A referência do título e da imagem que ilustra este post talvez merecesse seu próprio dropback: vem de um programa do Sílvio Santos da década de 80, em que o apresentador fazia perguntas para participantes que não podiam ouvi-las, devendo ainda assim responder sim ou não. O formato foi revivido pela Eliana nos anos 90 então talvez você se lembre daí também. Desta forma, muitos acabaram trocando um videogame por uma caixa de fósforos, por exemplo. Mas Mike Ditka não tinha a justificativa da surdez temporária. Em 1999, o então técnico do New Orleans Saints decidiu trocar todas (sim, todas) as suas escolhas no draft para selecionar o running back Ricky Williams, da Universidade do Texas.
Como é possível imaginar, a troca não deu muito certo para os Saints. Mas, como veremos à frente, a decisão de Ditka de ter Williams em sua equipe a qualquer custo desencadeou diversas trocas em que, no fim das contas, ninguém se deu muito bem. Hoje, no dropback, falaremos sobre o desenrolar da troca que viria a custar o futuro de Mike Ditka como técnico na NFL, bem como moldar a carreira (no mínimo estranha) de Ricky Williams.
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Mike Ditka teve uma carreira ilustre na NFL. Primeiro como tight end, alcançando grande sucesso na década de 60, particularmente no Chicago Bears, onde participou da conquista do título da NFL (em 1963). Posteriormente, Ditka se tornaria definitivamente uma lenda dos Bears quando, como técnico, levou a equipe à vitória no Super Bowl XX, após a temporada de 1985.
Depois de seu período de glórias em Chicago, a próxima oportunidade de Mike Ditka mostrar sua capacidade como treinador seria em New Orleans. Os Saints o contrataram em 1997, obtendo pouco sucesso nas primeiras duas temporadas sobre o comando de Ditka (6 vitórias e 10 derrotas em 1997 e 1998). O técnico entrava na temporada 1999 sob pressão de conseguir melhores resultados. Esta pressão provavelmente contribuiu para a obsessão de Mike Ditka com Ricky Williams durante o período que antecedia o draft. O treinador decidiu que precisava ter o running back de Texas em sua equipe, não importando o preço a pagar.
Para piorar a situação, durante o encontro dos proprietários das equipes da NFL, Ditka revelou suas intenções publicamente, afirmando que trocaria todas as escolhas dos Saints no draft que se aproximava pela chance de selecionar Ricky Williams. Desta forma, a equipe ficava sem argumentos para barganha nas negociações, aumentando ainda mais o possível custo da troca.
A Troca
Ao chegarmos ao draft propriamente dito, a troca desejada (e anunciada) por Mike Ditka se concretizou. O New Orleans Saints entregou a Washington escolhas de primeira (décima segunda posição geral), terceira, quarta, quinta, sexta e sétima rodadas de 1999, além de escolhas de primeira e terceira rodadas em 2000. Se você está se perguntando sobre a escolha de segunda rodada dos Saints, saiba que ela só não entrou neste negócio pois já havia sido trocada anteriormente. Em troca, os Saints receberam a escolha de primeira rodada de Washington (terceira posição geral).
Para a surpresa de absolutamente ninguém, os Saints selecionaram Ricky Williams. Washington, por sua vez, trocou várias das escolhas recebidas, com o Chicago Bears e o Denver Broncos, também para subir no draft e selecionar, entre outros, o cornerback Champ Bailey.
Ao final do draft de 2000, o resultado de todas estas trocas foi o seguinte:
New Orleans Saints: Ricky Williams
Washington: Champ Bailey, LaVar Arrington, Derek Smith, Lloyd Harrison
Chicago Bears: Cade McNown, D’Wayne Bates, Warrick Holdman, Khari Samuel, Dustin Lyman
Denver Broncos: Desmond Clark, Billy Miller
Sobre os Saints seguiremos falando mais à frente, mas, com relação às demais equipes, podemos afirmar que não houve um claro vencedor das trocas. Washington obteve dois jogadores de qualidade em Bailey e Arrington, mas com um custo muito elevado. Os Broncos obtiveram dois jogadores com carreiras discretas, mas pelo menos a um baixo custo (escolhas de sexta e sétima rodadas). Já os Bears acabaram com um senhor “bust” na mãos em Cade McNown, também não conseguindo muito retorno dos demais jogadores selecionados.
