Paciência. No mundo de hoje, com tanta informação e loucuras acontecendo ao mesmo tempo (e o acesso sendo tão fácil para saber dessas loucuras), a palavra paciência parece ofensa para algumas pessoas. Ninguém gosta de esperar resultados, seja no futebol bretão, na NFL ou até mesmo na própria vida. Antigos projetos de 4-5 anos são cortados para planejamentos de 2-3 anos e a rotatividade é imensa.
Atlanta sabia disso quando contratou Kyle Shanahan para a posição de coordenador ofensivo na temporada passada. Na sombra de seu papai Mike, o filho aprendeu muito do esquema que fez tanto sucesso no Washington quando um cara chamado Robert Griffin III era calouro. O conceito de Spread, Read Option foram os que mais chamaram atenção, só que o principal foi aprender o jogo terrestre guiado pelo bloqueio em zona (através do stretch ou outside zone blocking, chame como quiser) e jogadas explosivas contra a defesa base adversária.
A falha em Cleveland como coordenador ofensivo era totalmente esperada. Kyle não é o tipo de cara que vai saber trabalhar sem um quarterback em mãos. Ele precisa de um cara e foi o que achou em Atlanta. No primeiro ano, mesmo com Tevin Coleman, Devonta Freeman, Matt Ryan e Julio Jones, um ataque medíocre – com flashes. Seu esquema ainda não estava montado – na realidade as peças principais ainda não estavam lá.
Para os TL;DR: sim, este é o ataque mais completo e explosivo da NFL. E foi montado com paciência e jogadores não tão caros, mas que fazem a sua função muito bem feita. A primeira peça, e de tal modo fundamental, foi a adição do center (nada barato) Alex Mack.
O papel de Mack na stretch
Todo mundo adora falar de Matt Ryan, seu recorde de 13 passes para touchdowns para recebedores diferentes, liderar a NFL em jardas por tentativa de passe (9,3, melhor que qualquer um da liga por uma boa margem) e mesmo assim possuir menos de 10 interceptações no ano. São números de MVP, obviamente, só que eles foram catapultados por causa do esquema. Note: não estou falando que Ryan é produto do sistema. E sim que o sistema foi moldado para extrair o máximo dele. E a base deste sistema foi o jogo terrestre e a adição de Mack.
Além de ser muito bom para detectar blitzes, Mack está em seu melhor momento quando é permitido atacar no segundo nível – e é uma característica extremamente importante para implantar a corrida stretch. Um exemplo de sua função veio na partida contra os Seahawks. Aliás, todos as jogadas utilizadas neste texto foram contra Seattle – por motivos óbvios.
Mack tem a difícil missão de fazer o snap e explodir para o segundo nível para bloquear Bobby Wagner. Para quem não sabe, a stretch (explicada em palavras rápidas; fizemos alguns textos já explicando o jogo terrestre melhor) é baseada em bloqueios por zona: toda a linha se desloca para a esquerda (ou direita, indo em direção a lateral; por isso o nome de outside zone) e bloqueia o jogador a sua frente. O running back ataca o gap que melhor se apresentar, logo caras de visão como Coleman e Freeman são essenciais para dar certo. É o esquema que fez Alfred Morris se destacar como calouro e que tornou esta dupla de Atlanta tão prolífica.
Note que na hora da decisão, Freeman tem três direções para seguir graças ao bloqueio tardio de Mack. Ele escolhe o lado de K.J. Wright, que está sozinho porque Wagner foi um pouco atrapalhado. O importante do jogo terrestre de Atlanta, além de ditar o ritmo ofensivo, é tornar este ataque imprevisível.
A franquia é a que mais diversifica a direção das suas corridas e o faz com uma variedade de personnel incrível: seja com dois tight ends, fullback ou um tight end só.
A construção do ataque explosivo e o papel de Julio Jones
Muitos times possuem a filosofia de impor o seu ritmo de jogo. O Dallas Cowboys, por exemplo, impõe as corridas de Ezekiel Elliott, mesmo você sabendo o que está por vir. Já Kyle Shanahan tem a filosofia de tentar misturar, complicar e colocar a defesa em situações complicadas. Para isto, ele adora forçar que o adversário não vá para as subpackages e fique em sua defesa base.
