[dropcap size=big]N[/dropcap]inguém em Boston ligava tanto assim para o New England Patriots. A cidade era do beisebol. A seca de títulos do Boston Red Sox era lendária e o coração das pessoas, seja no comprar de ingresssos ou em seu imaginário, pulsava pelo taco e pela pequena bola de cortiça com costura vermelha.
Não que o Boston Celtics também não figurasse nesse imaginário. Afinal, era uma das equipes mais vitoriosas da NBA. Nos anos 1980, viu Larry Bird dominar a liga em inúmeros quesitos e finais lendárias contra o Los Angeles Lakers.
Ainda tinha o Boston Bruins, da NHL. Como o leitor deve saber, o hockey é bastante popular na região. No meio disso tudo, um time que sequer o nome de Boston carregava em seu batismo. Ou melhor: um dia carregou.
Anteriormente, equipes como o Boston Redskins (hoje Washington), Boston Yanks e Boston Bulldogs tentaram se estabelecer por lá e competir com as outras equipes das demais ligas americanas. Em vão.
Da saída dos Redskins no final dos anos 1930 e por praticamente 20 anos, nada acontece em Boston de muito empolgante acontece em termos de futebol americano profissional. Em realidade, tampouco aconteceria nas décadas seguintes e menos ainda no college football.
Em 1960, nasce a liga rival da NFL – a AFL – e, com ela, o Boston Patriots. Seria mais uma tentativa para reascender a chama do amor pela bola oval no nordeste dos Estados Unidos. O que talvez nunca tenham te contado é o time é um grande saco de pancadas durante anos. Quem vê a imponência do Gillette Stadium como fortaleza e Estrela da Morte da AFC não imagina isso. Mas é a realidade. “Eu nem sabia onde eles ficavam quando eu fui draftado”, disse Lawyer Milloy ao documentário America’s Game.
A falta de apreço ante as temporadas ruins na década de 1960 culminaram com uma possibilidade bem real de realocação dos Patriots para Tampa. Além da falta de competividade e de público, o time ainda sofria com a falta de um estádio com pelo menos 50 mil lugares – requisito a partir de 1970, com a fusão da AFL com a NFL. Ante o problema, o time se muda de Boston para Foxboro – uma distância mais ou menos como de São Paulo a Jundaí ou a Campinas.
Aí, surge o New England Patriots.
Não só porque to time sai de Boston, mas numa tentativa desesperada de abarcar outros Estados da região da Nova Inglaterra como base de fãs do time. Competir com Celtics e Red Sox parecia missão quase impossível. Competir com Dolphins, Bills, Jets e Colts na divisão, pior ainda.
Mesmo com a mudança, anos se passam sem que nada de realmente empolgante aconteça com os Patriots. É bem verdade que o time consegue ser zebra nos playoffs de 1985, derrotando o Miami Dolphins apenas para ser estraçalhado por 46 a 10 pelos Bears no Super Bowl. Mas aquela temorada foi nada além de uma estrela solitária nos primeiros anos de franquia.
Jogando num estádio obsoleto e sem muita perspectiva, os donos do time ano sim, ano também, tinham prejuízo. Esse mesmo estádio foi colocado à venda. O comprador? Um magnata da indústria de celulose e fã do time desde os primórdios. Seu nome era Robert Kraft.
***
[dropcap size=big]O[/dropcap] final da década de 1960 não foi a primeira oportunidade na qual os torcedores dos Patriots ficaram ameçados em ver seu time mudar de cidade – como já aconteceu com inúmeras franquias da NFL, tal como Colts, Rams, Titans, Cardinals e outras tantas. Entre 1992 e 1993, com James Orthwein – nativo de St. Louis – sendo o proprietário do time, uma intensa boataria começou de que haveria uma realocação para o Missouri, dado que James era de lá e a cidade acabara de perder os Cardinals para Phoenix.
