Crônica: A Espera de Aaron Rodgers no Draft

[dropcap size=big]A[/dropcap] história de Aaron Rodgers, para quem o vê desfilar nos campos da NFC North, a princípio pode não parecer tão sofrida. Afinal de contas, como seria? O camisa 12 de Green Bay já venceu um Super Bowl, fez seu povo esquecer Brett Favre e recebe um salário milionário.

Rodgers namorou a bela atriz Olivia Munn e tem uma casa belíssima em San Diego. Embora passe a intertemporada no sul da Califórnia, Aaron é da cidade de Chico – ao norte. Nasceu em 1983 e, quando criança, viu o San Francisco 49ers vencer tudo o que podia. Quando adolescente, viu Steve Young levantar o Vince Lombardi Trophy.

Embora o futebol americano tenha lhe dado alegrias na infância, o mesmo não pode ser dito quando do início de sua idade adulta. Rodgers teve números excelentes no Ensino Médio – mas nenhuma escola de primeira divisão do College Football o queria. Por quê? Porque sim. Porque ele não tinha as habilidades “intangíveis”, que vão além dos números e estatísticas. Porque olheiros, afinal de contas, erram.

“You Can´t Always Get What You Want” – Você não pode ter sempre o que quer, diz a música dos Rolling Stones. Aaron não conseguiu o que queria – à época, estudar e jogar por Florida State e seus Seminoles.

Abandonar o esporte era uma possibilidade. Afinal de contas, o menino de Chico teve excelentes notas no colegial e no SAT (grosso modo, o ENEM americano). Ele cogitou tacar o futebol americano para o alto. Cogitou estudar para se formar em Direito. Mas… Algo dentro dele não o fez desistir. Contra todas as adversidades, Aaron se matriculou num Junior College (uma faculdade técnica com duração de 2 anos). E quis o destino bater à porta dele novamente com uma bola oval.

A continuação da música dos Stones diz: But You Can Get What You Need – mas você pode ter o que precisa. Rodgers foi descoberto por acaso pelos técnicos da Universidade da Califórnia enquanto estava jogando por aquela pequenina junior college. Os técnicos não estavam ali para ver Aaron: foram tentar recrutar um tight end daquele time. Aquele time… foi campeão nas mãos do então calouro Aaron Rodgers – da conferência NoCal, ranqueado como número 2 do país naquele circuito. Como aquele menino foi parar ali? Ninguém sabia explicar.

Pela primeira vez Aaron saboreou a dor de ser esquecido. A dor de comer, mas não se nutrir.

Aaron acabou sendo recrutado por acaso e se transferiu para California, a escola de Berkeley que faz parte do sistema da Universidade da California – da qual UCLA também faz parte, por exemplo. Jogam de forma separada, cada campus tem seus times universitários. Em Cal, foi estupendo: 43 touchdowns e apenas 13 interceptações. Depois de um desempenho tão forte, ele decidiu não voltar para seu último ano com os Bears de Cal: declarou-se como elegível para o Draft da NFL em 2005. Ali, haveria algum time desesperado por quarterbacks. Ali, o San Francisco 49ers era o time com a primeira escolha.

E eles precisavam de um quarterback. O coração de Aaron precisava de seu time da infância.

A dúvida antes do Draft

Antes do Draft havia a dúvida: Alex Smith ou Aaron Rodgers? O garoto prodígio do Norte da Califórnia, ali do lado do estádio dos 49ers… Ou a máquina de touchdowns que colocou Utah no mapa do college football? A premonição tomou conta daquele Draft: antes de entrarem no Radio City Music Hall, Rodgers e Alex Smith duelaram. Não verbalmente, não fisicamente. Apenas lançaram uma bola num pneu preso a três metros de altura. Se você acha que contarei quem acertou e quem errou, espere. Afinal de contas, a espera é um catalisador emocional. Vai dizer que você não acabou dando mais valor naquele flerte só porque a pessoa demorava para responder no WhatsApp? Você sabe que eu estou certo. Vou te deixar esperando.


[dropcap size=big]V[/dropcap]eio a primeira escolha.

Rodgers ficou perplexo. Seu mundo começou a ruir. A negação novamente.

Mike Nolan, técnico dos 49ers em 2005, foi o responsável pela escolha. Ele viu ambos jogarem. Mas nada disso importava: Nolan era tido como alguém arrogante e detestava a hipótese de confronto. Acabou por escolher Alex Smith em função de sua personalidade: calmo, introspectivo, quieto. Assim ele foi durante toda sua carreira, mesmo quando, depois de carregar sua equipe à final da Conferência Nacional, foi ao banco de reserva por concussão no ano seguinte.

Mas o mundo é um moinho;

O problema é quanto tempo esse moinho demora para dar sua volta. Naquele 23 de abril, foi uma volta interminável. De gel no cabelo, com um terno que parecia maior do que seu tamanho, ele esperou na sala de ante-sala por seu nome.

Dali para frente, vários nomes foram chamados. Nenhum quarterback.

2: Miami Dolphins: Ronnie Brown, Running Back, Auburn.

