Análise Tática: O simples e efetivo plano de Belichick contra os Chiefs

Patriots protegeram Brady com mais homens e abusaram de corridas pelo meio

"Everything is happening as i have foreseen"

Por mais que o final emocionante, com direito a empate dos Chiefs na última posse de bola e vitória somente na prorrogação não demonstrem, estivemos na final da AFC de novo ante uma aula de como se montar um time de futebol americano. O professor, Bill Belichick. São 6 vitórias e 1 derrota contra adversários que entraram nos playoffs sendo o melhor ataque em pontos por jogo na temporada.

Entendo que bater oponentes fracos, que pouca resistência oferecem não é grande parâmetro para genialidade. Vencer oponentes que têm força para te derrubar caso você não prime pela excelência e que te levem ao limite, sim. Andy Reid, Patrick Mahomes e os Chiefs eram esse oponente e estiveram próximos de derrubar os Patriots. Por fim, a genialidade de Belichick e Brady falou mais alto.

Já dizia o célebre escritor alemão Theo Fischer: “Em regra, soluções geniais seduzem pela sua simplicidade”.

É bem isso que Belichick faz. Como excelente estrategista que é, esconde as fraquezas de seu elenco e maximiza potencialidade. Lhe faltam muitos wide receivers para espalhar o campo, como é a tendência atual? Sem problemas, só colocar versáteis tight ends e running backs em campo e surpreender com um esquema diferente. Tom Brady não tem o braço mais tão preciso sob pressão? Vamos protegê-lo melhor, com um homem a mais se necessário. Simples não? Depois de feito é. Garanto que 80% dos treinadores da NFL, mesmo com mais armas não conseguiriam.

Umas das maiores virtudes dos Chiefs no lado defensivo da bola consistia em pressionar o quarterback com dois edges extremamente agressivos, Dee Ford e Justin Houston. Juntos, eles tinham conseguido 20 sacks na temporada regular e haviam sackado Andrew Luck três vezes na semana anterior. Conter essa agressividade era vital para os Patiots. Essa abordagem muitas vezes abria espaços para o interior defensive lineman Chris Jones ficar mano a mano e conseguir a pior pressão para Brady, a pelo miolo. Jones teve 15 sacks na temporada regular e precisava ser detido.

Se nos esquemas modernos os times enchem o campo de wide receivers e colocam quarterbacks móveis como ameaça em jogadas de option para manter os edges contidos, Bill Belichick foi na raiz do futebol americano e buscou jogadas simples, como as corridas no conceito de “Iso” pelo meio para conter isso.



A magia da “Iso”

Trata-se de um conceito antigo, que consiste em criar bloqueios pelo meio até que o running back fique mano a mano com o terceiro nível da defesa, isolado, de onde vem a origem do Iso. Com isso, os edges corriam para “lugar algum” e ainda era possível controlar Jones com mais de um bloqueador, evitando penetração na corrida e no play action.

Logo no snap, tanto os offensive tackles quanto os tight ends só precisam angular o corpo para fazer seus bloqueios e tornarem Dee Ford e Justin Houston inefetivos. Essa facilidade era a chave do plano. Sem necessidade de dobras ou pulls nas laterais, os jogadores de interior de linha ofensiva e o fullback James Develin podem atacar os linebackers internos. 34 das 48 corridas dos Patriots atacaram os gaps A ou B (ou seja, entre o center/guard ou entre o guard/tackle). Resultado disso? A produção defensiva de Houston, Ford e Jones foi fraca: dois tackles do primeiro, um passe desviado do terceiro e só. O trio que havia sido o terror das linhas ofensivas adversárias foi domado pelas velhas e boas corridas pelo meio.

Em uma época na qual a NFL começa um processo de ficar semelhante ao college, Belichick voltou no tempo

Outra fator que limita a agressividade defensiva são os passes rápidos. No jogo contra os Chargers, o edge adversário, Joey Bosa já havia dito que é muito difícil chegar em Brady pela velocidade que ele solta bola. Isso com o passar do tempo faz com que os jogadores de linha defensiva mais se preocupem em tentar desviar o passe que realmente pressionar o quarterback.

Qualquer passo em falso do marcador ou mínima separação conseguida é suficiente para ganhos Dos 46 passes tentados por Brady no jogo, 37 percorreram no máximo 15 jardas no ar. Destes passes curtos resultaram 274 jardas das 348 totais que o time teve por passe. Um sistema seguro e eficiente, que manteve os Chiefs presos a poucas movimentações pré snap, ajudando Brady.