Em 1993, o time parecia no caminho certo após escolher Drew Bledsoe com a primeira escolha geral do Draft. Talentoso quarterback de Washington State, Bledsoe era considerado o melhor quarterback da classe e o capaz de levar os Patriots de volta ao Super Bowl, como eventualmente faria trêrs anos depois. Contudo, o interesse de Orthwein em mudar a franquia de cidade… Bem, esse continuava a todo vapor.
Kraft não permitiria. Mesmo com o dono dos Patriots oferecendo 75 milhões de dólares para sair do contrato de aluguel com o Foxboro Stadium, Robert Kraft negou. Como fã incondicional da franquia, faria o possível e o impossível para não deixar o time sair de longe de seus olhos. Ante ao impasse, Orthwein colocou o time a venda. Kraft pagou 175 milhões de dólares. Aquele foi o melhor investimento de sua vida. Ou melhor. O segundo. O primeiro ele saberia da boca do próprio investimento em 2000.
No primeiro ano de Robert Kraft como dono do New England Patriots, todos os ingressos foram vendidos nos 8 jogos em casa. Até hoje é assim. Dois anos depois, após a excelente contratação de Bill Parcells para comandar a franquia – que já estava lá quando Kraft compra o time – os Patriots chegaram ao Super Bowl e mais uma vez foram derrotados. Desta vez, para o Green Bay Packers de Brett Favre.
A instabilidade reinou. Rumores de rixa entre Parcells e Kraft ficaram evidentes. A maior reclamação de Parcells era ter que cozinhar sem “poder escolher os ingredientes”. Ou seja: sem ter participação na montagem do elenco. Após o Super Bowl, Parcells deixa o cargo e vai para o arquirrival de New England, o New York Jets. Kraft ainda se vingaria disso.
Junto de Parcells, um assistente de longa data foi junto para Nova York. Seu nome? Bill Belichick.
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[dropcap size=big]B[/dropcap]elichick começou a carreira nos anos 1970, mas é na década seguinte que ele se solidifica como um dos melhores treinadores da NFL. Sob seu comando técnico, o outside linebacker Lawrence Taylor vence o prêmio de jogador mais valioso da liga (MVP) em 1986 e essa foi a última vez que um defensor ganhou o prêmio. Quatro anos depois, Belichick montaria um audaz plano de jogo para neutralizar o potente ataque terrestre do Buffalo Bills: deixar que corressem com a bola. Deu certo e esse plano de jogo hoje repousa no Hall da Fama do Futebol Americano Profissional.
Ante altos e baixos nos anos 1980, o Cleveland Browns contrata Belichick como head coach em 1990. Não foi das melhores passagens se a compararmos com tudo o que Bill fez nos Patriots anos depois. Mas a última vitória do Cleveland Browns em playoffs ainda foi com Belichick, em 1994 – contra os Patriots.
Pois bem. Dá para dizer que Belichick saiu “queimado” de Cleveland. Não que tenha sido tanto culpa dele. Em 1995, com o time tendo um elenco sólido, vazou a informação de que a franquia seria realocada para Baltimore. Como efeito imediato, o navio afundou. Quando os Browns de fato foram para Baltimore, onde iriam se tornar os Ravens, as malas foram feitas e Belichick não foi levado junto. Ele imediatamente encontrou refúgio com Parcells, seu mentor… Nos Patriots, em 1996. Junto dele vai para os Jets em 1997, onde fica até o final de 1999.
É nesse ano que as coisas se alinham na AFC East. Parcells se aposenta e indica Belichick como seu sucessor. Este, por sua vez, vira head coach do New York Jets e fica no cargo por praticamente 24 horas. Citando problemas na sucessão do time, Belichick deixa o cargo – o dono, Leon Hess, havia falecido há pouco e isso, segundo ele, causaria instabilidade em seu dia-a-dia. Num guardanapo, escreveu: Eu me demito do posto de HC do NYJ.
Uma gigantesca confusão se seguiu disso tudo. A Belichick foi oferecido o posto de head coach do New England Patriots e, em tese, ele ainda estaria sob contrato com os Jets. A NFL teve de intervir. Patriots e Jets acordaram-se e New England mandou um pacote de escolhas no Draft, as quais incluíam duas no Draft de 2001 e a primeira do Draft de 2000. Um pacote pesado como compensação. Mas que hoje soa como troco.
