Opinião: Em nome da “imagem” da liga, Roger Goodell transformou a NFL em uma ditadura

Tudo começou em dezembro passado. A rede de televisão Al Jazeera exibiu um documentário chamado “The Dark Side: The Secret World of Sports Doping” (O Lado Escuro: O Mundo Secreto do Doping nos Esportes). Nele, um farmacêutico chamado Charlie Sly declarou ter ajudado muitos astros da NFL e da MLB a adquirirem e utilizarem substâncias proibidas pelas ligas, visando aumentar seu desempenho. Dentre os acusados estava Peyton Manning, à época quarterback do Denver Broncos, Clay Matthews, Julius Peppers e Mike Neal, do Green Bay Packers e James Harrison, veterano linebacker do Pittsburgh Steelers.


Todos os jogadores envolvidos negaram veementemente as acusações, que foram posteriormente desmentidas por Sly. Isto não foi o suficiente para a NFL e seu comissário Roger Goodell, que decidiram que as acusações da rede de televisão eram motivo suficiente para abrir uma investigação contra os jogadores.

A Política de Substâncias “Aumentadoras” de Performance da NFL, escrita em comum acordo com a Associação de Jogadores da NFL (NFLPA) prevê que a liga possa investigar um jogador, caso existam evidências de que ele teria feito uso de substâncias desta natureza. No entanto, a NFLPA declarou não enxergar as acusações desmentidas por Sly como evidência. Isto gerou uma queda de braço entre as duas instituições, que agora se aproxima de seu desfecho final.

A primeira ação de Goodell neste impasse foi a de inocentar Peyton Manning das acusações. Mas porque inocentá-lo enquanto ainda busca uma investigação mais aprofundada contra os outros jogadores envolvidos? Bom, a NFL não teria nada a ganhar acusando Manning. O jogador se aposentou após a vitória no último Super Bowl e nunca mais disputará uma partida da liga. Uma investigação sobre dopping serviria apenas para manchar a reputação de uma das maiores lendas do esporte e, consequentemente, a própria reputação da liga, já que Manning é o jogador mais rapidamente associado ao futebol americano em todo o mundo. E, ainda mais importante, Peyton não faz mais parte da NFLPA pelo fato de não ser mais jogador profissional.


Para entendermos o motivo disto ser relevante, é preciso nos lembrarmos de como as principais diretrizes da liga são definidas: o Collective Bargaining Agreement (CBA), ou Acordo Coletivo Trabalhista, em tradução livre. Trata-se de uma negociação laboral entre a NFL e a NFLPA, que culmina em um acordo entre as partes com duração determinada (e com validade para todos os times e jogadores da liga). O acordo atual, assinado após a greve dos atletas em 2011, termina em 2020 e ambas instituições já estão se preparando para as ferozes rodadas de negociações que virão. Um dos pontos principais do novo CBA, com certeza será o abuso de poder do atual Comissário.

O pulso forte com que Goodell tem gerido as questões disciplinares da liga, sob o pretexto de proteger sua imagem (“the shield”, em metonímia ao logo da liga), parece nada mais ser do que uma muito bem pensada estratégia de negociação. Ansiosos para se ver livre das punições arbitrárias de Goodell, a NFLPA pode se ver obrigada a abrir concessões em áreas muito mais importantes para os donos das franquias, como distribuição de receitas, aspectos contratuais dos jogadores e número de partidas disputadas na temporada. A investigação dos quatro jogadores acusados que ainda se encontram na liga parece ter sido o último golpe neste sentido.

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No começo desta semana, a NFL convocou Matthews, Peppers, Neal e Harrison para uma entrevista a respeito do incidente, acrescentando que, caso os jogadores não se apresentassem até o dia 25 de agosto, eles seriam imediatamente suspensos. Goodell vem tentando obter estas entrevistas desde junho, mas os atletas, sob orientação da NFLPA se recusaram a fornecê-las. Até agora. Parece que a ameaça de suspensão funcionou, já que três deles – Matthews, Harrison e Peppers – declararam ao final da última semana, através de uma comunicação oficial da NFLPA, que participarão das entrevistas. Apenas o free agent Mike Neal se mantém firme na posição. Infelizmente. dada a relevância muito maior dos outros envolvidos, sua recusa não criará o tipo de resistência que a NFLPA e seus 1.900 jogadores associados precisavam.

As consequências para os jogadores

Se mantiver sua decisão de não participar das investigações, Neal pode ser forçado a uma aposentadoria precoce. O jogador, que ainda se encontra sem um time para defender nesta temporada, dificilmente atrairia muito interesse novamente se fosse suspenso por um longo período. As franquias tendem, cada vez mais, a ficar longe de “distrações” – é triste dizer isso, mas Neal acaba sendo uma.

Para os outros três, ainda é cedo para sabermos. É muito pouco provável que estas entrevistas forneçam algum tipo de evidência de uso de substâncias restritas, mesmo que tal uso tenha de fato acontecido. Mas caso os jogadores realmente façam uso – ou tenham feito – de tais substâncias, eles podem ser afetados de uma outra maneira. Se a NFL considerar que existe “evidência crível” deste uso, os jogadores passariam a estar sujeitos a testes durante toda a temporada, o que não acontece com os outros jogadores. É o mesmo “precedente Brady”, da punição pelo “mais provável do que improvável”. No direito civil/trabalhista americano, isso é possível – embora no direito penal, lá e aqui, não possa haver dúvida de culpa.


A maior possibilidade no momento é que os reflexos desta vitória de Roger Goodell, sua segunda em 2016, só serão sentidos em 2021, na próxima negociação do CBA. Até lá, resta à NFLPA e seus associados se resignarem perante o poder quase que absoluto do Comissário – em “nome” do escudo da liga.

Em resumo, Goodell usa o artifício de “proteger” o nome da NFL para sair soltando suspensões para todo lado. Ao invés dele mesmo ser um escudo para os donos de franquia, Goodell se transformou em um gigantesco protagonista das histórias. Não é o correto e não foi o expediente utilizado pelos seus antecessores no cargo, Pete Rozelle e Paul Tagliabue. O primeiro já se encontra no Hall da Fama do Futebol Americano Profissional e o segundo é finalista para a classe de 2017. Seja honesto: com tantas polêmicas desnecessárias, você votaria em Goodell para a “imortalidade”?

Parece perseguição e “mimimi” a toa, mas é só fazermos um balanço do número de suspensões aplicadas por Rozelle e Tagliabue em comparação com Goodell – desconsiderando PEDs, porque aí é algo objetivo. Pete, Comissário de 1960 até novembro de 1989, aplicou 7 suspensões. Paul, Comissário de 1989 até 2006 – quando Goodell assumiu – aplicou 24. Um aumento considerável, mas lembremos que foram 17 anos no cargo. Roger, em 10 anos, 102.

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Especificamente no caso dos linebackers, o que fazer? Parece ciência quântica, mas não é tanto. Goodell poderia designar um árbitro independente para cuidar do assunto e decidir a causa ao invés dele mesmo, em nome da liga, ser parte e julgador. Ele estaria fazendo sua parte sem, necessariamente, ser protagonista – coisa que um comissário não precisa ser. O que ele precisa é resolver o problema – não chamar mais atenção para si.

A menos que uma monumental greve ocorra ao final da década, dificilmente os donos retirarão Goodell do cargo. A NFL continua sendo um negócio bilionário e, suspensões a parte, Roger Goodell vem sendo responsável por esse aumento nos lucros. Para os donos de franquias, a menos que percam dinheiro, a situação não vai mudar.

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