Saquon Barkley e o dilema: um running back vale a 1ª escolha do Draft?

[dropcap size=big]A[/dropcap]pós o fiasco dos running backs escolhidos no topo do Draft 2012, – leia-se Trent Richardson e David Wilson – e duas temporadas seguidas sem corredores saindo na primeira rodada, era óbvio pensar na decadência da posição em termos de valor no recrutamento. Será que havia chegado ao fim a era dos running backs selecionados na primeira rodada?

A NFL, contudo, é uma liga extremamente cíclica e sujeita à mudanças drásticas em curtos espaços de tempo. O sucesso das experiências com Todd Gurley, Melvin Gordon e Ezekiel Elliott, todos sendo escolhas de primeira rodada em 2015 e 2016, recolocou os running backs no mapa do Draft, tanto que hoje em dia ninguém mais está se fazendo a pergunta acima. Em 2017, por exemplo, tivemos dois jogadores da posição saindo no top 10 (Leonard Fournette e Christian McCaffrey), algo que não acontecia desde 2005.

Em 2018, a bola da vez é Saquon Barkley, prospecto de Penn State. Não há a menor dúvida que ele será escolhido na primeira rodada, mas o jovem de 21 anos pode levar o negócio para outro nível. Barkley, na verdade, está cotado para ser a primeira pick geral pelo Cleveland Browns. Se isso acontecer, seria a primeira vez em 23 anos que um running back estaria literalmente no topo do Draft – em 1995, Ki-Jana Carter, também de Penn State, foi selecionado pelos Bengals.

Do ponto de vista técnico e de talento, provavelmente ninguém discutirá que Barkley é digno de ser a primeira escolha geral. Dono de uma carreira universitária brilhante, ele com certeza é o maior playmaker ofensivo disponível, sendo um jogador completo e fisicamente fora do comum, como pudemos confirmar no Combine. A bem da verdade, é o melhor prospecto na posição desde Adrian Peterson. A questão é que a posição de running back tem certas excepcionalidades que devem ser levadas em conta pelas franquias, não importa o quão bom o atleta seja.

Em outras palavras, uma série de fatores fazem com que selecionar um running back tão alto não seja tão vantajoso quanto selecionar alguém de outra posição. Neste texto vamos discutir alguns desses fatores, os quais incluem aspectos como custo-benefício, durabilidade e oferta de talento em rodadas mais baixas. É importante dizer que não estamos fazendo campanha contra Barkley ou qualquer running back. Apenas gostaríamos de deixar claro o que deveria passar pela cabeça do general manager dos Browns, ou de qualquer time escolhendo no top 5, antes de puxar o gatilho no Draft.

Custo-benefício

Um running back draftado no top 10 é uma verdadeira aberração financeira em termos de salário e dinheiro garantido. Isso ocorre principalmente devido ao tabelamento no valor dos contratos de calouro, o chamado rookie wage scale. Explicando resumidamente, este tabelamento significa que os calouros receberão contratos com montantes fixos e não negociáveis, os quais são definidos de acordo com o lugar em que o jogador é escolhido.

No caso de quarterbacks e defensive ends, por exemplo, o rookie wage scale garante que eles terão vínculos bem menos valiosos em comparação a veteranos consagrados, mesmo se forem a primeira escolha geral. Já no caso dos running backs o tabelamento funciona ao contrário, fazendo com que um corredor selecionado no top 10 seja melhor remunerado do que a maioria absoluta dos veteranos, sobretudo no quesito dinheiro garantido.

Ano passado a ESPN norte-americana fez um levantamento bastante interessante a este respeito – confira aqui. Vamos colocar em números: a média de dinheiro garantido nos cinco maiores contratos de running backs era de 19,1 milhões de dólares, a menor da NFL. Ezekiel Elliott, por sua vez, recebeu mais de 24 milhões garantidos ao ser selecionado na quarta posição geral pelos Cowboys em 2016. Na temporada seguinte, confirmando a tendência de aumento anual, Leonard Fournette, também quarta pick geral, recebeu 27 milhões garantidos.

Ou seja, running backs que nunca jogaram um snap sequer na liga estão ganhando mais dinheiro do que nomes famosos e já comprovadamente produtivos – e, ao contrário de colegas da posição, o dinheiro é mais “garantido” no contrato. Além de deixar a meritocracia da NFL em xeque, isso cria um verdadeiro dilema para as franquias, já que é muito mais vantajoso e seguro financeiramente assinar com um veterano de qualidade ou draftar alguém em rodadas mais baixas. Mesmo que um calouro top 10 seja um corredor tecnicamente melhor ou mais completo, seu custo-benefício precisa ser colocado na balança. Será que ele é tão superior assim ao ponto de ser instantaneamente um dos melhores remunerados na sua posição? Ou então será que ele vai produzir muito mais do que, por exemplo, alguém draftado na segunda ou terceira rodada?

Vamos pensar no caso de Saquon Barkley. Considerando que Myles Garrett (defensive end do Cleveland Browns) recebeu 30,4 milhões garantidos por ser a primeira escolha geral de 2017, é óbvio pensar que o prospecto de Penn State ganhará ainda mais se por acaso tiver seu nome chamado primeiro pelos Browns em 2018. Isso o fará ser o running back com o maior montante garantido da NFL, talvez superando até mesmo um eventual contrato de longa duração oferecido a Le’Veon Bell por Pittsburgh.