À época, a contratação foi bastante criticada. Olha o que o Boston Herald, um dos principais jornais de Boston, disse sobre:
“Técnicos que valem escolhas de primeira rodada de Draft: Vince Lombardi. George Halas. Paul Brown. Bill Parcells. Joe Gibbs. Don Shula. Chuck Noll. Tom Landry. Bill Walsh.
Desculpa, galera, Bill Belichick não entra nessa lista. Ele não está nessa estratosfera de treinadores. Não para mim. Ele não vale o que os Patriots deram para os Jets ontem. Ele não é alguém para quem eu daria todas as riquezas de meu reino, especialmente se estamos dando para o maior rival da AFC East.”
Bill Belichick tem mais anéis em Super Bowl e mais vitórias em playoffs do que todos os nomes citados acima.
***
[dropcap size=big]N[/dropcap]ão que o início tenha sido fácil. Não foi. Tal como uma gestação de 9 meses é um tanto quanto dolorosa para uma mulher, a temporada de 2000 do New England Patriots é reputada como o “último time ruim de New England”. Não que as peças não estivessem ali para que um time – especialmente a defesa – fosse competitivo. “Eu nunca fui parte de um time com tanto talento e tão pouco sucesso”, disse o punter do time, Lee Johnson, ao The Ringer.
Já na primeira temporada, o Patriot Way começou a ser inserido na cultura do time. Belichick cortou dos veteranos “medalhões”, Ben Coates e Bruce Armstrong, porque eles não aceitaram redução salarial. Ambos eram pro-bowlers. A mídia local, óbvio, não perdoou. Na mesma época, antes da temporada, Belichick demitiu Bobby Grier.
O nome não parece familiar e realmente pouco se fala sobre ele. Diretor de Elenco Profissional dos Patriots, Grier foi o único executivo da NFL a ligar para o técnico de Michigan para perguntar sobre o quarterback da equipe que estaria no Draft de 2000. Mais ninguém ligou. Grier e o técnico de quarterbacks, Dick Rehbein, endossaram a escolha e na sexta rodada a equipe escolheu um reserva para Drew Blesdsoe.
A “gestação” da Dinastia continuou ainda no mesmo ano. Em maio, o time anunciou que mudaria de uniforme – que, realmente, era pavoroso. Os Patriots usaram um uniforme azul royal com dois logos enormes no ombro e os números em itálico. Era a aberração da moda dos anos 1990 presente num uniforme de futebol americano. O uniforme atual, mais sóbrio, foi introduzido naquele ano.
Mudanças à parte, o primeiro ano da Era Belichick foi um desastre. Já no primeiro dia do Training Camp, Belichick disse à imprensa que “há muitos jogadores com sobrepeso, fora de forma e muitos caras que não pagaram o preço para estar aqui”. Completou: “você não pode ganhar um título com 40 bons jogadores quando todos os outros times têm 53”.
A outra gestação que nasce em 2000 é da controvérsia de quarterback. Drew Bledose seria menos “mortal” no ano seguinte muito porque, um ano antes, ele já foi arranhado por uma controvérsia dessas. Mas não “contra” o quarterback que você está pensando. Michael Bishop, segundanista e finalista do Heisman Trophy em 1998, ateou fogo no jogo ao substituir Bledsoe na pré-temporada contra o San Francisco 49ers.
Bledsoe não vinha jogando bem e, embora tivesse conduzido a franquia ao vice-campeonato do Super Bowl em 1996, já não desfrutava do mesmo prestígio de antes. Não ajudou o fato de que a segunda metade de sua temporada anterior, em 1999, havia sido fraca. Controvérsia ou não, Bledsoe continuou como titular.
De maneira estranha, os Patriots mantiveram quatro quarterbacks para o elenco principal da temporada 2000. Hoje já soa como absurdo, quando os times praticamente só carregam dois. Naquela época, também o era. Mas o destino teria um motivo para que um calouro escolha número 199 do Draft não fosse cortado.
