Manning realmente mudou para sobreviver na NFL?

Um atleta que mudou o jogo. O cara que transformou a posição de quarterback. Todos sabemos da contribuição absurda que Peyton Manning deu para a posição e como ele transformou o futebol americano em si. Assim como será quando Tom Brady se aposentar, Manning ganhou inúmeras homenagens e não foi difícil reconhecer o quão especial ele foi para a NFL. Só que a pergunta inversa foi pouco tocada neste momento: o quanto ele teve que mudar para sobreviver no jogo? Ou seja, a idade chegou e o atleta teve que se reinventar para continuar poder lançando; a questão é o quanto ele mudou. Com essa pergunta em mente, analisamos o tape do signal caller desde que ele voltou de lesão no pé e as mudanças no ataque do Denver Broncos. Claramente houve uma evolução até mesmo comparado ao início do ano, quando Gary Kubiak ainda estava desconfortável em aplicar os seus conceitos em uma lenda do esporte. Jogo após jogo o ataque foi evoluindo e o Super Bowl L trouxe todas essas mudanças à tona. Sim, Peyton Manning se reinventou para sobreviver, tornou-se algo que dificilmente se esperava de um veterano como ele e provou, mais uma vez, o quão único ele foi para o futebol americano.

Nove touchdowns, 17 interceptações e jogando com a melhor defesa da liga, no final consagrando-se com o segundo, e último, Super Bowl da carreira. Assim como Bart Starr, lendário jogador do Green Bay Packers, Peyton Manning conseguiu um feito que quase ninguém acreditava – e olha que na época de Starr era muito mais crível ter esses números e ser campeão. E assim como o Packer, o quarterback do Denver Broncos deve ir para o Hall da Fama pouco tempo depois de se aposentar. O mais incrível é que para alcançar tal feito, Manning teve que se aproximar mais da época de Starr e menos dos tempos modernos. Sendo mais preciso, ele teve que se aproximar mais dos anos 80 e a West Coast Offense que mudou o jogo aéreo.

Quando Kubiak chegou aos Broncos, muitos duvidavam que ele conseguiria impor a sua versão de West Coast Offense em um time que tinha um signal caller veterano e conhecido pelo No Huddle e um ataque que lembra a Spread Offense – jogadores espalhados no campo, shotgun e muitos passes. Foram esses conceitos que eram base daquele ataque explosivo de 2013 (o qual o finado The Concussion dissecou) que rendeu uma temporada de 55 touchdowns (recorde atual) e um MVP da temporada regular.

Em 2013, o ataque do Broncos apoiava-se em três pontos que perderam espaço no playbook neste ano: No Huddle, tight end e shotgun. Julius Thomas teve 65 recepções e 12 touchdowns naquele ano, tornando-se um alvo importantíssimo na red zone. Já o No Huddle bem organizado e o conceito de Spread Offense tornava possível Manning atacar o meio do campo com inúmeras rotas crossing e post. Só que a idade chegou muito rapidamente e o jogador perdeu a oportunidade de entregar a bola rapidamente no meio. Como ele mesmo disse na sua entrevista coletiva, o timing está perfeito, o problema é a velocidade nos passes. Sem velocidade, aquele ataque dos Broncos morreu e seu velório foi contra o Indianapolis Colts nos playoffs de 2014.

Kubiak sabia disso e começou o ano tentando misturar os dois conceitos, com a intenção de fazer uma transição fluida. Não deu certo e Peyton Manning teve números horríveis até a sua contusão. Quando voltou era visível que o ataque do Denver Broncos estava mais maduro e que ele era perfeito para a melhor arma do veterano durante todos estes ano: o seu cérebro. Manning transformou-se de vez em um maestro, porém agora não precisava carregar tudo nas costas. Os números espetaculares desapareceram, a produção diminuiu e o pragmatismo chegou. O grande porém é que a eficiência aumentou e, mais importante ainda, a confiança em uma das melhores defesas da história da liga (talvez seja o melhor pass rusher da história) fez com que esta adaptação se encaixasse perfeitamente e o título viesse.

E nada melhor do que o próprio Super Bowl L para ilustrar toda esta mudança. Independente da eficiência, é visível a mudança do shotgun para undercenter. O No Huddle? Apareceu apenas uma vez (se eu não me engano) durante todo o confronto contra o Carolina Panthers. Os passes após três e cinco passos predominaram, assim como os conceitos de rotas curtas. Os passes no meio do campo foram escassos, ficando claro a intenção de explorar o timing perfeito com passes para as laterais (diminui o tráfego e as chances de uma interceptação). Apesar de todos esses elementos, a mudança mais incrível foi a intenção de praticar o smash mouth football: formações com dois tight ends (normalmente singlebacks) e não largar o jogo terrestre por nada, mesmo quando a situação não parecia ideal para correr.

