Por que as pessoas amam odiar Tom Brady?

Passe incompleto. Com isso, o Denver Broncos – e Peyton Manning, por tabela – estaria no Super Bowl 50. Tom Brady, não.

No momento, eu estava na Watch Party que a ESPN fez para alguns convidados, em São Paulo. Bom, em realidade eram muitos, coisa de umas 200 pessoas. Havia alguns com camisas do New England Patriots, outros com camisas do Denver Broncos.

Aqueles que não estavam uniformizados durante a primeira das duas finais de conferência, pareciam torcer contra os Patriots, mais do que contra os Broncos. Não comemoravam tão efusivamente as boas jogadas de Denver – em contrário, comemoravam as jogadas ruins de New England. Na falha derradeira da partida, a comemoração era mais efusiva. O garoto de ouro foi derrotado pelo hard-worker Peyton Manning.

A concepção da maioria das pessoas é de que Peyton é extremamente humilde, ético e de que trabalha dia e noite para alcançar seus objetivos – o Super Bowl, no caso. Do outro lado, a impressão cogente por parte das pessoas é que as coisas caíram do céu para Brady – ele é bonito, rico, casado com uma das mulheres mais bonitas do mundo e “trapaceou” para chegar a títulos. Acontece que a percepção não é sempre a realidade.

Tentando entender por que as pessoas odeiam Tom Brady, perguntei para meus seguidores no Twitter sobre o assunto. Para não causar treta na TL, não vou expor o nome das pessoas que me mandaram dadas mensagens sobre o porquê de se odiar Brady – apenas o que elas disseram.

Imagem de Arrogância

Para muitos, Tom Brady seria a materialização da arrogância dentro de campo. “(ele) Tem um “ar” de que não aceita perder, não aceita que toquem nele. Assim como todos que usam a camisa do Patriots”, um dado seguidor me disse. Uma das coisas que mais mencionaram para mim sobre um eventual motivo para odiar Brady seriam as constantes reclamações acerca de arbitragem. Em relação a isso, Tom não aceita geralmente a marcação como “deveria”. Em exemplo contrário, Andrew Luck cumprimenta alguns adversários quando eles dão bons hits em seu corpo. Brady vai reclamar com um árbitro.

Para quem assiste, a percepção é de arrogância, de desobediência. Numa sociedade organizada de modo que você tem que seguir o sistema, talvez tal atitude não seja bem vista.

Mas, de fato, talvez seja necessário buscar mais fundo sobre a origem de Brady e de sua carreira para entender que não é bem isso. Brady sofreu meses até que alguma escola de grande porte lhe oferecesse uma bolsa de estudos para a Universidade. No caso, foi Michigan.

Chegando lá, foi reserva e constantemente “ameaçado” por outros jogadores. Ele chegou a ser o sétimo quarterback no plantel. Quando finalmente chegou ao posto de titular, em 1998, um garoto que fora estrela “local” no Estado, calouro, começou a ser melhor cotado. Seu nome era Drew Henson, sendo este um fantasma constante na carreira de Brady enquanto jogador dos Wolverines.  Em 1999, num momento em que finalmente se sustentou como titular, foi para a NFL cotado como um dos piores quarterbacks do Draft de 2000 – tanto que foi apenas o sétimo draftado naquela classe.

Isso fez com que ele fosse extremamente competitivo. Brady irá pressionar seus companheiros de trabalho – sejam árbitros, jogadores do próprio time ou do oponente – para fazer com que as coisas saiam do jeito dele, para fazer com que ele não volte ao purgatório que passou enquanto mais jovem. Não é uma questão de mera arrogância, mas de competitividade. Um dado seguidor chegou a tocar neste ponto, tentando explicar o ódio alheio. “Odeiam ele porque não torcem pelo time, é competitivo e vencedor. Assim como a maioria dos não tricolores odiava Rogério Ceni”. Outro seguidor assim resumiu: “Acho bem mala, metido”.

brady-complain

Direito Divino

Uma das coisas que chamaram a atenção foi a questão da “polarização” entre quem gosta de Tom Brady e quem gosta de Peyton Manning. “Quem ama Manning odeia Brady, pois este não era um menino prodígio e superou (e muito) Manning em Super Bowls e confrontos diretos”, disse-me um seguidor. A percepção das pessoas é de que Brady é um cara que não teria o mesmo “direito” de vencer em oposição a Peyton.