New England começa a temporada com 4 derrotas seguidas. Depois de duas vitórias sofridas, mais quatro atropelos. Em novembro, Belichick voltou a Cleveland e foi recebido por vaias, placas dizendo que ele “ainda é horrível” e uma derrota dolorosa por 19 a 11. No Thanksgiving em Detroit, mais um massacre: 34 a 9. Com a partida decidida, o quarterback calouro do time foi a campo com sua camisa 12 e completou seu primeiro passe como profissional.
5-11 foi a campanha final num ano marcado por dores de crescimento e incerteza pairando no ar. De repente, os críticos pareciam certos. Bill Belichick era mão pesada demais. O elenco era bom, mas não havia química. “Estou exausto, mentalmente, fisicamente e psicológicamente”, disse Bledsoe após a derrota final. Naquele ano, ele foi sackado 45 vezes.
Com a cabeça na guilhotina, algo teria que ser feito. Então, em oposto com o que Parcells não podia fazer, Belichick foi às compras para escolher seus ingredientes. A classe de free agents do New England Patriots de 2001 é formidável e ajudou o time a se reerguer. Numa era onde parar o jogo terrestre e ter bons linebackers era medida de urgência, Bill Belichick contratou Mike Vrabel, hoje head coach no Tennesssee Titans, e Larry Izzo. Ainda, os recebedor David Patten e o wide receiver Antowain Smith chegaram para melhorar o ataque.
Pelo Draft, Richard Seymour chega com a missão de reforçar o pass rush e Matt Light é escolhido na segunda rodada para melhorar a proteção ao passe depois de um ano tomado por sacks. Reforços feitos, a mesma expectativa pairava em Foxboro: agora vai. Com uma talentosa classe de reforços e contando com boas peças defensivas já presentes no elenco, como Ty Law, Tedy Bruschi, Willie McGinest e Lawyer Milloy, os Patriots pareciam destinados a algo maior em 2001. Ninguém poderia imaginar que seriam capazes de tanto. Ainda mais ante tantas adversidades que a equipe teve de passar.
No dia 6 de agosto, o treinador de quarterbacks do time, Dick Rehbein faleceu na esteira em decorrência de miocardiopatia. Como vimos no início da temporada do Minnesota Vikings de 2018, a morte de um treinador costuma ser devastadora para os primeiros jogos da equipe. Exatamente isso foi o que seu viu com aquele time dos Patriots. Na primeira partida da temporada regular, foi o resultado fora de casa contra o Cincinnati Bengals.
Na terça-feira seguinte, terroristas sequestraram aviões e atacaram os marcos comerciais, militares e quase também os políticos dos Estados Unidos. Na manhã do dia 11 de setembro, aviões atravessaram as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Depois, o Pentágono, centro de controle militar dos EUA. O quarto avião foi tomado de volta por civis e caiu na Pensilvânia – especula-se que ele seria jogado na Casa Branca ou no Capitólio, o prédio do congresso americano.
A NFL foi a primeira liga a adiar seus jogos ante todo o horror e medo que tomou conta do país. Em vez de jogar no domingo, 16 de setembro, New England Patriots e New York Jets apenas se enfrentariam uma semana depois. Como um efeito borboleta inimaginável, a história dos dois times desde então nunca mais seria a mesma.
***
“Hey, Kyle”, disse o dono do time, Robert Kraft, referindo-se ao tight end da equipe
“Olá, Sr. Kraft, sou Tom Brady”, respondeu, corrigindo Kraft, que pensara que estava falando com Kyle Brady, o tight end.
“Ah, sim, o quarterback, eu vi você jogar, você está fazendo um bom trabalho”, justificou-se Kraft.
“Eu só queria dizer que eu sou uma das melhores escolhas que você já fez”, completou.
