anos em OU e nos tornamos uma família, entre treinadores e jogadores e eles sempre estarão em meu coração. A única questão é que, diferentemente do futebol, é necessário um conjunto de equipamentos muito maior. Mas conforme o povo brasileiro for entrando em contato com ele, vão se apaixonar, porque é muito emocionante. Eu joguei um pouco como wide receiverdefensive back. Eu comecei a malhar por ser um cara menor e para fortalecer minha perna, e no meu ano final em OU eu era um dos jogadores mais fortes do time, mesmo sendo kicker.

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