Enfim, mais do que discutir se é justo ou não, gostaríamos apenas de salientar que não se trata de uma decisão simples. As franquias costumam vender caro cada milhão garantido oferecido aos seus jogadores, sempre comparando com a remuneração de atletas similares. No caso de running backs selecionados no topo do draft isso foge totalmente do controle. Tudo bem, dinheiro não é um problema para os Browns, afinal a equipe tem muito espaço no salary cap em 2018 e deve continuar tendo nas próximas temporadas, mas isso não significa que eles devam sair gastando sem pensar nas consequências. Ademais, times como os Giants, donos da segunda escolha geral e de um orçamento menos generoso, precisarão ser ainda mais cautelosos antes de irem atrás de Barkley.

Durabilidade e vida útil

Não é segredo para ninguém que running backs costumam ter uma “vida útil” menor na NFL do que atletas de outras posições, pois tendem a ser os jogadores mais punidos fisicamente dentro de campo. Um corredor que carrega a bola 20 ou 25 vezes por partida irá receber, em tese, 20 ou 25 tackles.



Deste modo, running backs estão mais sujeitos à lesões e oscilações de rendimento de uma temporada para outra. É por isso que as franquias oferecem renovações de contrato menos valiosas, mais curtas e com pouco dinheiro garantido, isso quando oferecem alguma renovação de vínculo. A prova é, por exemplo, a novela na qual se transformou a situação de Bell nos Steelers. Aliás, espere novos dramas envolvendo Ezekiel Elliott, Todd Gurley, Melvin Gordon etc. daqui a algum tempo.

Ao gastar uma pick top 10 em um running back, as franquias estão investindo em um atleta com um risco enorme de ficar apenas quatro ou cinco anos no time, até porque estatisticamente falando este é o período mais produtivo dos corredores da NFL. Segundo o mesmo levantamento feito pela ESPN norte-americana, os running backs tendem a cair de rendimento a partir dos 27, 28 anos de idade. Ou seja, os general managers devem pensar duas vezes se vale a pena ou não oferecer um segundo contrato aos jogadores da posição.

Obviamente, nenhum time quer abrir mão de alguém draftado no topo do recrutamento em tão pouco tempo, porém de novo entra em cena a questão do custo-benefício. Tampa Bay, por exemplo, decidiu apostar em um segundo contrato para Doug Martin e quebrou a cara. A verdade é que as especificidades da posição tornam a situação dos running backs muito instável, e instabilidade é a última coisa que uma equipe quer na primeira escolha geral do Draft.

Oferta de talento abundante em rodadas mais baixas

Por fim, o último aspecto que gostaríamos de comentar é a produtividade de running backs selecionados em rodadas inferiores do Draft. O melhor modo de ilustrar o que queremos dizer é através de exemplos. Leonard Fournette e Christian McCaffrey, duas escolhas top 10, foram ótimos em suas temporadas de estreia com Jaguars e Panthers, contudo ainda assim não foram os melhores corredores calouros de 2018. A honra coube a Kareem Hunt e Alvin Kamara, duas seleções de 3ª rodada. E não para por aí, pois a maioria dos grandes running backs dos últimos anos não saiu tão cedo assim no recrutamento: Jamaal Charles (3ª rodada), LeSean McCoy (2ª rodada), DeMarco Murray (3ª rodada), Le’Veon Bell (2ª rodada), David Johnson (3ª rodada), Jay Ajayi (5ª rodada), Jordan Howard (5ª rodada) etc.

Enfim, poderíamos ficar um belo tempo aqui citando nomes. A ideia é refletir por que uma franquia investiria uma escolha alta na posição se as chances de conseguir um bom talento em rodadas baixas são consideráveis. Zeke Elliott e Todd Gurley, duas picks de primeira rodada, são muito melhores do que os atletas mencionados acima? O quão superior é Saquon Barkley em relação aos running backs que sairão na segunda e terceira rodada? De novo estamos no território do custo-benefício.



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Caberia um estudo mais aprofundado, mas analisando superficialmente a chance de encontrar um corredor de elite na metade ou no final do Draft é muito maior do que, por exemplo, a chance de encontrar atletas de outras posições. Por isso, em teoria, faz mais sentido queimar escolhas altas em quarterbacks, pass rushers, offensive linemen etc., posições em que a oferta de talento é mais escassa.

Veredito

Levando em conta só os três aspectos citados acima, a conclusão é que draftar um running back com a primeira escolha geral está longe de ser o negócio mais vantajoso do mundo para as franquias. Claro, porém, que outros fatores também devem ser considerados, como a necessidade do time, a classe de calouros disponível e a qualidade individual do prospecto. Tudo isso precisa ser colocado na balança, fazendo com que a decisão de selecionar um corredor tão cedo seja mais difícil e complexa do que o normal. Browns, Giants e Jets enfrentarão este dilema daqui a menos de dois meses, quando avaliarão se Saquon Barkley vale ou não o investimento dentro do top 3.

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