Um ano e meio depois dessa conversa, os Patriots estavam perdendo para os Jets e, num ato desesperado, o quarterback titular saiu do pocket para tentar algumas jardas. Drew Bledsoe tomou uma pancada de Mo Lewis, linebacker dos Jets, e foi ao chão. A pancada foi forte o suficiente para que qualquer um presente no Foxboro Stadium pudesse ouvir. Bledsoe colapsou e tinha hemorragia interna no peito, tendo que ir às pressas para o hospital.
Em ascensão desde que fora listado como quarto quarterback no elenco na temporada anterior, Tom Brady era o reserva imediato de Drew e entrou em campo. Naquele momento, com um cambaleante Bledsoe saindo de campo e Brady entrando, parecia que um ciclo se fechava para outro se abrir. O festejado herói sai com um aspecto abatido e, de certa forma, derrotado. Outrora quarterback da franquia, agora incerto jogador. Outrora primeira escolha geral do Draft, agora com a temporada em risco. Ao mesmo passo que Bledsoe saia de campo, Tom Brady entrava. Esquecido no recrutamento na faculdade, esquecido no Draft e num momento que seria lembrado pelo resto da história do futebol americano.
Não conseguiu fazer muita coisa: 5 passes completos de 10 tentados e apenas 46 jardas. Enquanto Bledsoe se recuperava, era o que tinha pra hoje. Primeiro, a morte do técnico de quarterbacks. Depois, o 11 de setembro. Agora, o quarterback titular, com quem o time acabara de renovar contrato, foi ao chão com hemorragia e perderia o resto da temporada. Após um ano de 5-11 com um treinador nada bem quisto pela imprensa, com um elenco que performava menos do que demonstrava quanto ao talento, o New England Patriots de 2001 caminhava rumo ao precipício.
Na semana seguinte, a primeira vez que Tom Brady enfrentaria o grande rival de sua carreira. Naquela época, o Indianapolis Colts jogava na AFC East – foi a última temporada com esse alinhamento. Brady vs Manning, Parte I, deu o tom do que seriam o balanço final da rivalidade – com vitória para o lado de Foxboro. Após vencer por 44-13, os Patriots conseguiram um respiro importante naquela temporada. Até que veio o inferno pessoal da Era Belichick.
Jogar em Miami, especialmente no início do ano da NFL, é um terror constante para Bill Belichick e Tom Brady. Não vou me aventurar nos acasos que lá acontecem – culminando com a jogada de rugby que causou a mais recente derrota em 2018. Já em 2001, ano de título, a pior derrota da temporada patriota lá aconteceu: 30-10. De repente, os Patriots tinham campanha de 1-3 com duas derrotas dentro da divisão.
É nesses momentos que a figura de Bill Belichick, como comandante de suas tropas, aparece com força. Ele cavou um buraco na grama do centro de treinamento e, com o time ao redor, pegou a última bola usada na derrota ante os Dolphins. Colocou a bola dentro do buraco e jogou terra por cima. Ele queria demonstrar algo. Que o passado estava enterrado e que, reforçados os consertos para os erros contra Miami, aquilo não importava mais.
Funcionou.
Na semana seguinte, os primeiros passos reais da dinastia patriota começavam a serem dados. Ela foi gestada com dores durante a temporada de 2000. Sofreu um duro golpe com a saída de Drew Bledsoe, quarterback que era listado constantemente entre os melhores da liga. Contra o San Diego Chargers, Tom Brady conduziu a primeira campanha, em sua carreira, de vitória em 4º período. New England se recuperou de um déficit de 10 pontos e nos últimos minutos Brady conduziu campanha para que Adam Vinatieri chutasse o field goal da vitória. Não seria a última vez que isso aconteceria em 2001.
“E Foxboro ama Tom Brady”
Gil Santos, narrador da rádio local de Boston nos jogos dos Patriots, na partida contra os Chargers
Os Colts seriam batidos na sequência e o New England Patriots tinha campanha de 3-3. Ainda numa situação complicada para ganhar a divisão, que parecia ser de New York Jets ou Miami Dolphins quando o ano começara. Com duas vitórias e uma derrota contra Denver, a temporada se aproximava de um confronto que daria consciência de caráter para a equipe dos Patriots.