Manning tem um “pedigree” de campeão, dado os anos do pai em Ole Miss e na NFL. Não obstante, ele foi segundo colocado no Heisman de 1998 e escolhido como primeira escolha geral no Draft daquele ano. Mesmo se você olhar para a carreira universitária de Peyton, há glórias e mais glórias. Manning representa o hard work durante todo momento. Em outras palavras, é mais fácil para a maioria das pessoas se identificar com ele: todos nós estamos ralando e dando duro o dia inteiro para ganhar algo ao final do dia. Seja uma promoção, seja um bônus no final do mês ou seja algo pequeno, que demonstre que o suor vale a pena.

A lógica, em nossas cabeças, é que Manning venceria mais títulos pelo fato de ter as melhores estatísticas em temporada regular. De fato, se a NFL fosse disputada em pontos corridos, essa “justiça” seria mais ocorrente. Não é o caso, de toda sorte. Aí aparece a questão “Ah, ele era reserva, o cara machucou e ele foi campeão no primeiro ano, não é justo”. Fomos programados para que haja uma equação lógica no labor: você trabalha, você planta, você colhe. De repente, estamos diante de uma situação na qual isso não acontece – e que Brady, vindo do nada, sem ter “trabalhado” para isso, sai vitorioso múltiplas vezes.

Acaba sendo uma percepção não verdadeira, também. Tom Brady é reputado como um dos jogadores que mais trabalha na liga. As segundas-feiras, para você ter uma ideia, são dias-de-folga na NFL. Não para Brady, que se reúne com Belichick para analisar imagens aéreas dos jogos anteriores. Sem contar os outros tantos sacrifícios pessoais, como a dieta regrada (bastante, isso já foi matéria de alguns jornais americanos, notoriamente o Boston Globe) e dormir todos os dias antes das nove da noite.

Materialização do “mal”

Um ponto bastante tocado pelos leitores é de que Brady é como se fosse uma “materialização” do mal na NFL. Ele joga no time mais vencedor da liga desde 1994 (quando Robert Kraft comprou o time). “É uma questão de equipe. Não gosto dos Patriots. Simples assim”. Mas por que as pessoas não gostam dos Patriots?

Dois motivos.

O primeiro é porque eles ganham. Pacas. “Ele roubou meu time em um Super Bowl, torço para os Panthers”, me mandou um seguidor. Naturalmente, não vamos gostar de quem nos traz emoções ruins. É como se alguém viesse, te desse um soco e você tivesse que gostar dessa pessoa. Na prática, para todos aqueles que perderam para Brady em algum momento da vida de torcedor, é impossível gostar. O cara lhe fez mal!

Bom, este é um dado ponto de vista.

Tudo na vida, a bem da verdade, é um ponto de vista. Vou dar um exemplo mais prático; Os Patriots jogam contra os Bears, time para qual torço (e acho que a maioria sabe disso, não tenho porque esconder sendo profissional quando estou na TV ou aqui) apenas uma vez a cada quatro anos (ou em Super Bowls, como no XX, vencido por Chicago). Isso se dá devido ao alinhamento do calendário da NFL, que só propicia confrontos interconferência… Uma vez a cada quatro anos. Então se você torce para um time da Conferência Nacional, só vai jogar contra New England de tempos em tempos. Foi o caso da temporada passada.

No caminho do “Tom Brady´s Revenge Tour” de 2014, o New England Patriots deu uma sacolada no Chicago Bears. Eu, de todas as pessoas do mundo, deveria ficar extremamente fulo da vida com isso. A princípio porque era meu primeiro time; Depois porque ele estava provando em campo que seu time não estava em queda após a derrota para os Chiefs (e eu escrevi que estaria). E terceiro por conta desta foto abaixo, uma “enorme provocação”.

