Playcalling: Além do talento dos jogadores, as escolhas de seu técnico moldam o destino de seu time

Antes de entrar na parte material do texto propriamente dita, é importante apontar o que deu origem ao presente artigo. Inicialmente, quis indicar o quanto as chamadas ofensivas de Mike McCarthy estariam atrapalhando o Green Bay Packers em conquistar vitórias, e de que forma ele estaria subaproveitando Aaron Rodgers. Como o meu prezado Antony Curti já apontara numa Primeira Leitura tais questões, o texto seria redundante e acabou ficando na geladeira.

Acontece que um problema muito mais essencial acompanha toda a questão particular lá em Wisconsin (mas vamos combinar também que Mike McCarthy mais uma vez colocou as asinhas de fora e ajudou o time a perder para o Dallas Cowboys na tarde de ontem): o quanto as chamadas ofensivas e defensivas moldam as franquias e seu futuro? Pois bem, vamos voltar um pouco no tempo entre as semanas 3 e 4 desta temporada para nos situarmos quanto aos Packers e as particularidades daquela semana – para então saltarmos para a tarde de ontem, já na Semana 6 da temporada regular.

Na Semana 3, o Detroit Lions visitou o Green Bay Packers, no lendário Lambeau Field, e perdeu a partida por 34 a 27 – um jogo disputado, ao que tudo indica. E de fato foi, só que não no sentido “clássico” do termo. O Green Bay Packers anotou quatro touchdowns no primeiro tempo da partida, e chegou a liderar por 31 a 3 até os minutos finais do segundo quarto, quando Marvin Jones anotou seu primeiro touchdown da tarde e aproximou o placar para “apenas” três posses de bola.

No segundo tempo, parecia que outra equipe tinha entrado em campo para o Detroit Lions. A equipe de Michigan anotou 17 pontos, enquanto os donos da casa se contentaram com um field goal de Mason Crosby. No final, apenas um touchdown separava as duas equipes. Ora, como uma defesa que estava sendo queimada por Aaron Rodgers simplesmente mudou da água pro vinho no intervalo? É claro que não – uma explicação mais lógica seria dizer que Bill Belichick se disfarçou de Jim Caldwell e fez ajustes para o segundo tempo. O que aconteceu de fato foi: o Green Bay Packers simplesmente parou de tentar aumentar o placar – arriscando, assim, o desfecho do jogo.

Em que pese os desfalques defensivos dos Packers, o jogo não ficou próximo por uma súbita mudança de comportamento defensivo dos Lions. O que acometeu o time de Wisconsin foi que a equipe sentou em cima do resultado e resolveu basicamente correr com a bola no segundo tempo. Conservador, não acham? Pois é, eu também.

No primeiro tempo, Aaron Rodgers foi Aaron Rodgers. Em 18 tentativas, foram 12 passes completos para 174 jardas e nada menos que quatro touchdowns. A explosão ofensiva que todos os torcedores em Green Bay – e ao redor do mundo – sonhavam aconteceu e justamente contra um rival de divisão. O problema é que no segundo tempo a equipe resolveu correr com a bola, pensando que gastar 30 minutos do relógio fosse uma tarefa simples, sem considerar que havia um competente quarterback do outro lado com muita vontade de explorar os desfalques de Clay Matthews, Sam Shields e Morgan Burnett. Aaron Rodgers, nas quatro campanhas nos dois últimos quartos, tentou seis passes, sendo três completos para 31 jardas.

A diferença principal foi a utilização do jogo corrido. No primeiro tempo, foram 8 tentativas para 45 jardas; no segundo, foram 14 corridas para 85 jardas. Colocando em outros números, 69% das jogadas ofensivas que aconteceram no primeiro tempo foram passes; no segundo tempo, apenas 30% das jogadas do time comandado por Mike McCarthy exploraram Aaron Rodgers no jogo aéreo. Um diferença gritante, especialmente se você tem ao seu dispor o melhor quarterback em atividade na NFL (antes que torcedores do New England Patriots peçam minha cabeça, Tom Brady é provavelmente o maior de todos os tempos, mas, na temporada de 2016, eu prefiro ter Rodgers ao tetracampeão de Boston).

As opções ofensivas de Mike McCarthy no segundo tempo colocaram o Green Bay Packers numa posição na qual eles poderiam ter perdido o jogo. As escolha de jogadas pode parecer algo corriqueiro, parte do ofício de todos os treinadores da NFL – mas elas moldam o futuro da franquia. E ontem, mais uma vez, o head coach colocou em campo um plano de jogo ineficiente. 

