Não ser draftado, lutar na pré-temporada e virar estrela na NFL: é possível?

A carreira de um jogador de futebol americano profissional é como uma grande rodovia. Ela tem uma entrada, que geralmente ocorre quando pré-adolescente, e várias rampas de saída para o esquecimento.


Raros são os casos de jogadores que andam a 120 km/h o tempo todo nessa auto-estada e mais raros ainda são os casos em que essa estrada tem como destino final o Hall da Fama do Futebol Americano Profissional. Boa parte desses jogadores acaba, por diversos motivos, andando devagar e acaba subitamente pegando no tranco. Aaron Rodgers, por exemplo, foi escolha de primeira rodada no Draft – antes, porém, sequer ter sido recrutado por uma universidade da primeira divisão do College Football, a FBS.

Há aqueles que não têm o destino de Rodgers, que se transferiu de uma pequenina faculdade (as Junior College, espécie de “Curso Técnico” no sistema educacional americano) para a Universidade da California em Berkeley – de onde, aliás, veio Jared Goff, a primeira escolha geral do Draft de 2016. Só na FBS são 128 universidades. Cada uma tem elenco de praticamente 70 jogadores. Imagine como a “filtragem” até a NFL é rigorosa e, por vezes, até mesmo injusta.

A última chance de um jogador recém-saído da universidade brilhar e poder viver do futebol americano é o Training Camp. Há aqueles que após a graduação e não serem draftados tentam uma vez. Há os que tentam múltiplas vezes. Anos atrás, quando existiu a empreitada da NFL Europa, ainda havia os que lá tentavam uma chance para continuar com a chama acesa. Outros acabam fazendo ping pong entre a Arena Football/CFL e os camps da NFL.

De uma forma ou de outra, a vida de um undrafted free agent não é fácil. Ele passou, em tese, pelo crivo dos scouts no processo de pré-draft e não foi escolhido em nenhuma das sete oportunidades – sem contar as escolhas compensatórias – que cada uma das 32 franquias teve. Ultrapassar esse senso de negação e rejeição requer um mindset que nem todos têm. O talento físico às vezes está presente: mas brilhar na derradeira chance e performar sob pressão é algo para poucos.


Há uma série de fatores que levam um jogador que não foi tão bem no College ou no Ensino Médio acabar jogando como estrela no jogo profissional. O primeiro e principal deles – da qual muitos decorrem – é que o jogo na NFL é diferente do jogo no College. Essa é uma questão que bato sempre na tecla mas que parece menos perceptível do que em outros esportes. É notória a diferença do College Basketball/Basquete FIBA para a NBA – esta é notoriamente mais física, sobretudo no garrafão. Já no futebol americano as diferenças são menos perceptíveis. Por exemplo: as hashmarks (linhas de marcação do meio do campo) são mais largas no College, o que propicia a spread offense e o jogo terrestre – nesta foto dá para perceber bem. Um jogador de pro offense no College pode não ter números tão pirotécnicos e acabar se destacando menos do que um de spread com stats na casa do chapéu.

A maturidade também é um ponto a se considerar. Mesmo sendo primeira escolha geral no Draft de 2015, Jameis Winston foi – com o perdão da palavra, mas é a verdade – um completo imbecil no campus de Florida State. Ao ponto de pedir um copo para beber água no Burger King e usar o copo no refil do refrigerante sem pagar (isso e outras dezenas de problemas, como ser suspenso por um jogo e mesmo assim ir encher o ouvido do técnico na sideline). Ao longo de seu primeiro ano como profissional, Winston mostrou que era um novo homem e com uma ética profissional anos luz melhor – sendo, de fato, um líder em Tampa Bay. Ele chegou a emagrecer 8 quilos nesta intertemporada. Jameis é um bom caso de como a maturidade – tão necessária na NFL e que pode derrubar jogadores ao longo do Draft – pode ser tardia. Ele tinha talento e os problemas foram deixados de lado pelos olheiros – mas outros acabam não tendo a mesma sorte.

