Crônica: Quando meu coração correu com Fitzgerald

Era a primeira vez que eles estavam lá. Como demorou.

Se hoje a equipe é a que está na seca há mais tempo nos esportes americanos – após o título dos Cubs na World Series do ano passado – o Arizona Cardinals era a equipe da esperança naquele domingo de fevereiro.

Foi meu primeiro porre. É, eu sei, eu sou mais jovem do que aparento – estou todo acabado, deve ser porque vou dormir tarde por conta dessa maldita bola oval. Na época a grande novidade era aquele barril de Heineken. 5 litros e sei lá quanto custava. Não tenho ideia hoje, deve ter sido bem caro. Tudo era caro naqueles tempos para alguém que ainda não trabalhava.

As Buffalo Wings foram caras também, mas o problema nem foi esse – foi que passei mal com elas depois. A preguiça de fazê-las no microondas não ajudou. Burro. Sim, eu sou bastante. Ainda estou aprendendo a não fazer esse tipo de barbaridade gastronômica.

Por que a ocasião era especial? Sei lá, meio que foi osmose. A internet já nos propiciava informações naquela época e já sabíamos que o Super Bowl era o grande feriado gastronômico dos Estados Unidos. Tínhamos que comer que nem idiotas. E beber, também, porque aparentemente o jogo ficaria mais legal – ainda bem que hoje me dia só o jogo já me basta.

***

Era uma ocasião ainda mais especial porque meu melhor amigo torcia pros Steelers. Ou melhor, ainda torce. E como ele não acompanhava a NFL em 2005 – título anterior da franquia – ele teve a chance de ver seu time na final pela primeira vez. Falando nisso, creio que tenha sido a primeira vez de muitos. No caso, a primeira partida assistida.

A TV a cabo estava se popularizando e, convenhamos, domingo em fevereiro não tem nada que preste na TV. Tanto quanto para mim era por osmose comer que nem uma lontra, acho que para essas pessoas, descobrir o futebol americano naquele dia também o foi.

Por muitos anos, foi o melhor jogo que me esqueci de ter assistido. Não sei se a cerveja ajudou – ou o fato de que eu estava torcendo de verdade para alguém. Explico; Nada contra os Steelers, mas meu amigo era insuportável quando estava com uma toalha terrível na mão. Então vê-lo perder o Super Bowl seria como uma compensação por ter que aguentá-lo. Moleque quando é novo tem dessas bobagens.

Fato é que o jogo se desenvolveu de maneira pegada. Só fui revê-lo – já como (um pouco) mais conhecedor do esporte – alguns anos depois. Mas não com a mesma magia daquele domingo. No final da partida, a Cinderella apareceu. E é aqui que a foto que ilustra este artigo aparece.

Quem era Larry Fitzgerald? Muitos não sabiam, vou te falar a verdade – no Brasil, no caso. Naquela temporada, os Cardinals só passaram uma vez na ESPN. Como a emissora não tinha os direitos dos playoffs da Conferência Nacional, acho que nem todo mundo viu a magia que Larry fez na pós-temporada. Principalmente contra os Eagles , na final.

Tá vendo essa foto acima? É da interceptação de Harrison ao final do primeiro tempo. Olhe quem está tentando dar o tackle a tempo. Não fosse por essa interceptação, os Cardinals poderiam ter vencido o Super Bowl. Larry correu o campo inteiro e foi um dos últimos a chegar em James. Não foi a tempo. O touchdown entrou como uma estaca no coração do fã de Arizona.

Eu me frustrei, lógico. Meu amigo ficou ainda mais insuportável. Se eu pudesse, teria saído na mão com ele. Tá, não podia, eu era magrelo e ele era bem maior do que eu. Era capaz que eu fosse pro hospital. Bêbado tem dessas ideias estúpidas.

Mas se eu não podia responder aquela interceptação… Larry podia. Ele poderia correr jardas e mais jardas, bastaria que estivesse com a bola. 20 a 7 no último quarto. O jogo já é dos Steelers? Não. Ainda não.