O St. Louis Rams era amplo favorito para vencer a Conferência Nacional. Depois da ressaca do título de 1999, jogando como Wild Card em New Orleans e caindo no Wild Card, os Rams vieram com força máxima em 2001 e seu ataque se apresentava de forma ainda mais potente que dois anos depois. Tendo Marshall Faulk como força motriz na posição de running back, contando com um estelar elenco de recebedores e comandado por Kurt Warner, quarterback que fora MVP daquela temporada, os Patriots não pareciam páreo para St. Louis.
Não foram vitoriosos naquele jogo. A partida foi acirrada e a unidade defensiva de New England, melhor setor da equipe, conseguiu limitar os Rams a 24 pontos. Um fumble dos Patriots na linha de goal acabou custando o jogo. No vestiário, o sentimento não era de derrota: era de amadurecimento. Mesmo com os Patriots tendo campanha de 5-5, o técnico dos Rams, Mike Martz, profetizou que aquela equipe tinha calibre de Super Bowl. Ele não estaria errado. “Mesmo que tenhamos perdido esse jogo, a partida nos deu confiança”, disse Brady. “Esses são os campeões do Super Bowl? Bom, não são tão melhores que nós”, falou Vinatieri. Aquela seria a última derrota do New England Patriots naquele ano.
***
[dropcap size=big]C[/dropcap]om o amadurecimento, temos que fazer escolhas. A principal escolha de Bill Belichick na “primeira metade” da dinastia de cinco títulos seria feita antes da Semana 11. A lesão de Drew Bledsoe não era tão grave quanto se esperava. Os médicos do time entraram no escritório de Belichick e lhe deram a notícia. A decisão, contudo, cabia a ele. Quem seria seu Darth Vader em campo? O enforcer de suas ideias e pulso firme? O veterano que parecia em queda de desempenho ou a escolha de sexta rodada? Charlie Weis, coordenador ofensivo da equipe, tinha uma opinião sobre. A exemplo do que aconteceu com o Green Bay Packers entre 2016 e 2018, o talento do quarterback maquiava os problemas do time e “os jogadores ficariam de mãos nas cintura esperando Bledsoe tirar um coelho da cartola e salvar o dia”.
Com Brady, o time jogou exatamente como… Um time de futebol americano. Belichick tomou a decisão e foi à coletiva de imprensa que provocaria controvérsia instantânea em Boston. O contrato de 10 anos contra o segudanista de sexta rodada. Número 11 contra o número 12.
Belichick anunciou a decisão para os jogadores antes de falar para a imprensa. “Hey, Tom é nosso quarterback pelo resto da temporada, a decisão é final”. Aos repórteres, Belichick justificou a decisão. “É o que o Sr. Kraft [dono do time] me paga para fazer, eu vou tomar as decisões que achar que são melhores para o time de futebol americano. T-I-M-E, como um time”. Bledsoe acusou o golpe e não gostou da decisão. Naquela mesma semana, no vestiário dos Patriots, os repórteres lhe cercaram após um dos treinamentos. A frustração e os olhos pesados estavam estampados na cara de Bledose, que virava os olhos como se procurasse dentro de si para responder cada pergunta.
– Você está magoado, frustrado… Como se sente? – Perguntou um repórter. Bledsoe respirou fundo antes de responder.
– Próxima pergunta – respondeu desviando o olhar do repórter, como se nas entrelinhas revelasse a resposta.
– Você esperava que isso acontecesse, Drew? – perguntou outro repórter. Bledsoe pausou antes de responder, como se tentasse revisitar memórias recentes, procurando pelo momento quando percebeu que a titularidade estava em xeque. Talvez a pré-temporada do ano anterior, com os primeiros jogos sob o comando de Belichick. Talvez o início da temporada regular de 2001, pior do que deveria. Talvez as boas atuações de Brady. Não encontrou resposta que lhe satisfizesse.
– Bom, vamos colocar desta forma, eu estou ansioso pela chance de competir pelo meu emprego… É o que eu vou dizer – falou e mordeu os lábios, como se tentasse sentir o gosto amargo de forma a motivá-lo pelo restante da temporada.
