No dia 27 de dezembro de 2020, quando o New York Jets ganhou seu segundo jogo da temporada, a reação geral foi: “ok, os Jets entregaram Trevor Lawrence de bandeja ao Jacksonville Jaguars, mas, tudo bem, eles ainda terão Justin Fields. Está tudo certo”. Naquela altura, havia poucas dúvidas quanto ao jovem de Ohio State ser o segundo melhor quarterback da classe 2021.
Então teve início o chamado período pré-Draft, o intervalo entre o Super Bowl e a data do recrutamento, e Fields caiu de cotação. Ao mesmo tempo em que Zach Wilson, Trey Lance e Mac Jones viveram ascensões meteóricas, ele inexplicavelmente passou de segundo nome da classe para provável quarto ou até quinto signal caller escolhido na 1ª rodada.
Essa queda livre, porém, não condiz com o seu currículo no College Football e muito menos com o seu óbvio talento, tornando difícil entender o que mudou desde meados de fevereiro.
Fields apenas despencou e ninguém sabe direito o porquê
Existem algumas hipóteses para tentar desvendar esse mistério. Martenzie Johnson, escritor no site The Undefeated, procurou uma justificativa mais sociológica. Segundo o autor, Fields é outra vítima dos estereótipos a respeito de quarterbacks negros. No caso, Justin é criticado por uma suposta falta de ética de trabalho e por não processar o jogo rápido o bastante, o que refletiria o preconceito sobre negros serem preguiçosos e ignorantes demais para jogarem na principal posição do esporte.
Johnson não acusa olheiros, técnicos ou general managers de serem abertamente racistas, apenas pondera o quanto tais estereótipos podem pesar, até mesmo de maneira inconsciente, na hora das avaliações. Enfim, é uma leitura que vale a pena.
Uma segunda possibilidade é o longo retrospecto negativo dos quarterbacks de Ohio State na NFL, sendo Dwayne Haskins o último exemplo. Embora seja uma potência histórica nos quesitos títulos, recrutamento e total de atletas draftados, os Buckeyes nunca tiveram um signal caller de grande sucesso no mundo profissional. O mais longevo e “prolífico” foi Mike Tomczak, um reserva de longa data de Chicago Bears e Pittsburgh Steelers nos anos 1980 e 1990.
Fields obviamente não deve pagar pelo fracasso dos outros, entretanto a fama de Ohio State não produzir bons quarterbacks tende a gerar maiores debates sobre ele ser um fruto do sistema ou então só ganhar porque o resto do time é ultratalentoso. De resto, é impossível esquecer o papelão feito por Haskins em dois anos de NFL, o qual só serviu para aumentar a desconfiança em relação à universidade.
Por fim, temos uma última hipótese de explicação: a epilepsia. Recentemente o problema de saúde veio a público e causou certo burburinho, ainda que Fields tenha sido diagnosticado na infância e a doença não o tenha feito perder uma partida sequer no College Football. Além disso, especialistas já confirmaram que epilepsia não é um empecilho para seguir carreira profissional no futebol americano, visto remédios serem capazes controlá-la – Tiki Barber e Alan Faneca, por exemplo, jogaram bastante tempo na NFL e eram epiléticos.
Pode haver muito arrependimento no futuro
Fields saiu do ensino médio como o melhor dual-threat quarterback e o segundo melhor prospecto geral do país, atrás apenas de Trevor Lawrence. Recrutado por Georgia em 2018, pediu transferência dos Bulldogs um ano depois, após não conseguir roubar a titularidade de Jake Fromm. Ele também foi vítima de um insulto racista proferido por um jogador de beisebol da universidade, fato que pode ter contribuído na sua saída prematura.
Em Ohio State, Justin foi titular por duas temporadas, venceu 20 de 22 duelos disputados e quebrou vários recordes individuais, ajudando a equipe a conquistar dois títulos da Big Ten e chegar duas vezes aos playoffs. O auge de sua carreira universitária, sem dúvida, foram os seis touchdows lançados na vitória por 49 a 28 contra Clemson no último Sugar Bowl, partida que colocou Ohio State na final diante de Alabama.
Igual a qualquer outro jovem vindo do College Football, não estamos falando de um prospecto perfeito. Ele tem aspectos a serem aprimorados, mas, não custa repetir, nada explica plenamente a mudança brusca de opinião a seu respeito de três meses para cá.
Nada indica uma deficiência gravíssima e incorrigível na hora de ler e processar o jogo, embora isso costume ser um problema para todo quarterback calouro. Já em relação à ética de trabalho, nunca se ouviu reclamações do tipo vindo de técnicos ou ex-companheiros de Ohio State. Ademais, faz sentido duvidar da ética de trabalho e do esforço de alguém que jogou as duas partidas dos playoffs de 2020 com as costelas fraturadas?
Lembra quando os analistas supervalorizaram a timidez e a suposta falta de liderança de Justin Herbert na temporada passada? O caso de Fields é parecido, ou seja, scouts pensando demais sobre red flags que não precisam ser pensadas. Deste modo, ele vai caindo nos boards e entrando no radar de franquias como Denver Broncos e New England Patriots, as quais certamente não imaginavam selecioná-lo há alguns meses.
Fields disse ter levado para o lado pessoal as críticas quanto à sua ética de trabalho. Ele logo mais terá a chance de refutar esse e tantos outros questionamentos, talvez ensinando uma lição valiosa a muitos treinadores e general managers: não procure pelo em ovo.
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