Tom-Brady-Gisele-five-touchdowns

Brady mostrava a mão cheia, com um dedo para cada touchdown que fez no meu time. No lado, uma supermodelo com quem ele é casado lembrando que, além de estar com ele, seu time era o número um – e não os Bears. Esta, a princípio, seria a primeira ótica; Será a verdadeira? Talvez percepção não seja realidade. Será que ele não estava apenas comemorando com sua torcida o resultado do jogo anterior e, de certa forma, pedindo forças e fãs para continuar sua caminhada de redenção após o Apocalipse em Arrowhead? Parece mais plausível.

O segundo motivo é porque Brady seria “um enorme trapaceiro”. “Não é ódio. É apenas fair play. Impossível um cara como ele não perceber que as bolas estavam murchas, por exemplo.”. Concordo. Mas, de certa forma, poderíamos debater de alguma forma a questão objetiva das regras. Não é porque uma dada regra “exista” que isso significa que ela seja justa. O exemplo que você vai mais ouvir, dessa noção de dura lex, sed lex (a lei é dura, porém é a lei) é da institucionalização da segregação em dados momentos da história. O Apartheid na África do Sul era “legal”. A segregação de judeus na Alemanha nazista, idem. São os exemplos mais famosos de legalismo sem legitimidade.

Eu pessoalmente acho uma grande besteira toda essa demonização em relação às bolas estarem um pouco mais murchas ou não. É questão de ótica, idem. Vou dar um exemplo mais prático: não há uma normatização na liga a respeito do couro da bola. Considerando que os times jogam em suas unidades ofensivas apenas com suas bolas, eles fazem com ela o que bem entenderem, desde que não haja uma violação de regra. Eli Manning, por exemplo, gosta que o couro seja polido e imerso na água por um tempo, para ficar mais macio – e isso não é banido pela regra.

Objetivamente falando, isso lhe daria uma vantagem sobre um outro quarterback que não faz isso? Isso seria mais “injusto” só porque não há nenhuma regra proibindo? Ou isso e as tais bolas murchas dariam na mesma? Deixo a resposta para você responder.



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É legal odiar

Esporte nada mais é do que entretenimento, aquele momento onde podemos deixar nossos instintos naturais mais soltos, aquele momento no qual podemos esquecer dos problemas. O ódio, tão controlado nas atividades do dia-a-dia, pode ser solto sem muito pudor enquanto torcemos, dado que “é só um jogo”. Ao mesmo tempo, opera-se um efeito polarizante de massas. Se todos odeiam Brady, deve ter algum motivo, vou odiar também.

Talvez esse conceito seja melhor apresentado em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, romance distópico de George Orwell. No livro, a sociedade é completamente controlada até no pensar. Para liberar eventuais tensões sociais, diariamente ocorrem os “dois minutos de ódio”, de maneira que o “traidor” do governo atual aparece na tela e é odiado, xingado e todo o mais. O protagonista, mesmo em dúvida sobre o ato, deixa-se contagiar pelo ódio crescente e embarca nos xingamentos.

Na maioria das histórias que vendem, em termos de entretenimento, há uma polarização e maniqueísmo entre, supostamente, “o bem e o mal”. Império Galático e Aliança Rebelde em Star Wars. Máquinas e Resistência, em Exterminador do Futuro. New England Patriots e os demais times da NFL. Novamente, é tudo questão de ótica. Não odiamos as máquinas ou o Imperio Galático porque eles são “maus”. Odiamos porque eles representam o que não somos, porque não desenvolvemos empatia com eles. Teoricamente, o Império desenvolveu estabilidade política e econômica na galáxia de Star Wars. Isso, sob esse ponto de vista, os faria “maus”? É tudo, sempre, uma questão de ponto de vista.

Uma de minhas citações sociológicas preferidas é de Jean-Paul Sartre. “O inferno são os outros”. O mal, em realidade e não em percepção, seria aquilo que não “bate” com nossos valores.

Por isso odiamos, porque nos são uma ameaça. É exatamente por isso que a maioria dos torcedores não-patriots odeia Tom Brady: porque ele é a figura que costuma nos causar sofrimento, uma vez que o quarterback é o centro e eixo motor da maioria dos times vencedores.

Porque ele não é o nosso quarterback. É o nosso inferno.


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