Blackboard: A defesa 4-3

Assim como na vida, na NFL nada se cria, tudo se copia. Apesar da complexidade atrás dos sistemas defensivos e ofensivos modernos, a base de todos eles continua sendo a mesma de 20 anos atrás – o chamado Football 101. Agora que pudemos introduzir o conceito mais básico empregado na linha de scrimmage, as techniques e os gaps, está na hora de olharmos com uma visão um pouco mais tática para as formações básicas do futebol americano. Olhe, a intenção deste texto não é abordar sobre um sistema específico, mas sim dar um panorama geral, ao modo Pro Football, de como funciona uma defesa 4-3.

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A nossa abordagem nesta série de textos é simples: aprenda bem o básico para ter contato com o que é mais complexo e específico. Logo, não será aqui que você encontrará detalhes da 46 defense, do 4-3 over ou do atual esquema de Bill Belichick, mas será o local para entender o que são essas formações e porque elas são especiais – e deram (ou estão dando) certo. Antes de poder se aprofundar ainda mais no conceito da defesa 4-3, vale a pena ter um pouco de contexto histórico.

A defesa 4-3 é a mais tradicional da NFL e foi amplamente usada desde a década de 50 e 60. Antes um sucesso (em 2001 apenas o Pittsburgh Steelers não a utilizou), nos tempos mais modernos ela perdeu um pouco de espaço para a 3-4 (nesta temporada o equilíbrio é notório: 16 franquias utilizarão o 3-4 e as outras 16 o 4-3).

Um pouco de história e contexto

Lá no início do futebol americano, quando não havia internet (ou seja, sem site do Peter King, Pro Football e ESPN.com) e nem muito conhecimento sobre o esporte em geral, os técnicos ainda estavam aprendendo a montar suas unidades e começavam a aprender as melhores formações para parar os ataques adversários.

Como o passe para frente era algo raro, os ataques eram extremamente focados no jogo terrestre e as defesas colocavam seis ou sete homens na linha defensiva – e apenas três defensive backs. Até 1933, para se ter ideia, o passe para frente era permitido apenas cinco jardas antes da linha de scrimmage. Com a mudança de regra do passe para frente naquele ano e, consequentemente, o jogo aéreo ganhando maior importância, as defesas se viam em sérias dificuldades devido à falta de cobertura qualificada – principalmente no meio do campo.

Na década de 40, a formação preferida era a T-formation e ela era baseada em passes rápidos no meio do campo, a cobertura falhava constantemente e o resultado era desastroso. No início dos anos 40, Greasy Neale, ex-técnico do Philadelphia Eagles, resolveu fazer uma mudança básica em seu sistema: em vez de três defensive backs, ele começou a usar quatro – fazendo o 5-2-4. Isto revolucionou a liga e deu início ao desenvolvimento do 4-3. O defensive back extra dava um equilíbrio na defesa do passe e, mesmo com um homem a menos na linha, o combate ao jogo terrestre ainda era bom. Rapidamente a sua inovação começou a se espalhar e a defesa dos Eagles se tornou uma das mais dominantes da época.

Só que os ataques também começavam a se adaptar, assim como as defesas. Em 1950, Paul Brown (o lendário), resolveu complementar o seu ataque de corridas em Cleveland com passes rápidos que visassem rotas rápidas. Com isso, rapidamente a franquia tornou-se dominante e encontrou a defesa do Philadelphia Eagles na final daquele ano. Jogo equilibrado e bem disputado, até Brown se dar conta do ponto fraco da 5-2-4: ele espaçou os seus tight ends, colocando pressão nos defensive backs. Se os linebackers resolvessem abrir para apoiar a secundária, Cleveland mandava corridas intermináveis. O objetivo era explorar o fato que não havia gente o suficiente para cobrir o meio e os lados do campo. Depois de um início equilibrado, Cleveland acabou metendo 35 pontos nos Eagles e saiu com a vitória e com o título.

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Logo após esse domínio da franquia, o técnico da época do New York Giants, Steve Owen, tentou achar um jeito de resolver o problema. Os Giants jogariam na semana seguinte contra os Browns e Owen começou a adotar uma defesa na formação 6-1-4, porém os dois defensive ends mais externos recuavam na hora do snap e faziam a cobertura do passe – se necessário. Era o início do 4-3. O responsável para ensinar o esquema dentro de campo era o defensive back da equipe, Tom Landry – sim, aquele que ficaria conhecido na década de 1970 como técnico dos Cowboys.

