De “bust” ao Super Bowl: a jornada de Goff

Como o quarterback dos Rams se transformou nos últimos 3 anos

Não é novidade para ninguém; todos sabemos o quanto os meios de comunicação e troca de notícias e informações mudaram nos últimos vinte anos. Como coloca Derek Thompson em seu livro “Hit Makers: Como nascem as tendências”, a transmissão televisiva, que em meados do século XX substituiu os jornais como fonte de informação, aos poucos vem perdendo espaço para os “pequenos conteúdos que estão erodindo a televisão”. Coloca o autor que, atualmente, é fácil fazer uma série de vídeos ou mensagens numa rede social e angariar milhões de seguidores — foi justamente que aconteceu com Robby Avala em 2013, na finada rede social Vine, ao postar uma “invasão” de guaxinins no campus da Florida Atlantic University.
Com redes sociais e trocas sem filtro de informações, há uma democratização enorme de quem tem voz no cenário virtual. Há, mais do que isso, uma constante luta pela atenção do grande público; da mesma forma que informações são facilmente emitidas, elas são igualmente descartadas ou ignoradas. O que nos leva, finalmente ao futebol americano: é comum vermos opiniões e reações extremas e instantâneas em relação a tudo que acontece na NFL.
Se tornou lugar comum vermos hot takes; comentários feitos justamente para atrair atenção. Drew Brees jogou mal? “Talvez o camisa 9 não seja tão bom assim”. New England Patriots perdeu uma partida? “O fim está próximo, como já sabíamos”. Jared Goff teve um péssimo ano de calouro? “Bust, era claro desde o princípio”.
Opiniões-relâmpago são atraentes pois deixam de lado a prudência da paciência. Para atrair atenção, você não pode simplesmente admitir “que é cedo para dizer”; ou “é, não temos um espaço amostral grande”. Extremismo atrai a atenção, não tem jeito; não estamos cansados de ver Skip Bayless, Stephen A. Smith e Colin Cowherd colecionando adoradores e haters?
E, antes de irmos às vias de fato, gostaria de lembrar que antes da temporada 2017, eu e Antony Curti conversamos no podcast que Jared Goff era o pior quarterback titular na NFL. E, à época, era uma opinião perfeitamente razoável e amparada. Isso só mostra o tamanhos dos passos que o produto da Universidade da California deu nas últimas duas temporadas.
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Selecionado com a primeira escolha geral do Draft 2016, Jared Goff foi a grande entrada dos Rams no mercado de Los Angeles. Depois do divórcio com St. Louis, a franquia precisava encontrar sua identidade under center, depois de fracassados anos com Case Keenum, Nick Foles, Kellen Clemens e Sam Bradford. Curioso ver que Foles conseguiu levar os Eagles ao Vince Lombardi no Super Bowl LII e que Case Keenum ajudou na trajetória do Minnesota Vikings em 2017 e se tornou titular do Denver Broncos em 2018 — isso só mostra o peso que Jeff Fisher teve na história recente dos Rams. Então já que falamos seu nome, falemos mais dele.
Ver Jeff Fisher empregado, em 2016, já era uma piada recorrente. Nas suas quatro primeiras temporadas como head coach da franquia, seu melhor desempenho fora em 2012, com 7 vitórias, 8 derrotas e um empate. Em 2013, 7-9. 2014, 6-10. 2015? Que tal 7-9?
Com sucessivos fracassos, era intrigante que o técnico seguisse dono do cargo. Com times muito abaixo da crítica, ataques pouco criativos, Fisher ganhou de presente Jared Goff para catapultar o time em Los Angeles. E, com o camisa 16 à disposição, Fisher deixou o calouro no banco e viu seu time começar 3-1 e degringolar até chegar a sexta derrota contra o Miami Dolphins, na Semana 11. Foi a estreia de Jared Goff, que teve 31 tentativas de passe para 134 jardas. Fiquemos com o comentário de Fisher sobre a primeira atuação do calouro na NFL:
“Ele fez um ótimo trabalho. Nenhum delay of game.” 
Pouco depois, Fisher perdeu seu emprego. O Los Angeles Rams, 4-6, terminou a temporada com uma terrível campanha de 4 vitórias e 12 derrotas, ficando de fora da pós-temporada pela 12ª temporada consecutiva.
Jared Goff fechou 2016 exatamente como você esperaria de um quarterback que chegou na NFL com “muito a evoluir”. Sem liderança, Goff apresentava alguns momentos interessantes, insegurança no pocket e alguns erros impensáveis para um first overall pick. Se você quiser ver a quintessência da temporada 2016 de Jared Goff, por favor, o faça. Nesse vídeo, vemos um (bom) passe longo vitimado por um drop, um certo conforto no play-action, o nervosismo dentro do pocket e uma das piores jogadas que já vi na NFL (se estiver curioso, acontece aos 57 segundos do vídeo).
Um ano cru, num time que, até então, não oferecia qualquer alento de encontrar um head coach como líder para moldar o futuro da franquia.
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Chegou 2017 e, com ele, Sean McVay. Acredito ser extremamente desnecessário fazer um longo introito sobre o head coach que faz o coração de general managers bater mais forte. Com pouco mais de 30 anos, McVay chegou com a missão de dar um rumo e uma identidade à franquia, ainda recém-chegada em Los Angeles. E, como bem sabemos, a equipe decolou.
De maneira inteligente, McVay maximizou o potencial de Jared Goff dentro de uma filosofia ofensiva. A partir do 11 personnel (3 wide receivers, 1 running back 1 tight end), o técnico poderia fazer de tudo; todo o seu ataque pode ser executado a partir, majoritariamente, a partir desse mesmo personnel.
Utilizando Todd Gurley à exaustão, McVay deu ao seu jovem quarterback uma válvula de escape. Foram 64 recepções em 2017 para 788 jardas e 6 touchdowns — isso apenas sua contribuição aérea. Mais do que uma válvula de escape aérea, o esquema usa de forma extremamente inteligente o jogo terrestre. Nas trincheiras, é tudo sobre números; de nada adianta forçar a bola nos gaps A quanto tem oito defensores colados na linha de scrimmage.
Com seu 11 personnel, McVay força os times a colocarem um terceiro cornerback (nickel), que geralmente substitui um linebacker — ou seja, temos defesas mais “leves” para conter o jogo terrestre, e formações defensivas mais espalhadas horizontalmente. Não à toa, em 2018, Todd Gurley viu 8 homens no box em apenas 8,2% das suas tentativas corridas.