Na história da NFL e do draft existem trocas em que os dois lados obtém sucesso e outras em que um lado claramente supera o outro. Talvez esta troca que envolveu os Saints, Mike Ditka e Ricky Williams seja um exemplo de uma troca que não deu muito certo para nenhum dos lados.
Agora que os Saints já tinham decidido trocar todo o seu draft por um jogador, poderíamos fazer a pergunta: qual seria o impacto de Ricky Williams em New Orleans? A aposta de Mike Ditka seria bem-sucedida?
O Casamento Ditka-Williams
É claro que a fixação de Mike Ditka em Ricky Wiliams foi muito explorada pela mídia na época da seleção. Certamente um momento marcante foi quando a revista da ESPN quis fazer uma matéria de capa sobre a união com Williams tão desejada por Ditka. A reportagem buscava utilizar a analogia com um casamento e, para isso, sugeriu que Ditka e Williams se vestissem de noivo e noiva, respectivamente. E, de alguma maneira completamente inexplicável… Eles aceitaram. O resultado vemos na sensacional e inacreditável foto abaixo.
Além da foto, outros fatos também sugeriam que Ricky Williams não era o típico jogador de futebol americano. Na hora de escolher um agente, Williams optou pelo rapper Master P, o que trouxe consequências negativas para o jogador. O running back assinou um contrato quase que totalmente baseado em incentivos muito difíceis de serem alcançados, tendo sido considerado um dos piores contratos de escolhas de primeira rodada na história da NFL.
Dentro de campo, os resultados não foram os esperados. Ricky Williams, em sua temporada de estreia na liga, sofreu com contusões, correndo para 884 jardas e 2 touchdowns. Além disso, sua personalidade difícil, que fazia com que Williams decidisse não falar com alguns companheiros, certamente contribuiu para suas dificuldades.
No fim da temporada, os Saints terminaram com 3 vitórias e 13 derrotas, e o técnico Mike Ditka foi demitido, juntamente com toda sua comissão técnica. Foram contratados em seguida o general manager Randy Mueller e o técnico Jim Haslett.
Nas duas temporadas seguintes, Ricky Williams teve bom desempenho, ultrapassando as 1000 jardas em 2000 e 2001. Apesar disso, muito por conta dos fatores extracampo de Williams, os Saints optaram por selecionar o running back Deuce McAllister na primeira rodada do draft em 2001.
Antes do draft de 2002, Ricky Williams foi trocado para o Miami Dolphins, encerrando sua período em New Orleans com 3129 jardas em 3 temporadas.
Que fim levaram Mike Ditka e Ricky Williams?
Após o fracasso do seu período como técnico do New Orleans Saints, Mike Ditka não voltou a trabalhar como treinador na NFL, assumindo uma posição como comentarista na ESPN, que deixará apenas agora em 2016.
Já Ricky Williams, após sua saída de New Orleans, manteve um padrão pouco comum em sua carreira. Williams alternou bons momentos em Miami com súbitas decisões de se aposentar (em 2004, para estudar medicina holística) e retornos abruptos. Inclusive, quanto retornou aos Dolphins, Williams foi obrigado a devolver parte do bônus recebido na assinatura do contrato.
Posteriormente, em 2006, Ricky Williams foi suspenso por toda a temporada, devido a inúmeras violações do programa de abuso de substâncias da NFL, sempre por uso de maconha. Naquele ano, o running back jogou na CFL, pelo Toronto Argonauts.
No ano seguinte, um já veterano Ricky Williams voltou a Miami, antes de encerrar sua carreira em 2011, pelo Baltimore Ravens.
Muitas vezes Ricky Williams é mais lembrado pelas confusões que envolveram sua carreira (trocas malucas, suspensões, comportamento difícil) do que pelo seu desempenho em campo. Fato é que Williams foi um running back muito bom, terminando sua carreira com mais de 10000 jardas terrestres.
As trajetórias de Mike Ditka e Ricky Williams ficaram para sempre marcadas pelo “casamento” gerado pela obsessão do técnico pelo running back. Este é mais uma demonstração do impacto que as decisões tomadas no draft podem ter nas carreiras de todos envolvidos.
É melhor ouvir bem as propostas de trocas e pensar bastante antes de responder “SIIMMMM!!!!”





