Primeira Leitura: A Síndrome de Estocolmo do Torcedor com seus Quarterbacks

Diego Armando Maradona é um dos melhores jogadores da história do futebol. Se é melhor do que um ou outro, isso eu deixo para jornalistas da área e quem acompanha mais de perto a bola redonda. O caso é que em diversas oportunidades, Maradona “acabou” sozinho com o jogo. Foi assim na Copa de 1986 contra a Inglaterra (o jogo da “Mão de Deus” e do gol no qual ele arranca pelo meio do campo). Foi assim quatro anos depois, quando a carrancuda seleção brasileira de Lazaroni até teve boas chances de gol – mas o passe de Maradona para Caniggia liquidou as oitavas-de-final em Turim.

Este é o paradigma com o qual o brasileiro está acostumado. Puxei um exemplo argentino para mostrar que isso não é nem caso do futebol nacional, mas do esporte como um todo. Um dado jogador, numa partida de 90 minutos e com poucos pontos (ou seja, gols) pode acabar decidindo os rumos da partida.

Isso raramente acontece no futebol americano. Claro: há várias oportunidades nas quais ótimos quarterbacks o fazem no quarto período, quando as defesas adversárias estão cansadas. Mas, no geral, o futebol americano é um esporte coletivo cujos rumos de uma dada partida acabam se dando por duelos individuais. Um nose tackle contra o center para o jogo terrestre. Um wide receiver contra um cornerback. Na semana passada, a linha ofensiva do Dallas Cowboys passou por cima do front seven daquela que era a melhor defesa terrestre da NFL (Green Bay). Não foi Dak Prescott que decidiu, por mais que a bola estivesse nas suas mãos em todos os os snaps ofensivos.

Como 99% dos brasileiros que acompanham a NFL têm essa visão enraizada do futebol – do camisa 10 colocando o time nas costas e decidindo – acontece uma anomalia ao analisar e assistir ao futebol americano. Quando o time está bem, os méritos são do quarterback. Quando está mal, é problema de X, Y, da defesa. Não do quarterback.

Quantas e quantas vezes eu não vi fóruns de discussão de torcedores do Chicago Bears o argumento “ah, mas o Cutler não é o culpado, a defesa que o é!”. Eu mesmo tinha por muitas vezes pensado assim. Afinal, Cutler comandou o time à final da Conferência Nacional em 2010. No ano seguinte, os Bears faziam boa campanha até ele machucar.

Eis que surge um conceito que percebo cada vez mais latente com a popularização do futebol americano no Brasil. A Síndrome de Estocolmo. Não de verdade, claro, porque é uma doença e um trauma psicológico grave. Mas em analogia. A Síndrome acontece quando uma pessoa sequestrada acaba se apaixonando pelo sequestrador – por pior que ele lhe faça, dado que o sequestrador é quem lhe alimenta e o único contato com quem o sequestrado tem. Colin Kaepernick, Jay Cutler e tantos outros sequestraram o torcedor com bons flashes. E vivem disso até hoje, quase cinco anos depois.

Múltiplas torcidas da NFL vivem essa Síndrome de Estocolmo. Além do exemplo dos Bears – a qual, aos poucos, parece se livrar do problema ao perceber que além de passador o quarterback precisa ser líder do time – temos o notório exemplo do San Francisco 49ers.

Não é de hoje que eu tenho longos e longos argumentos com torcedores dos 49ers que defendem Colin Kaepernick. Para eles, Kaepernick era aquele cara que derrubou os Packers nos playoffs e, segundo a torcida (juro que li isso) esteve a uma falta não marcada de ser campeão do Super Bowl. Quando as coisas estavam bem, não era

  • A defesa do time que continha nomes como Ray McDonald, Justin Smith, Ahmad Brooks, NaVorro Bowman, Aldon Smith, Patrick Willis, Dashon Goldson e Donte Whitner
  • Greg Roman como um coordenador ofensivo que trouxe do College a antes-não-usada-a-exaustão Read-Option, uma pirotecnia ofensiva que as defesas adversárias não sabiam e não tinham a menor ideia de como marcar
  • Jim Harbaugh, um excelente técnico (vide a ressureição que fez em Stanford, nos próprios 49ers e agora faz em Michigan)

As pessoas parecem se esquecer de tudo isso acima, que carregoumaquiou o jogo de Colin Kaepernick.  Quando tudo isso acima sumiu (aparte de Bowman, mas ele está machucado), a máscara caiu e a gente viu o verdadeiro Colin. Não tem Greg Roman com chamadas simples e Frank Gore com 4 jardas por carregada para armar o play action. Não tem o guru de quarterbacksJim Harbaugh.