Quer ler mais sobre os Cardinals de 2008? Confira a história do ressurgimento de Kurt Warner neste texto por Gabriel Moralez.

Mais uma vez, a alma guerreira de Kurt Warner apareceu. Ele não era qualquer um. Ele nunca tinha desistido antes. Não seria daquela vez. Os Cardinals chegaram.

***

Linha de 35 jardas do campo de Arizona. 20 a 16. “O field goal não resolvia”, pensava eu naquele que achava ser um pensamento altamente complexo e avançado para um fã de futebol americano. Era apenas o óbvio. Faltavam dois minutos e meio. Ainda havia mais da metade do campo para percorrer. Para conquistar. Para domar.

Ele não apareceu muito no Brasil naquele ano. Mas naqueles segundos, apareceria como nenhum outro jogador naquela temporada de 2008. Warner recua. LaMarr Woodley está chegando para dar o sack. Minha espinha gela. Mais um erro, não. Mais uma interceptação, não. Meus olhos ficam arregalados. Kurt percebe a pressão e conecta com seu alvo preferido.

É impossível não ver a beleza e, ao mesmo tempo, simplicidade tática dessa jogada. Os safeties de Pittsburgh estavam mais próximos às linhas laterais. O motivo era simples: com pouco tempo faltando, a tendência era que os Cardinals passassem a bola para perto da sideline – assim, o jogador em posse sairia de campo e o cronômetro pararia, conservando tempo para a virada.

Nada disso aconteceu.

***

touchdown de 64 jardas, que após o ponto extra colocou os Cardinals na frente do placar parecia ser o suficiente para a vitória. Não foi. A mesa virou e agora os dois minutos seriam mais do que suficientes para que Ben Roethlisberger apagasse o legado ruim da partida que teve no Super Bowl XL. Para que Santonio Holmes fosse tão preciso e elegante quanto uma bailarina. Para que o sexto anel viesse.

O de Larry não veio. Todos sabiam do caráter, da integridade e da humildade daquele jogador. Ele nunca reclamou de ir para Arizona, um mercado consumidor menor. Ele chegou lá, pelas próprias pernas, pela própria velocidade, pelo próprio talento. Ele desfilou até a end zone. Não foi suficiente.

Esporte não é justo sempre. Esporte tem talento, tem sorte, tem de tudo. Os Steelers chegaram ao Super Bowl mesmo tendo o calendário mais difícil da NFL em 2008. Tendo uma defesa formidável. Poucos títulos são tão difíceis de se questionar. Aquele não era e nunca será.

Mas se eu fechar os olhos, ainda consigo me lembrar. Era a primeira vez que eu tinha tomado um porre. Meu amigo se calou por alguns segundos. Era como se Fitzgerald fosse um anjo, era como se eu conseguisse correr junto dele, era como se eu conseguisse correr tão rápido e não ser pego por Troy Polamalu. Era como se eu estivesse percorrendo o campo sem poder ser trocado. A beleza do esporte reside nisso também: de nos permitir sonhar.


“RODAPE"

A realidade da campanha seguinte fez com que ele viesse à terra. Seja como for, o legado dele está para sempre imortalizado naquela imagem.

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Rota slant. Simples. Eficaz. Mortal. Um corte em 45º para o meio do campo. Na pura velocidade, a camisa cardeal número onze passeia no campo, como se ele fosse seu território. Seus cabelos, longos, balançam na mesma velocidade e ritmo que suas (também longas) pernas. Os safeties dos Steelers tentam se aproximar. Ele olha para um dos telões do Raymond James Stadium. Não era por ego. Não era para se admirar. Não. Era apenas para ver quão distantes estavam os jogadores de Pittsburgh.

Há jogadas na NFL que são extremamente complexas do ponto de vista tático. Aquela, não foi. Um passe de válvula de escape de Kurt Warner que se transformou, por conta do atleticismo de Larry Fitzgerald, numa jogada monstruosa. Não havia nenhum xadrez tático ali. Apenas músculo.

Apenas Larry Fitzgerald.

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“RODAPE"

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