Na derrota para o Dallas Cowboys, o Green Bay Packers mais uma vez abusou das rotas nas quais os recebedores ficavam isolados na marcação, com poucos slantscrosses, rotas mais curtas que vão para o meio do campo, pautadas em timing. Mike McCarthy tem dedo nisso, – não vou nem entrar no mérito do elenco ter dois running backs e correr o risco de nenhum jogar e Randal Cobb ser o titular – e que dedo. Para ilustrar, Jordy Nelson não correu um slant sequer nas duas primeiras semanas da NFL. Difícil você criar espaços na marcação com todos correndo rotas fundas. Vida fácil pro cornerback, que sabe o que antecipar, pro safety, que sabe onde vai precisar dobrar a marcação, pros linebackers, que podem cobrir rotas médias e curtas com pouca preocupação, e pro coordenador ofensivo, que pode mandar mais blitzes porque sabe que não vai ser queimado no passe curto. Resultado? A primeira derrota em casa na temporada.

Utilizando os talentos das suas peças ao máximo

A maioria dos técnicos diria que é fundamental você utilizar ao máximo os talentos dos jogadores que você tem em campo. Por exemplo, se você dispõe de um running back de elite, você vai construir um plano de jogo que o envolva e que o mantenha como uma ameaça ao adversário – mesmo que seja uma jogada aérea. Mantê-lo nas três descidas mostra ao adversário que há sempre a chance daquele jogador estelar castigar a defesa a qualquer momento. Se eu tenho Adrian Peterson, eu não vou colocá-lo para ganhar duas jardas na primeira descida e depois colocar Matt Asiata em campo, certo?

Neste sentido, basta olhar para Ron Rivera e o Carolina Panthers. Que Cam Newton consegue resolver com as pernas, todos sabem. A situação muda de figura quando as jogadas do Carolina Panthers são construídas de forma a inserir a ameaça da corrida do camisa 1. O arsenal de jogadas terrestres dos atuais campeões da NFC envolve um grande número de options, jogadas nas quais a leitura dos defensores decide o rumo da jogada. Se o linebacker focar sua agressividade no running back, é o signal caller que corre com a bola, e vice-versa.

As defesas precisam segurar sua própria agressividade para não sofrerem com grandes ganhos no jogo terrestre. Caso elas optem por trazer um jogador da secundária para o box, criando um front de oito homens, Cam Newton, com sua evolução no aspecto mental do jogo, pode aproveitar os buracos criados pela defesa, mudar a jogada na linha de scrimmage e conquistar primeiras descidas cruciais. A capacidade de Cam Newton correr com a bola é explorada ao máximo, gerando o rolo compressor que impressionou a NFL em 2015. Independentemente do desempenho dos atuais campeões da NFC South na temporada 2016, é admirável ver que o time maximiza as virtudes do seu signal caller.

Outro exemplo fica por conta de, claro, Bill Belichick.  Em raríssimas situações eu vi o técnico do New England Patriots simplesmente falar “vamos entregar essa bola na mão dos running backs e ver o tempo passar”. Claro que não, porque ele sabe que dispõe de ninguém menos que Thomas Edward Patrick Brady Jr. comandando as rédeas do seu ataque. E é saber disso que faz partidas nas quais os Patriots abre três posses de bola quase irreversíveis para os adversários – o que não parece acontecer com o Green Bay Packers.

Como as opções de jogada moldam o futuro de uma franquia

De nada adianta eu colocar um quarterback à la Alex Smith para comandar um ataque como o do New Orleans Saints, ou como o do Detroit Lions. Quando menciono “maximizar” o potencial dos seus jogadores, não é só entender o que eles fazem de melhor. Compreender onde eles não são tão eficientes é igualmente importante. Da mesma maneira, quando você identifica os talentos, você define jogadores-chave do seu time e constrói um sistema e uma forma de jogo nos quais eles possam deslanchar.

É o próprio caso do Kansas City Chiefs. Você tem um sistema que opta por passes mais curtos, screens e passes para os running backs – Jamaal Charles é acima da média, e Andy Reid sabe disso. E é por esse motivo que ele é envolvido tanto nas descidas corridas (naturalmente) quanto nas de passe – e não é so Charles; Spencer Ware, nas ausências do titular, sabe também utilizar as mãos e Reid explora isso da mesma forma.

Uma vez determinadas as forças e fraquezas da sua equipe, além dos jogadores-chave do elenco, o front office pode entender onde os reforços são necessários para moldar uma equipe vencedora. Se meu sistema privilegia um jogo aéreo com rotas mais longas e meu quarterback-chave está tendo dificuldades em ter um pocket limpo, eu posso focar em adquirir peças para melhorar a linha ofensiva.