O jogo estava 13-7 no segundo quarto e o ataque enfrentava uma segunda para 10 jardas. Denver estava em um 11 personnel (um running back e um tight end em campo) e a defesa estava no nickel, porém com um defensive back no box. Nestas circunstâncias, a corrida não é a melhor opção de todas por causa da desvantagem numérica (7×6). Mesmo vendo a situação desfavorável, Manning faz um check na jogada.

check_01O que ele mudou realmente é difícil afirmar, porém é bem possível que ele tenha apenas invertido o lado da corrida. Agora C.J. Anderson vai para o strong side no inside zone run (que também foi dissecado no finado TC). A intenção? Desafiar Thomas Davis (circulado em amarelo) de perseguir o running back por trás. Se ele não conseguir, vai estar fora da jogada e a vantagem numérica vai embora – e ainda com um safety no box.

runO bloqueio fundamental da jogada é do guard #69 Evan Mathis. Ele tem que bloquear o defensive tackle na 0-technique e permitir que o center vá para o segundo nível e chegue limpo no bloqueio de Luke Kuechly. Um smash mouth football puro e que não se esperava ver com Manning undercenter.

run_01A jogada dá certo devido aos bloqueios fundamentais, mas C.J. Anderson merece muitos méritos por quebrar um tackle de Kuechly.

O shotgun e o pistol não desapareceram completamente do playbook, mas foram muito bem adaptados. Em vez de estar buscando jogadas explosivas com muito movimento, contando com posts e crossing routes, Manning, neste finalzinho da carreira, e Kubiak utilizaram as formações para realizar passes curtos, jogadas para as laterais e screens – e ainda para a slot. Ser um game manager, colocar a bola na mão de seus playmakers e os deixarem conquistar jardas após a recepção.

pass_02Novamente 11 personnel e Manning undercenter. O quarterback nota que Demaryius Thomas está mano-a-mano na slot contra Kurt Coleman, um safety de 1,80 metro. O jogador de box Shaq Thompson, mais próximo de Thomas, vai mais para dentro do campo, saindo do alcance de Thomas. Caso fosse na temporada de 2013, muito possivelmente o jogador chamaria uma hot route para Thomas que o fizesse percorrer 10-15 jardas. Só que os tempos mudaram e agora é mais vantajoso colocar a bola nas mãos do wide receiver e deixar ele fazer o resto. Manning muda a jogada, vai para a pistol formation e chama um screen fácil.

screen_02Thompson morde o play action e deixa Coleman mano-a-mano com Thomas. Sete jardas fáceis para começar o último drive da equipe no primeiro tempo.

Então o passe longo acabou? Nada disso. Em uma West Coast Offense como a de Kubiak, o passe longo é uma peça fundamental: é necessário deixar a defesa honesta e jogadas explosivas esporádicas precisam acontecer.

pickup_play_03Terceiro quarto e o placar ainda estava 13-7. Graham Gano acabara de perder um field goal fácil e era preciso pontuar, de qualquer maneira, para diminuir o ímpeto dos Panthers. Na primeira jogada do drive, Manning está undercenter e Kubiak chama uma jogada simples de níveis. A leitura será simples: caso Kuechly (que está jogando de robber) acompanhe a post de Emmanuel Sanders, o passe será para Owen Daniels (rota em azul) – caso contrário a bola deveria ir para Sanders. Só que o segredo dessa jogada é o safety Roman Harper (flecha amarela). Se ele não seguir a rota swing do running back, a janela para o passe em Sanders vai ficar muito pequena. Novamente, a característica dessa versão de Manning de fim da carreira faz com que o passe para o running back seja uma possibilidade grande – e faz com que Harper morda a isca.

pickup_03Perceba o timing perfeito na hora de soltar o passe e a falta de velocidade. Mesmo assim, o passe é completo e o drive terminou em um field goal fundamental para a vitória. Mesmo contra uma defesa muito boa, o xerife conseguiu manipular defensores e achar brechas incríveis. O seu corpo envelheceu, mas a mente ainda continua em alto nível.

Quem critica de maneira tão intensa as últimas apresentações de Peyton Manning (tipo DeAngelo Williams) não entende a concepção adotada por este ataque nos últimos jogos. É extremamente óbvio: o ataque só precisava marcar mais pontos do que o time sofria. Isso significa que o veterano não precisava carregar o ataque e conquistar 30 pontos por jogo, visto a qualidade defensiva em campo. O que o ataque precisava fazer era não prejudicar a defesa e nem ceder posições de campo desnecessárias. Pragmático, simples e eficiente.

Peyton Manning transformou o jogo e se transformou pelo mesmo jogo. Seu legado está marcado para sempre não apenas nos torcedores de Denver Broncos e Indianapolis Colts, mas sim em todo o futebol americano. Um cara que se dedicou muito e mostrou que não basta talento, tem que trabalhar duro. E ninguém trabalhou mais duro para o Super Bowl L do que Peyton Manning.

Omaha.

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