Dropback, 1982: Bengals vencem Chargers no jogo mais frio da história da NFL e vão ao Super Bowl

Domingo, 10 de janeiro de 1982. Uma tempestade de baixa pressão na Baía de Hudson, Canadá, empurrou uma massa de ar frio e ventos fortes para o norte dos Estados Unidos. Como resultado, a região enfrentou temperaturas baixíssimas fora do comum. A cidade de Cincinnati, por exemplo, viveu o dia mais gelado da sua história – tão frio, mais tão frio que o imenso Rio Ohio chegou até mesmo a congelar. No meio da tarde, os termômetros marcavam -9 graus Fahrenheit (-22 graus Celsius), porém ventos de 35 milhas por hora derrubavam a sensação térmica para surreais -59 ºF (-50 ºC).

Esta foi a condição climática encontrada por Bengals e Chargers quando entraram em campo para disputar a final da Conferência Americana referente à temporada de 1981. Este foi o cenário enfrentado pelos 46.302 torcedores que foram acompanhar a partida in loco no Riverfront Stadium. – 13.277 pessoas não tiveram tanta coragem.

Não por acaso, o AFC Championship Game de 1981 recebeu o apelido de “Freezer Bowl” e até hoje carrega o título de jogo mais frio da história da NFL, superando o Ice Bowl de 1967 em termos de sensação térmica – a temperatura absoluta, entretanto, não foi tão baixa. Hoje vamos falar um pouco mais deste momento histórico do futebol americano, relembrando o contexto dos times, os principais acontecimentos da partida e obviamente como o frio impactou o duelo.

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O auge da filosofia Air Coryell

San Diego viveu uma das melhores épocas da sua história entre o fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Liderada pelo quarterback Dan Fouts e baseada na filosofia ofensiva do técnico Don Coryell, conhecida como Air Coryell, a equipe teve o ataque aéreo mais produtivo da liga neste período e conseguiu se classificar aos Playoffs quatro vezes consecutivas (1979 a 1982).

Em 1981, Fouts, um futuro membro do Hall da Fama, quebrou o recorde de jardas lançadas em uma única temporada (4,802) e levou os Chargers à final da AFC com um record de 10-6. Seus principais alvos eram o tight end Kellen Winslow e o wide receiver Charlie Joiner – outros futuros Hall of Famers. A franquia da Califórnia, contudo, não conseguiu transformar a boa fase em aparições no Super Bowl, perdendo duas finais de Conferência seguidas respectivamente para Raiders e Bengals.

Cincinnati, por sua vez, voltou a ter motivos para comemorar em 1981 após anos de fracassos. A equipe terminou a temporada com 12 vitórias e quatro derrotas, indo aos Playoffs pela primeira vez em cinco anos. Além disso, o quarterback Ken Anderson foi eleito o MVP da liga. Os Bengals podiam não possuir um ataque tão estelar quanto os Chargers, mas tinham um time sólido com nomes importantes como Anthony Muñoz, Eddie Edwards, Ken Riley etc.

Freezer Bowl

O confronto em si entre Bengals e Chargers não teve grandes emoções como viradas ou lances espetaculares, pois Cincinnati, com a ajuda do clima, controlou o ataque de San Diego e venceu a partida sem tomar sustos.

Os donos da casa rapidamente abriram uma vantagem de 10 a 0 no placar logo no começo do primeiro quarto. A pontuação inicial veio com um field goal de 31 jardas chutado pelo kicker Jim Breech. Na sequência, San Diego cometeu seu primeiro turnover do dia, quando James Brooks sofreu um fumble tentando retornar o kickoff. O linebacker Rick Razzano deslocou a bola e Don Bass a recuperou na linha de 12 jardas do campo de ataque dos Bengals. Cincinnati então entrou na end zone com um passe de oito jardas de Anderson para o tight end M. L. Harris.

Os Chargers estiveram perto de reagir na campanha seguinte, mas o kicker Rolf Benirschke errou um chute de 37 jardas. Os visitantes, contudo, conseguiram inaugurar o marcador no segundo quarto, após um passe de 33 jardas de Fouts para Winslow. Cincinnati, por sua vez, respondeu alguns minutos depois com um touchdown de uma jarda do fullback Pete Johnson.

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Um maluco torcedor acompanhando a partida no estádio (Cincinnati Enquirer file photo)

A partir daí começou o show de erros e turnovers de San Diego. Ainda antes do intervalo, Fouts lançou duas interceptações tentando passes longos. A primeira delas aconteceu quando ele buscava Charlie Joiner na linha de seis jardas dos Bengals. Já a segunda foi na própria end zone adversária, em um lançamento direcionado a Winslow. Méritos para os defensive backs de Cincinnati, respectivamente Louis Breeden e Bobby Kemp. Na campanha inicial do segundo tempo, os Chargers novamente marcharam bem pelo campo, porém outro turnover frustrou a equipe: um fumble perdido pelo running back Chuck Muncie. A franquia posteriormente ainda desperdiçaria outro field goal (50 jardas) e sofreria um turnover on downs na sua última posse de bola do jogo.