Após parar o ataque de Cleveland na estreia da temporada (ganhando de 6-0 o jogo), a tática de Steve Owen rapidamente se espalhou pela liga, só que ele ainda tinha uma fraqueza: os jogadores de linha se posicionavam simetricamente e cuidavam de dois gaps, o que dificultava o combate ao jogo terrestre pelo meio do campo. Na década de 50, o agora coordenador defensivo Tom Landry resolveu a situação com o seu 4-3 flexível, que realmente virou a base da defesa 4-3. Para contornar o miolo, Landry contou um pouco com a sorte. Nos anos 1950 chegou aos Giants o linebacker Sam Huff – o protótipo de inside linebacker, tão essencial para o sistema dar certo.

A primeira mudança era que os jogadores de linha não se alinhavam mais simetricamente na frente dos jogadores de linha ofensiva, mas sim entre os jogadores – 3-tech, 1-tech e assim por diante (a foto abaixo, da NFL atual, exemplifica bem isso). Além disso, o sistema passou de 2-gap para 1-gap, permitindo que os linhas defensivas atacassem o backfield adversário. Outra mudança foi que a linha se posicionava em zig-zag, com alguns jogadores uma ou duas jardas longe da linha de scrimmage – para permitir que seus jogadores ganhassem mais momento antes do contato com a linha ofensiva. O esquema rapidamente foi um sucesso e foi a marca de Tom Landry no início da NFL – uma dica do quão brilhante seria a sua carreira pela frente.

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Como funciona o 4-3?

As equipes que utilizam o 4-3 na NFL, em 2015, são: Atlanta Falcons, Carolina Panthers, Cincinnati Bengals, Dallas Cowboys, Detroit Lions, Jacksonville Jaguars, Los Angeles Rams, Miami Dolphins, Minnesota Vikings, New Orleans Saints, New York Giants, New England Patriots, Oakland Raiders, Seattle Seahawks, Philadelphia Eagles e Tampa Bay Buccaneers.

O front seven de uma defesa 4-3 é formado por quatro jogadores de linha defensiva (dois defensive ends e dois defensive tackles) e três linebackers (right outside, middle/inside e left outside). Normalmente o middle linebacker também é chamado de MIKE, o left outside linebacker é conhecido como strongside linebacker (ou SAM) e o right outside linebacker é chamado de weakside linebacker (ou WILL).

Nas defesas 4-3 os jogadores de linha defensiva, geralmente, jogam atacando os gaps (famoso one gap), o que significa que os linebackers têm responsabilidades em cuidar de alguns gaps restantes – e dar apoio ao jogo terrestre. Alguns sistemas híbridos, como o dos Patriots, faz um uso de 1-gap e 2-gap, mas isto é assunto para o futuro.

Atenção importante aqui: mencionaremos MUITO o conceito de gaptechnique, o qual foi tema da última coluna. Vamos colocar a imagem que ilustra os conceitos novamente para você ir acompanhando. De toda forma, releia sempre que possível o texto sobre. Lembre: technique = posicionamento defensivo na linha. gap = buraco pelo qual cada jogador é responsável (e por 2-gap entenda que ele é responsável por dois)

Techniques-Gaps

Em um sistema 4-3 clássico (como o do Chicago Bears na imagem acima), o defensive tackle mais pesado (que, normalmente, é conhecido como nose guard) alinha-se na 1-tech e ataca um dos A-gaps – o outro é utilizado em eventuais blitzes e o MIKE cuida dele no combate ao jogo terrestre. O outro defensive tackle (também conhecido como under tackle) fica na 3-tech e ataca o B-gap – o outside linebacker se preocupa com o B-gap do outro lado. Este defensive tackle tem maiores responsabilidades ainda no pass rush que o 1-tech – Ndamukong Suh, Geno Atkins e Aaron Donald são ótimos exemplos de um defensive tackle de 3-tech. Os defensive ends se alinham no ombro de fora dos offensive tackles e são as grandes estrelas do pass rush. Exemplo clássico? Jared Allen no auge.