O sistema de proteção também foi moldado para cuidar melhor de Brady. Se antes o camisa 12 era uma máquina contra blitz ou mesmo pressionado, neste ano ele teve diversos problemas, chegando em determinados momentos a ser um dos piores da liga nessa situações.



Em situações que seria necessário um tempo maior que os passes curtos citados acima, Brady sempre teve um bloqueador extra. Isso fez com que ele tivesse tranquilidade suficiente para fazer as progressões e completar passes mais longos. Notem o excelente trabalho de James White tanto no touchdown lançado para Phillip Dorsett quanto nas duas primeiras conversões de terceiras descidas da prorrogação.

Todos esses fatores somados deram aos Patriots o que Belichick mais queria: a posse de bola. Foram incríveis 39 minutos contra apenas 21 dos Chiefs no tempo regulamentar. Mesmo com tamanha vantagem o jogo terminou empatado. 31 pontos em pouco mais de 21 minutos de posse é invejável, ainda mais quando se lembra que o time saiu zerado do primeiro tempo. Belichick sabia da capacidade explosiva do ataque do time de Kansas e o manteve fora do campo pelo máximo de tempo possível. Com isso, sua defesa se mantinha em nível de minimizar os estragos por estar descansada. Fora isso, a resistência defensiva tanto física quanto moral dos Chiefs caia a cada snap. Isso ficou evidente no drive na prorrogação, onde o ataque dos Patriots atropelou uma fragilizada defesa, especialmente na red zone.

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A defesa também teve um plano de jogo especial

Mas não foi somente do lado ofensivo que a estratégia prevaleceu. Sabendo que grande parte dos problemas causados por Tyreek Hill se deviam a sua velocidade, os Patriots estabeleceram uma dobra com o safety. Jogador não muito alto e de pouca capacidade em bolas contestadas, Hill acabou limitado a uma única recepção para 42 jardas.

Da mesma forma, KC Jackson foi colocado em Travis Kelce durante todo primeiro tempo. Físico, agressivo e alto, ele conseguiu parar Kelce no primeiro tempo, fazendo o tight end ter apenas 11 jardas. No segundo tempo, quando o começou a sofrer com faltas, houve a rotação e Stephon Gilmore assumiu a cobertura de Kelce com maestria. Os Patriots limitaram os dois jogadores que tiveram 55% das jardas dos Chiefs na temporada e 22 touchdowns a 65 jardas numa final de conferência.

A coragem é um fator preponderante nessa estratégia. Usando diversas vezes cover 0 (nenhum defensive back marcando em zona no fundo do campo), os Patriots não tinham absolutamente ninguém na maioria das vezes no fundo do campo. Contra um quarterback com o braço capaz de explorar o fundo do campo, tratava-se de uma arriscada estratégia.

Para minimizar o tempo de Mahomes encontrar alguém livre, foram inúmeras blitz de linebackers, especialmente com Kyle Van Noy. Mahomes acabava tendo que se mover para lateral, onde Trey Flowers e o restante da linha defensiva atuaram com ótima disciplina, forçando o mesmo a dançar para achar espaço. Hightower tinha a missão de patrulhar o meio do campo e conter os cutbacks de Damien Williams, limitando o mesmo a 30 jardas corridas.



“prmo"
Dentro das limitações técnicas de uma defesa que terminou a temporada regular com a 21° em jardas cedidas por jogo fazer os Chiefs terem sua pior performance desde a semana 12 de 2017 foi espetacular. Isso foi possível graças a uma estratégia ousada, porém meticulosamente estudada. O famoso risco calculado, que fazendo analogia com o boxe nada mais seria do que “aceitar um cruzado forte no fígado em alguns momentos mas atacar, do que apenas se defender e ter o rosto minado por jabs

Por mais que Tom Brady seja o maior jogador de futebol americano a pisar na terra em todos os tempos, que Rob Gronkowski seja discutivelmente o melhor tight end a passar pela NFL e o time tenha outros bons nomes como Stephon Gilmore, James White, Julian Edelman e Trey Flowers, essa vitória tem a marca de Bill Belichick. Não há como não lhe dar o maior mérito num triunfo tão complicado. Jamais compramos a história dos “todos contra nós” que os Patriots tentaram vender antes deste jogo. E não compramos por conta de conhecermos a capacidade de seu treinador de fazer um time vencedor mesmo não sendo o favorito.

O “Do Your Job” venceu mais uma vez. E podem ter certeza, não foi a última vez. A dinastia está longe de acabar.

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