Já os Bengals foram muito mais efetivos. O time voltou a pontuar no terceiro quarto em um chute de 38 jardas de Breech e garantiu a vitória com um passe de três jardas de Anderson para Don Bass. Placar final de 27 a 7 para Cincinnati, título da AFC conquistado e vaga no Super Bowl XVI assegurada.

O destaque individual do confronto foi o quarterback Ken Anderson, que terminou o dia com 14 passes completos em 22 tentativas para 161 jardas e dois touchdowns. Ademais, o ataque terrestre dos Bengals também merece elogios, pois totalizou 143 jardas e uma outra pontuação.

Os efeitos do frio

O grande atrativo da partida acabou sendo mesmo sua bizarra condição climática. O frio intenso gerou efeitos inesperados e quase inacreditáveis, os quais influenciaram decisivamente no desenrolar do jogo.

O principal exemplo a este respeito foi o problema do vento. Alguns atletas de San Diego relataram como isso prejudicou o rendimento de Fouts. Ao comentar o primeiro passe do quarterback no duelo, Pete Shaw falou o seguinte: “Ele flutuou como um ‘pato morto’. Quando eu vi, eu disse: ‘Será um longo dia’. Este é o nosso negócio, Air Coryell“. Os próprios adversários confirmaram: “Várias vezes eu lembro de Fouts lançando a bola e ela vindo na nossa direção. Nós pulávamos para agarrá-la e ela caía no nosso pé.”, afirmou o cornerback Louis Breeden. E o pior é que ainda não existiam luvas para quarterbacks, um acessório que facilitaria a vida de Dan aumentando a aderência da mão com a bola no frio.

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Dan Fouts sofrendo com a baixa temperatura (AP photo)

Além disso, havia a questão do vestuário. Como fazer para se aquecer em uma temperatura de -22 graus Celsius? Bem, a resposta é simples: coloque toda a roupa que você conseguir. Hank Bauer, jogador dos Chargers, contou que ele e seus companheiros tentaram de tudo, desde meias de nylon femininas até sacolas plásticas nos pés. Alguns usaram máscaras, protetores de orelha, calças e meias extras ou até mesmo dois pares de luvas. Quem não adotou esta estratégia se arrependeu: “Eu apenas fui lá para fora com meu uniforme normal, vestido como se eu estivesse jogando em San Diego. Quando eu saí para o pré-jogo, eu nunca me senti tão mal em toda a minha vida. Foi inacreditável.”, disse Charlie Joiner.

Os membros da linha ofensiva dos Bengals, entretanto, decidiram que iriam atuar com mangas curtas, apenas passando vaselina nos braços visando amenizar o efeito do frio. A ideia partiu do guard Dave Lapham, pois ele achava que os pass rushers adversários poderiam ter vantagem segurando as roupas extras. O técnico Forrest Gregg não proibiu: “Eu pensei que eles eram malucos por não usar mangas, mas eles são jogadores de futebol profissionais. Eu não vou dizer o que devem vestir.”

Gregg, aliás, pode se gabar do fato de ter participado das duas partidas mais geladas da história da NFL. Ele esteve em campo jogando pelos Packers no Ice Bowl de 1967 e treinou o time de Cincinnati em 1981.

Mas os problemas não se limitaram exclusivamente aos atletas. Algumas câmeras de transmissão da NBC pararam de funcionar. O café de Dick Enberg, narrador do confronto, congelou.

Os riscos à saúde de jogadores e torcedores

A possibilidade de adiamento chegou a ser cogitada, porém o comissário Pete Rozelle autorizou a realização do duelo após receber o aval do médico Ralph Goldman, doutor do United States Army Research Institute for Environmental Medicine. Esta decisão obviamente trouxe riscos à saúde de jogadores e torcedores.

Em primeiro lugar, o gramado do Riverfront Stadium estava duro e congelado, tanto que Bauer chegou a compará-lo com concreto: “Naquele jogo, ele era a segunda pancada. Você batia em alguém e depois batia no chão. Era pelo menos tão danoso quanto dois corpos se chocando.” Ademais, chutar a bola era um grande desafio para os kickers, pois ela estava igual à uma pedra – Breech ficou com hematomas no pé por conta de seus field goals.

Segundo informou o jornal New York Times, vários torcedores sofreram ataques cardíacos. Menos mal que a polícia de Cincinnati ficou nas arquibancadas oferecendo assistência. Dentro de campo, Ken Anderson terminou a partida com um congelamento na orelha direita.

Na verdade, alguns atletas sentem os efeitos do frio extremo até hoje. Em uma entrevista de 2014 ao jornal San Diego Union-Tribune, Fouts disse o seguinte: “Congelamento, sim, é permanente. Dedos e dedos do pé. É mais como uma sensação de frio. Você não consegue se aquecer.” Dave Lapham também já afirmou algo parecido: “Honestamente, aquela partida mudou meu termostato. O tempo frio me afeta mais agora do que antes daquele jogo”.

San Diego Chargers e Cincinnati Bengals protagonizaram um dos momentos mais espetaculares da história da NFL, algo que com certeza ficará para sempre marcado nas mentes, corações e corpos de quem jogou ou foi ao estádio acompanhar a final da AFC de 1981.

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