E, mesmo assim, por incrível que pareça, o torcedor faz questão de dizer que o problema atual não é Kaepernick. Que fique claro: nada contra os protestos dele, muito menos o cabelo (o qual acho bem bacana, aliás). Não sou babaca. Meu ponto é sobre o estilo de jogo dele, que não funciona mais em 2016.

O ser humano ama zona de conforto. Somos criados, “manufaturados”, em 9 meses, numa zona de conforto. Sempre que no decorrer da vida entramos em uma, relutamos a sair. Como diria o escritor americano Mark Twain, é mais fácil enganar uma pessoa do que mostrar para ela que fora enganada. O torcedor dos 49ers reluta em dizer que Kaepernick é o culpado por qualquer derrota.

Chega a ser assustador. Quando o time estava bem, ele era o virtuoso – não os arredores. Quando o time está mal, os arredores são os culpados.

Tal qual acontece com outros quarterbacks da NFL (Cam Newton é um bom exemplo), o conceito da infalibilidade do líder é uma tendência persistente no torcedor brasileiro. O culpado disso somos nós, a imprensa, que destaca o quarterback sempre que pode. E, no geral, a imprensa brasileira, que sempre buscou heróis infalíveis. Senna, Guga, Gabriel Medina, escolha o que você quiser. Somos um país carente de ídolos, de heróis. Nossa independência não foi proclamada por um revolucionário, mas pelo filho do Rei do país do qual éramos colônia. A República não foi proclamada em revolução, mas em um golpe de Estado. Ao longo das décadas, os heróis esportivos brasileiros acabaram por preencher essa lacuna.

É daí que vem aquela antiga frase, de que o brasileiro não gosta de esporte, ele gosta de ganhar. Assim o é porque somos carentes de ídolos e a imprensa tratou por criá-los para vender jornal e ter audiência na madrugada do GP do Japão. A queda de audiência da Fórmula 1 desde a morte de Senna não é coincidência. E esse é um dos motivos pelo qual trato Cairo Santos como kicker e não como herói brasileiro. Para não incorrer no mesmo erro que tantas vezes aconteceu e gerou uma “bolha” de interesse esportivo no Brasil.

Karl Popper, filósofo, já alertava quanto ao problema de encobrir erros e do quão errado pode ser criar um herói perfeito. Colin Kaepernick ou qualquer outro quarterback não são perfeitos. Reconhecer que não foi só a “ausência de defesa” que perdeu o jogo para San Francisco é o primeiro passo. Não foi a defesa dos 49ers que teve a pior marca em passes para mais de 15 jardas no ano passado. Tampouco o foi ela quem teve menos de 50% de passes completos no domingo contra os Bills.

Negar a regressão do jogo de Colin é a mesma coisa que negar a evolução tática do futebol americano e deixá-lo simples como uma partida de damas. Tudo o que acontece no aspecto tático do jogo é uma metáfora de gato e rato. Quando os ataques abriram o campo com wide receivers, as defesas saíram do 5-2 e foram para o 4-3. Na década de 80, quando o pass rush se tornou o eixo motor defensivo, os ataques começaram a eliminar dropbacks longos e passaram a bola mais rápido – tal qual Dan Marino fez em 1985 na única derrota dos Bears naquela temporada.

read option não está morta – mas ao mesmo tempo não está viva como em 2012. Ela ainda pode ser usada pontualmente como jogada de contenção (tal qual screenplay action e outras). Os coordenadores defensivos aprenderam a marcá-la caso ela seja playbook base. Ponto. Isto é um fato. Objetivo. Colin Kaepernick e Robert Griffin III, dependentes de corridas e da read option para travar a defesa adversária, empacaram. Cam Newton e Russell Wilson, ambos quarterbacks móveis mas que aprenderam a passar cada vez melhor de dentro do pocket, evoluíram.

Os fatos mostram. As estatísticas mostram. Cabe a você, torcedor dos 49ers, enxergar a verdade. Seu namoro acabou. Seu quarterback não é infalível. Ele é limitado. Pode até ter boas partidas contra as fracas defesas de Buccaneers e Saints, nas duas próximas semanas. Mas sem os arredores que tinha em 2012 (coisas que não acontecerão mais, porque o esporte evolui), ele é isso. Um quarterback de menos de 50% de passes completos. Porque não estamos em 2012, estamos em 2016.

E a vida muda. As pessoas mudam. O esporte muda. Aceite.

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