As chamadas não influenciam só também as escolhas de draft. Decisões dos jogadores dentro da própria equipe de deixar os times quando viram free agents e podem assinar com outras franquias. Basta ver o caso de Lamar Miller, no ano passado. No Miami Dolphins, o running back era muitas vezes preterido quando a equipe ficava atrás no placar, mesmo sendo bastante eficiente quando acionado. Agora, Miller é o feature back do Houston Texans, recebendo basicamente 20 toques na bola por partida.

Quando as opções chamadas limitam seu melhor jogador

Retomando as chamadas ofensivas de Mike McCarthy na Semana 3 – não há nada de errado em correr com a bola para controlar o ritmo da partida, especialmente se você estiver ganhando. Ou como um princípio geral – o Kansas City Chiefs faz isso muito bem, mesmo com os conhecidos problemas de controle de relógio de Andy Reid. A questão é que isso pode funcionar melhor para ataques que não tem Aaron Rodgers under center. Se o seu jogo corrido não move as correntes tão bem quando o jogo aéreo, qual o sentido de simplesmente correr nas três descidas, conquistar 4 jardas e devolver a bola para o adversário? O que impede você de usar o melhor quarterback da NFL não em todas as descidas, mas em duas, sabendo que ele consegue melhor que o seu running back mover as correntes?

Quando uma vantagem de 31 a 3 se torna uma de 34 a 27, você deve questionar seus métodos. Especialmente se você anotou quatro touchdowns aéreos no primeiro tempo. Não vale jogar isso nas costas das ausências defensivas, que, por mais que façam falta, você conseguiu segurar o ímpeto do Detroit Lions durante dois quartos. A verdade é que se você utilizar ao pé da letra os “princípios do futebol americano” – neste caso, “correr com a bola para gastar o relógio” -, seu time corre o risco de ser pego no contrapé numa virada – como foi no NFC Championship Game da temporada de 2014.

De mesma forma que se você é atropelado em casa por um time cuja defesa abaixo da média contra o passe tendo Aaron Rodgers como seu quarterbackvocê realmente precisa entender o que você está fazendo de errado.

Este problema não surgiu nesta temporada. Se puxarmos da memória aquela final da NFC entre Green Bay Packers e Seattle Seahawks, veremos que, assim que os Packers abriam uma vantagem, McCarthy se enchia de alegria e sentava a mão nas chamadas corridas. Para quem não se lembra, o time da NFC North terminou o primeiro tempo com um placar de 16 a 0 contra os donos da casa. No segundo tempo, os Packers tentaram 14 corridas e 13 passes, o que parece um número equilibrado. Só que esse números foram inflados pelo último drive do jogo, logo depois do Seattle Seahawks conseguirem virar a partida para 22-19, após um touchdown corrido de Marshawn Lynch e a conversão de dois pontos bem sucedida. Até então, eram apenas 8 passes tentados, 4 completos e 27 jardas. Quando Rodgers teve que mover o ataque até a posição de field goal, ele mostrou serviço e completou 3 de 5 passes para 36 jardas, além de uma corrida de 12 jardas. Claro que na prorrogação a histórica acabou tragicamente para os Packers; seria até anticlimático que a narrativa terminasse de outra maneira. Agora, tem como dizer que chamadas ofensivas não moldam o futuro de uma franquia? Hoje temos um Aaron Rodgers perseguindo seu segundo anel, mas poderíamos tê-lo com uma segunda aparição no Super Bowl.

Entender como seu time funciona e como ele pode ser otimizado é crucial para conquistar vitórias e títulos. Esse diagnóstico honesto e sincero é chave não só para as pretensões do time em cada temporada, mas também para os projetos futuros num espaço de tempo de cinco, dez anos. Os próprios Cowboys foram muito bem sucedidos gastando suas escolhas de primeira rodada em 2013 e 2014 em jogadores de linha ofensiva: eles sabiam e entenderam que tinham um quarterback talentoso em Tony Romo, com conexões valiosas no jogo aéreo como Dez Bryant e Jason Witten, e investiram numa forma de não só protegê-lo, mas aumentar o potencial do seu jogo corrido, ao mesmo tempo que se conectou com sua história – Emmitt Smith, Tony Dorsett e Herschel Walker são nomes familiares? A escolha de Ezekiel Elliott em 2016 com a quarta seleção geral só confirma que o ataque se construiu ao longo dos anos para se tornar uma força multidimensional. E isso só foi possível pela compreensão das forças e fraquezas da equipe, permitindo um planejamento visando o longo prazo dos pentacampeões do Super Bowl. 

O Green Bay Packers, atualmente, ganha mais partidas apesar de Mike McCarthy, e graças ao camisa 12 deste ataque. No final das contas, há um medo de que Aaron Rodgers, pelo seu talento, acabe maquiando as necessidades fundamentais da equipe, impedindo que o general manager consiga identificar o que é crucial para que a equipe conquiste mais Super Bowls sob a batuta do seu brilhante signal caller.

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