Como os linebackers têm responsabilidades no gap, todos os três precisam ser eficientes parando o jogo terrestre. O middle linebacker é o quarterback da unidade: ele que faz as chamadas na linha de scrimmage e é o grande responsável pelo meio do campo – tanto na cobertura quanto parando corridas pelo meio do campo. Quanto mais completo for o MIKE, melhor para a unidade – daí a necessidade de Sam Huff nos anos 1950 quando o sistema nunca tinha sido utilizado. E daí a estrela de Luke Kuechly no Carolina Panthers de 2016 ou de Brian Urlacher nos Bears da década passada. Ele que vai atuar em coberturas de robber (ficar patrulhando o meio do campo), assim como vai ser o responsável de parar as corridas pelo A-gap (power running). Além disso, seu papel de liderança é fundamental no alinhamento dos jogadores e também na mudança das jogadas.

O SAM se alinha no mesmo lado do tight end (geralmente no lado esquerdo da defesa) e, em boa parte dos casos, preocupa-se em acompanhar o running back em jogadas de passe – ou o tight end. Ele também fica responsável, muitas vezes, pelo B-gap ou pelo C-gap em jogadas de corrida no lado forte da formação (aquele que tem o tight end), logo precisa ser mais forte que o WILL – e ter um combate mais efetivo ao jogo terrestre. Seus instintos precisam ser bem mais superiores do que o seu parceiro do outro lado.

O WILL precisa ser o mais atlético do grupo. Ele pode ser undersized e não ser um exímio jogador com relação aos instintos, mas precisa ser bom na cobertura e com bom atleticismo. Em subpackages como a nickel defense, o SAM sai de campo (na maioria das franquias) e quem fica é o WILL – quanto mais versátil, melhor. Ele geralmente sai em coberturas por zona, marca jogadores na slot e executa blitzes – Lavonte David é um belo exemplo de weakside linebacker. Note que cada um dos linebackers precisa de diferentes características, porém eles não são os astros da equipe. No 3-4 que quem tem que brilhar são os linebackers.

Em equipes 4-3 os jogadores de linha defensiva que têm que ser as estrelas. Por causa do esquema 1-gap, o pass rush é a sua grande responsabilidade. Devido a isso, os maiores investimentos das franquias que utilizam o esquema são na linha defensiva – principalmente no Draft. Esta é a grande dificuldade de se montar um esquema desses: bons pass rushers não são fáceis de se encontrar. Normalmente, você precisa de um prolífico 3-tech defensive tackle (que cause pressão por dentro no pocket) e um defensive end que ataque o blind side de maneira perfeita.

O lado positivo é que no 4-3 você possui mais flexibilidade com relação à altura e peso dos jogadores. Aaron Donald, excelente 3-tech defensive tackle, talvez não tivesse espaço em um 3-4 devido a sua estatura. A velocidade e agilidade são importantes para o sucesso. Por outro lado, visivelmente o esquema também é bem específico. Um 1-tech defensive tackle (o nose guard) não vai conseguir jogar na 3-tech – as responsabilidades (e virtudes, e tipo de corpo e etc) são totalmente diferentes.

Assim como no sistema 3-4, existem algumas variações do alinhamento do 4-3 (odd/over e etc, mencionaremos em breve) – que vai desde a defesa do Seattle Seahawks até o wide nine de Jim Schwartz. Uma das mais interessantes de todas é a do Oakland Raiders: eles alternam entre o 4-3 e o 3-4 durante o jogo, com Khalil Mack sendo o grande coringa defensivo – e brilhando em campo. Apesar de tantos esquemas interessantes, eles devem ser abordados em textos individuais no futuro – afinal, é preciso apreciar a inteligência defensiva dos técnicos ao redor da liga. Algumas diferenças não moram no alinhamento dos jogadores, mas sim na quantidade de blitzes, coberturas dos linebackers, dentre outros fatores.

Na grande maioria dos 4-3 o trabalho dos safeties no jogo terrestre também é muito maior do que em sistemas 3-4. Enquanto em sistemas 3-4 o safety é responsável apenas por conter a jogada, em alguns sistemas 4-3 ele é responsável pelo C-gap e tem que vir jogar no box mais vezes. Logo é mais fácil de se expor safeties que possuem problemas com tackles e falta de instintos no combate ao jogo terrestre.

Antes de abordar a diferença do 4-3 para o 3-4 (e porque da preferência de cada esquema), precisamos realmente conhecer como funciona o 3-4. No próximo texto da série o 3-4 será abordado, assim como a diferença entre os dois sistemas e o porquê desse encolhimento do uso do 4-3 ao longo dos anos.

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