Veja o caso de Justin Houston, por exemplo. Hoje ele é considerado um dos melhores pass rushers da NFL. Antes do Draft, o prospecto de Georgia tinha sinal amarelo de bust porque testou positivo para maconha no anti-doping. Caiu para a terceira rodada. Desde então, está limpo. Mas há jogadores com cotação de quinta rodada, por exemplo, que se testarem positivo, ganharão uma chance nos camps e olhe lá. Houston era talento de no máximo segunda rodada – por isso o risco compensava. Outros não tem essa “sorte”.

Feita essa contextualização inicial, separei 4 grandes casos temáticos de jogadores que acabam não sendo draftados e se tornam grandes estrelas na NFL. Obviamente em comum com todos eles, o fato de acreditarem no próprio potencial mesmo quando ninguém mais o faria. Como tudo na vida, o sucesso – já dizia Edison – é 10% inspiração e 90% transpiração.

cruz

Depois de uma universidade pequena a pré-temporada acaba sendo o grande palco

Os elencos são extremamente inflados na pré-temporada da NFL: acabam tendo praticamente o dobro de atletas (cerca de 90) do que terão (53) na temporada regular. Já parou para pensar nisso? Metade dos jogadores que entram no training camp acabam ficando desempregados em setembro – ou tentam a chance em outras ligas, como a CFL, num ano posterior. As partidas de pré-temporada são insuportavelmente chatas em alguns casos – mas não para esses jogadores.

A pré-temporada, com poucos jogos em transmissão nacional para os EUA, é o palco decisivo para muitos desses atletas. Claro, os casos que dão certo chamam mais a atenção – mas de qualquer forma não podemos de mencioná-los. Talvez os exemplos mais notórios e recentes sejam de Victor Cruz e de Terrell Davis. O primeiro era um desconhecido recebedor de UMass. Na pré-temporada de 2010, apareceu para o mundo – especificamente no dia 16 de agosto de 2010, contra os Jets. Cruz ajudou os Giants a vencerem por 31-16, recebendo seis passes para 145 jardas e três touchdowns. Ele liderou a NFL em jardas recebidas naquela pré-temporada, com 297 – média de 74 por jogo, alta mesmo para atletas que jogam os 60 minutos de uma partida de temporada regular.

Outro caso bastante lembrado de “herói” nos camps é de Terrell Davis, running back bicampeão do Super Bowl com o Denver Broncos em 1997 e 1998 – e, em minha opinião, injustamente fora do Pro Football Hall of Fame. Vou colocar ele aqui como uma gigantesca exceção, porque ele foi draftado (na sexta rodada de 1995, como Tom Brady em 2000). O que chama a atenção – e por conta disso vale a nota – é que ele era o sexto running back do elenco de Denver antes da temporada regular. Muito por conta de sua intensidade nos camps e nos jogos de pré-temporada (não como corredor, mas como membro do special team, Davis ganhou uma chance e era titular na abertura da temporada. Claro: muito lhe ajudou o sistema de bloqueios por zona de Mike Shanahan e Alex Gibbs, mas isso não tira seus méritos.

A chance só veio porque o titular se machucou

Ocorre com maior frequência em posições que possuem mais de um jogador em campo – linebacker, por exemplo. Ou então cornerback. Se o titular se machuca ou está baleado durante a intertemporada, muitas vezes um calouro não draftado acaba tendo mais chances de ser testado nas partidas amistosas de agosto.

Outro exemplo, embora menos comum, é quando um quarterback se machuca e o undrafted ganha a chance. É impossível se esquecer de Kurt Warner quando pensamos nesse sentido. Warner não foi draftado em 1994 e vinha brigando para conquistar uma chance num elenco de 53 jogadores. Ele havia chegado a jogar na NFL Europa e brilhado – guardadas as proporções – no Arena Football, tendo a primeira chance de verdade na NFL apenas em 1998. Se Trent Green não tivesse se machucado na pré-temporada (rompeu ligamento do joelho), Warner nunca teria tido uma chance para mostrar o que sabia e os Rams provavelmente não teriam vencido o Super Bowl em 1999.