Tudo isso é de gigantesca relevância para a evolução de Jared Goff. McVay, também por meio do ótimo uso de play actions, deu leituras fáceis e rápidas para o camisa 16. Quando os linebackers mordem a ilusão da corrida, você encontra espaços na cobertura — e McVay deu a Goff esse entendimento muito rapidamente.

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Em 2018, o salto de Goff foi ainda maior. Mais adaptado às ideias e conceitos do seu head coach, McVay também deu mais corda para seu signal caller. Nas primeiras semanas da temporada, aos poucos, Goff se encontrou bem mais confortável em passes mais longos, leituras menos dependentes do play action e, no geral, se tornou um quarterback mais completo. Para buscar apenas um desses exemplos, basta ver os passes do camisa 16 para Brandin Cooks na final de conferência contra o New Orleans Saints.

Vemos, também, a resiliência mental do produto da Universidade da Califórnia. Peguemos os duelos contra o seed #1 da NFC; no primeiro, conseguiu manter o ataque firme, de igual para igual a um dos carros chefes para o prêmio de MVP até então; no segundo, reverteu 13 pontos na pressão ensurdecedora da Louisiana. É, sinceramente, de tirar o chapéu.

Isso não quer dizer que a evolução de Jared Goff está completa. Com três anos de NFL, é necessário ainda aperfeiçoar suas intuições no pocket, se tornar mais confortável quando as leituras iniciais não se concretizam. Quando algo que o camisa 16 vê antes do snap não se confirmam, é comum vermos Goff segurar a bola demais e, às vezes, cometer erros — erros esses que se tornam turnovers em alguns casos. E é natural que seja assim, afinal, são apenas três anos na NFL, apenas dois inteiros como titular.

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Contrariando as tendências do zapping midiático, Jared Goff é um perfeito caso de que, na NFL, paciência é uma virtude. Nós somos habituados a ver atletas descartados ou alçados às alturas com pouquíssimo espaço amostral. Esquecemos, por vezes, os elementos intangíveis do esporte; o aspecto psicológico, o bem-estar do vestiário, os relacionamentos profissionais entre jogadores e comissão técnica, ou até mesmo a saturação de estar numa cidade que não mais o acolhe. Cansamos de ver jogadores mudando de franquias e rendendo como nunca antes havia rendido; ou justamente o contrário.

Às vésperas de enfrentar Tom Brady no Super Bowl LIII, Jared Goff subverteu as narrativas de microondas e está, no seu terceiro ano, defendendo a NFC no duelo mais importante da sua (jovem) carreira.

Constantemente, vejo perguntas sobre o quarterback. “Ele é subestimado? Ele é superestimado?” Sinceramente, não acredito que ele seja nenhum dos dois — o que faria dele meramente “estimado”, se me permitem a piada. A verdade é que Jared Goff é um quarterback em formação. Todos os anos, vemos seus fundamentos evoluírem, exatamente da forma que você projeta quando seleciona um jovem prospecto no Draft. É natural que existam falhas; são 24 anos de idade e todos os atletas amadurecem e evoluem com o tempo, dadas as circunstâncias para tal.

O Super Bowl LIII é o grande palco do futebol americano e vemos, em Jared Goff, a nova geração entrando nele pela primeira vez.

Comentários? Me procure no Twitter em @MiceliFF que conversaremos sobre Jared Goff e o Super Bowl LIII!

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