Foi aqui as outras adições importantes para este ataque. Shanahan quer três tight ends realmente atléticos para abrir todo o playbook, junto com uma ameaça de bola longa que abra todo o espaço na parte intermediária do campo. A chegada de Austin Hooper para complementar Levine Toilolo e Jacob Tamme (que foi para a Injury Reserve e Josh Perkins assumiu o seu posto, com Justin Hardy também roubando alguns snaps) foi ideal para abrir o playbook. No ano, Ryan tentou 38 passes saindo da formação com três tight ends (maior marca da liga): foram 31 acertos para uma média de 13,5 jardas por passe, oito touchdowns e nenhuma interceptação. Com relação à velocidade, Shanahan foi buscar Taylor Gabriel dos Browns, o tipo de free agent que custa barato e acaba por valer muito a pena.
Com as peças necessárias, era hora de repetir o ataque de Washington. A combinação post (flag ou in) e vertical foi explorada incessantemente com Robert Griffin saindo do play action. Enquanto lá o que segurava a defesa na base era a Read Option, aqui são as formações com dois e três tight ends – que são tão versáteis porque todo mundo consegue agarrar a bola e ser atlético o suficiente para ser uma ameaça.
Nesta jogada os Falcons estão com três tight ends em campo, com Julio Jones como split (ou seja, perto da formação só que é o último homem alinhado; ele tem a liberdade de um slot receiver sem ter alguém no lado do campo o limitando) e Levine Toilolo é movimentado para a lateral. Na troca, Seattle mantém Richard Sherman em cima do último homem perto da sideline e permite com que Jones fique mano-a-mano contra os linebackers. Note que, por estar na defesa base, os Seahawks não possuem nenhum jogador para aguentar o tranco. Por fim, o conceito flag-vertical: o tight end força Earl Thomas a ficar no meio do campo, abrindo espaço para Jones entrar na endzone.
Aqui dá para ver o porquê de Julio Jones ser tão importante neste esquema. É errôneo dizer que ele mais atrapalha do que ajuda. Sim, quando o ataque começa a forçar a bola para ele, fica tudo muito previsível e o resultado é desastroso. Só que Shanahan aprendeu, após a derrota para Kansas City, o que significa ter Julio Jones no ataque. Na realidade, o wide receiver é fundamental quando apresenta-se como ameaça e Ryan pode distribuir completamente o jogo, como nesta jogada.
Aqui, A formação de Atlanta conta com três tight ends e um running back. É óbvio que a defesa está na base, e o ataque coloca todo mundo para correr rotas. Jones executa uma crossing route e é a isca perfeita para tirar Sherman do fundo do campo. Com Freeman e Tamme correndo do outro lado, o safety Earl Thomas tem que dar atenção especial para aquele lado do campo e ele não consegue cobrir o espaço deixado por Sherman. No four vertical disfarçado, os dois tight ends acabam sobrando para um touchdown fácil de Toilolo.
Não durma; os Falcons têm totais condições de irem ao Super Bowl.
A melhor defesa da NFC é a dos Seahawks, só que eles estão sem Earl Thomas. Além disso, todo este ataque de Kyle Shanahan é formatado para vencer a cover 1 e a cover 3 – marcas da franquia. Por fim, com esta linha ofensiva de Seattle, jogando fora de casa, é bem possível que Russell Wilson seja amassado a partida inteira tendo que correr atrás de pontos.
Por que digo isso? Para mostrar que o ditado “grandes ataque ganham jogos e grandes defesas campeonatos” pode falhar miseravelmente na NFC neste ano. E, com a conferência não possuindo nenhuma outra grande defesa, este time de Atlanta tem tudo para surpreender e fazer uma pós-temporada realmente marcante. O motivo é o seu ataque ser o melhor e o mais completo não apenas da NFC, mas sim de toda a NFL.
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