Quando não é a universidade que é pequena, mas o próprio corpo


Um dos principais “dogmas” na adaptação do futebol americano universitário para o profissional é a questão do jogo na NFL ser mais físico e, por consequência, ter mais demandas físicas. Quem não se lembra de Russell Wilson caindo para a terceira rodada do Draft por ter “apenas” 1,80 m de altura? Na mesma pré-temporada na qual foi draftado, Wilson venceu Tarvaris Jackson e Matt Flynn (que fora contratado a peso de ouro) se tornando o titular de Seattle.

Claro, como o exemplo de Davis, Wilson foi draftado. Existem outros tantos que podem ser mencionados. Wes Welker é um bom exemplo. Ele não foi draftado em 2004 e “peregrinou” pelos elencos de Chargers e Dolphins até definitivamente se firmar em New England. Com 1,75m de altura, Welker seria baixo demais para jogar como split end ou flanker – mas não no slot. Ele foi um paradigma na posição Y/slot ao final da década passada e liderou a NFL três vezes em passes recebidos, tendo cinco temporadas com 100 ou mais recepções.

Gostou deste texto? Ele foi a escolha desta semana dos nossos sócios diamante no ProFootball. Saiba aqui mais detalhes de como ser nosso chefe e escolher o que será publicado no ProFootball – além de outros vários benefícios, como fantasy com premiação.

Outro caso bastante interessante é de John Randle, um dos melhores defensive tackles da NFL na década de 1990. Antes de ir a sete Pro Bowls e ter 137,5 sacks na carreira, Randle não foi draftado. Ele chegou a fazer testes no Tampa Bay Buccaneers – onde seu irmão já jogava. Ouviu um sonoro “não” por ser considerado pequeno demais para a posição na NFL. Com 1,83m, ele acabou por assinar com o Minnesota Vikings depois e se tornou um sólido contribuinte da defesa.

Posição diferente no College – ou esporte diferente?

Há, por fim, casos nos quais a “entrada” naquela auto-estrada metafórica que lhes mencionei ao início acabou sendo tardia. É cada vez mais comum vermos jogadores de basquete universitário tentarem uma chance como tight ends na NFL – mas isso não era assim há alguns anos. O primeiro grande nome a fazer essa transição foi Antonio Gates. Ele não foi draftado, mas ganhou uma chance com o San Diego Chargers e rapidamente se tornou uma das mais confiáveis armas da NFL no jogo aéreo. Após 13 sólidas temporadas como profissional, Gates já passa dos 100 touchdowns recebidos.

Leia também: Opinião: Foi bizarro e a NFL também erra – mas ao menos acertou em cancelar o Hall of Fame Game

Ainda existem outros exemplos interessantes: casos de jogadores que já jogavam futebol americano – mas após o Draft mudaram de posição para se encontrar. Jason Peters, hoje considerado um dos mais sólidos left tackles desta última década, jogou como tight end no College Football.

Claro: há vários exemplos que não se encaixam nesses 4 grandes casos. Warren Moon, por exemplo, foi preterido na NFL muito porque havia um velado preconceito com quarterbacks de origem afro-americana, como falei neste texto. Ele teve que ser campeão da CFL (a Grey Cup) para ter uma real chance na NFL. De uma maneira geral, são atletas que não desistiram. Que ouviram um não por diversas vezes – mas, que no final, sabiam que a oportunidade chegaria. Quando ela chegou, eles não desapontaram.

Comentários? Feedback? Siga-nos no twitter em @profootballbr e curta-nos no Facebook.

Quer uma oportunidade para assinar nosso site? Aproveita, R$ 9,90/mês no plano mensal, cancele quando quiser! Clique aqui para assinar!
“odds