Sobre as faltas (dos dois lados), a essência de justiça nas regras e os hits em Cam Newton

Você viu o jogo, de nada adiantaria eu falar como foi ou o resultado, nesta altura do campeonato você sabe que Denver venceu por 21 a 20 após field goal errado de Graham Gano. O jogo terrestre de Denver funcionou legal, o de Carolina no primeiro tempo, idem. Com efeito, Cam Newton não sofreu nenhum sack nos dois primeiros quartos e tudo indicava que os Panthers com seu plano de jogo capaz de anular o pass rush de Denver, venceria a partida.

No segundo tempo o cansaço veio para a unidade e a questão técnica dos dois tackles de Carolina, Mike Remmers e Michael Oher, mostrou o porquê de preocupar. Denver conseguiu chegar a Cam Newton por múltiplas vezes no segundo tempo. Após os Broncos virarem a partida, Carolina tinha campanha derradeira no terço final do último quarto – novamente, a mesma narrativa do Super Bowl 50 estaria em jogo: defesa do Colorado e seu pass rush contra Cam Newton.

É aí que entramos em algumas questões polêmicas. Na hora, pelo meu twitter, chamei a atenção pelo fato de que há certa desproporcionalidade em relação à punição por Uso Ilegal das Mãos. É uma falta de cinco jardas – mas que dá primeira descida automática. Vamos ao fundo do porquê dessa regra existir, por meio da evolução histórica da liga. Deduzirei em articulados alguns pontos que seriam impossíveis de serem registrados em 140 caracteres e no calor de um two-minute drill.

a) As faltas de marcação ao passe de maneira ampla “sempre” existiram, mas ao final da década de 1970 ficaram mais “pesadas” para as defesas. O jogo estava “chato” e extremamente terrestre. Em 1978, a NFL implementou a interferência de passe tal qual conhecemos hoje. Ficava proibido o uso de punição física ao recebedor numa zona que ia de 5 jardas da linha de scrimmage até o fundo da end zone. A falta, a princípio, não foi criada para “proteger” os recebedores tão somente. Foi implementada para abrir o jogo e fazer com que os recebedores tenham maior chance de recepção. Ataques mais aéreos geram mais pontos, mais audiência e mais dinheiro para a NFL. É uma equação básica.

b) Daí, decorre a “família” de faltas na defesa contra o passe, na qual, através desse objetivo de abrir o jogo aéreo, faz com que uma falta de 5 jardas – uso ilegal das mãos – possa se tornar uma falta de 99 jardas (tal qual pode acontecer com a interferência). Era uma 4ª para 21. Virou primeira descida. Eu, pessoalmente falando, não acredito numa essência de “justiça” da regra somente por ela existir. É um positivismo seco demais e que não versa sobre outros aspectos que devem ser essenciais à justiça – tal qual aqui, especificamente, a proporcionalidade entre delito e punição. Não foi o caso ali.

c) Dito isso e essa eventual “injustiça” daquele momento, cabe ressaltar – e talvez eu estivesse tão p! da vida no momento do Illegal Use que acabei por negligenciar o resto, erro meu no Twitter – que não faz sentido que duas faltas de 15 jardas se anulem apenas por serem faltas de 15 jardas. O roughing the passer em Cam Newton foi claro, dado que o hit foi em direção ao capacete. Não faz absolutamente nenhum sentido o livro de regras prever que um intentional grounding (o ato do quarterback “isolar” a bola para evitar contato) tenha a mesma punição prática que uma falta que visa coibir o contato desleal (RtP). Neste sentido, em tese, as coisas estariam niveladas. De toda sorte, o protocolo de concussão deveria ter sido acionado para Cam Newton – e aí, as chances de vitória provavelmente iriam pelo ralo. Esse negócio de justiça fica um tanto quanto complicado, não?

Com efeito, uma regra não é justa apenas por existir. Caso assim fosse, o sistema funcionaria (não só em termos de regras desportivas, mas no âmbito total da sociedade) de forma calibrada e perfeita – e está longe de sê-lo. Se analisarmos sob o aspecto desportivo e lógico-temporal, a campanha teria morrido já no primeiro ponto polêmico (a Illegal Use gerar primeira descida automática). No campo, especificamente no segundo tempo, o Denver Broncos jogou melhor. Desportivamente falando, portanto, a “justiça divina” – entre grandes aspas – seria a vitória de Denver. A equipe teve dois turnovers a mais, mas mesmo assim executou melhor na red zone. Aproveitando a deixa, espero que isso evidencie o quão manco é o axioma “vença a batalha de turnovers” num esporte cujo objetivo é a conquista de território e não tomar a bola do adversário.

De um lado, temos a polêmica do Illegal Use of Hands não ser uma falta com punição proporcional à “gravidade” do ilícito. Do outro, não faz muito sentido que haja offset entre uma falta que visa proteção do jogador e uma falta que visa coibir um ilícito meramente desportivo. No final das contas, o ânimo dos torcedores vai ficar exaltado e obviamente pessoas vão se xingar em redes sociais, justamente por estarem de cabeça quente. O ponto que une tudo isso é: não é porque uma regra existe por si só que é justa – dos dois lados. Ambos os aspectos – para que não haja privilégio desproporcional ou proteção desproporcional à integridade física do jogador – têm de serem endereçados. Serão? Só saberemos na temporada que vem.

No mais, lembre-se: é esporte. Você pode discordar de um torcedor dos Panthers ou dos Broncos. Ou de alguém que especificamente se identificou com um dos dois lados da potencial “injustiça” que disse acima. Amanhã, quando você acordar, vale a pena refletir: vale a pena brigar e ofender só por isso? Afinal, esporte é entretenimento e assim deve sê-lo.

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