Ok, os Dolphins não precisavam de quarterback. Nem os outros times que viram a escolher logo depois. Browns com recebedor, Bears com running back, Buccaneers idem. Titans com cornerback e Vikings com wide receiver. Respectivamente a esses, Braylon Edwards virou um nômade. Cedric Benson só rendeu um punhado de anos em Chicago. Carnell Williams em Tampa Bay é… Aquele a gente chamava de Cadillac? Não me lembro. Adam Jones… Bom, Ano sim e ano também ele faz faltas estúpidas, vide 2015 contra Pittsburgh. Quem diabos é esse Troy Williamson que foi para os Vikings?

Enfim, não tinha problema. Agora seria o momento. Aaron fitou o telefone com força. Com ímpeto. Seus olhos vidrados queriam ver aquele telefone tocar para seu nome ser chamado. O Arizona Cardinals estava para escolher e alguns analistas diziam que o destino de Rodgers seria Phoenix. Não foi. Os Cardinals escolheram Antrel Rolle, que viria a ser um líder defensivo daquela franquia por anos.

Escolha 23 e a dor continuava

A dor era visível. A espera, pior do que nunca: entre a primeira e a 24ª escolha da primeira rodada, 4 horas se passaram em Nova York. E em todos aqueles minutos, as imagens da ESPN americana só diziam uma – e somente uma – coisa: para onde vai Rodgers? Por que ele está caindo tanto? Qual era o problema que aqueles times viam nele? Os times estavam com medo da sua suposta arrogância ou pouco tempo como titular de Cal? Como aquele homem tão talentoso pode estar nessa queda livre no Draft? Seria apenas porque nenhum time precisa de quarterback? Seria aquela classe de 2005 tão talentosa nas outras posições?

As perguntas eram muitas. As respostas, também. Inconclusivas. O que passava na mente daquele jovem, afinal?

“É engraçado para mim, olhar para trás, oito anos no passado. Eu estava na ante-sala do palco do Draft, imaginando se algum time queria me dar uma oportunidade”. E aquilo era exatamente o que se via em seu semblante. Desespero. Pedido de piedade. A mesma sensação que uma criança ruim de bola sente na aula de Educação Física quando todos seus colegas já foram escolhidos para algum time. A paciência, dizem, é uma árvore amarga de frutos doces.

E o quarterback de Berlekey provara um gosto amargo em sua boca: o gosto de 23 rejeições.

Ora, ninguém quer ser rejeitado. O grande primeiro trauma da vida de um ser humano é ser rejeitado na maior zona de conforto que experimentamos na vida: o útero materno, de qual todos nós viemos. Ao longo da vida, as situações de rejeição, não por acaso, são aquelas que nos machucam mais do que qualquer outra justamente por se assemelharem ao trauma capital da expulsão do útero. O primeiro não que você toma quando adolescente, não passar no vestibular, ser demitido… Para Aaron, foi uma rejeição que durou horas. Até que, mais uma vez, ele não teve o que queria: mas o que precisava.

O Green Bay Packers de Brett Favre, com a 24ª escolha do Draft de 2005, escolheu Aaron Charles Rodgers. Quarterback, California. Por que os Packers escolheram aquele menino na primeira rodada? Afinal, Favre ainda tinha pelo menos dois anos pela frente – o homem era um canhão, não se machucava nunca. Não era uma necessidade imediata. Mas a postura pela qual Aaron lidou com aquela espera interminável disse muito sobre seu caráter. Disse que ele sabia ser humilde. Que ele sabia esperar. Era exatamente o que Green Bay precisava: alguém que pudesse esperar Favre aposentar e com essa espera, mostrar aprendizado.

Veio a primeira escolha.

Rodgers ficou perplexo. Seu mundo começou a ruir. A negação novamente.

Rodgers disse à imprensa naquele momento o que um jogador ético diria. “Deus me ensinou muito sobre humildade e paciência. Hoje Ele jogou ambos na minha cara”. A experiência daquele 23 de abril de 2005 moldou o caráter do quarterback franzino que parecia ser fruto do sistema de Berkeley. “Coisas boas acontecem àqueles que esperam”, disse ele no dia.

Antes daquele Draft, Aaron e Alex lançaram uma bola num pneu a três metros de altura. Rodgers acertou e Smith errou. “Ainda acho que sou o melhor quarterback deste Draft” disse, após ser escolhido, o camisa 12 dos Packers e futuro campeão do Super Bowl XLV. E ele não poderia estar mais certo. Você pode não ter o que quer: mas muitas vezes terá o que precisa.

O texto acima foi publicado originalmente em junho de 2013 em nosso querido The Concussion. Depois do término de atividades do site, reunimos suas principais crônicas – publicadas de 2012 a 2014 – em um ebook com venda disponível na Amazon. Gostou dessa crônica? Confira outras 19 sobre o Futebol Americano clicando aqui.

O Draft ocorre nos dias 26, 27 e 28 de abril em Dallas, TX. Para o Brasil, o evento tem transmissão da ESPN + na quinta (1ª rodada, 21h) e sexta (2ª e 3ª rodada).

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