Brady foi eleito o titular do New England Patriots e, salvo por suspensão ou lesão, não deixaria de sê-lo pelas duas décadas seguintes. Sete semanas depois, com campanha 11-5 e o título inesperado da divisão leste da Conferência Americana (AFC East), os Patriots enfrentariam o Oakland Raiders debaixo de neve. Tal como outrora naquela temporada, contra os Rams, seria ataque contra defesa. Jon Gruden contra Bill Belichick. Controvérsia nascendo.

Com a neve caindo forte, os dois ataque não puderam fazer muita coisa. No intervalo, os Raiders venciam pelo magro placar de 7 a 0 e os dois times sofriam para converter terceiras descidas. No segundo tempo, New England desistiu de investir no jogo terrestre com campo nevado e arriscou mais com Brady. Só no segundo tempo, ele teria 26 passes completos para 238 jardas. 3 pontos atrás na partida, mais uma campanha decisiva teria de ser comandada por ele. Foi. Mas com controvérsia de arbitragem que até hoje causa calafrios nos torcedores de Oakland.
Aquele era o último jogo no Foxboro Stadium, que seria substituído pelo Gillette Stadium na temporada seguinte. Sem saber como ou por quê, os torcedores que lá estiveram naquele jogo viram o ano dos Patriots morrer e renascer minutos depois com uma reversão de marcação de arbitragem.
Tom Brady recuou para passar a bola e Charles Woodson, ex-colega de universidade em Michigan, veio para uma inusitada blitz por parte de um defensive back. Brady perde a bola no momento em que Woodson faz contato e começa a tackleá-lo, mas o quarterback dos Patriots fazia movimento de como se fosse passar a bola. Com isso, a regra da época foi aplicada e o árbitro principal reverteu o fumble, com a marcação colocada como passe incompleto. New England teria mais uma chance. “É a pior marcação de arbitragem da história de todos os esportes”, disse Charles Woodson no aniversário de 15 anos da jogada. O Foxboro Stadium teria mais uma campanha patriota. Tal como The Catch para a dinastia do San Francisco 49ers dos anos 1980 e a Recepção Imaculada para a do Pittsburgh Steelers dos anos 1970, aquele momento marcaria o início definitivo da Dinastia do New England Patriots. Dali em diante, tudo deu certo.
Mas não sem antes um pouco de suspense. Com 27 segundos, a campanha empacou. Adam Vinatieri teria de dar um chute de 45 jardas sob neve e com o campo cheio dela. De maneira dramática, o chute não viaja com muita altitude – mas com distância suficiente para ser válido. A partida iria para a prorrogação.
O momento era todo dos Patriots e até o resultado do cara-ou-coroa mostrou isso. New England vence-o e escolhe receber a bola. Com uma campanha que teve até conversão de quarta descida, Tom Brady conduz o time até a linha de 22 jardas de Oakland. Mais um chute de Vinatieri e a primeira liderança de New England no jogo. Aquela seria a determinante para a vitória e o passaporte para a final da Conferência Americana, em Pittsburgh.
O conto de fadas continuou na Pensilvânia. Mais uma vez, os Patriots foram desprezados pela imprensa e pelos adversários. Hoje soa como algo completamente insano que isso aconteça, mas era a realidade de 2001. A franquia nunca conquistou nada e era mera figurante na NFL, com alguns times que fizeram alguma gracinha no final dos anos 1990 e tão somente isso. Aquela equipe, porém, era diferente.
Os jogadores dos Steelers levaram as malas para o estádio. Já estavam preparados para sair do Heinz Field direto para New Orleans, onde aconteceria o Super Bowl XXXVI. Os atletas de New England viram as malas de vários jogadores de familiares. Era a motivação que lhes faltava. “Você não faz isso aos Patriots”, disse Lawyer Milloy anos depois ao recordar-se da história.
A partida poderia ser trivial anos depois, mas o a história de filme daquela temporada não poderia ser assim. O New England Patriots de 2001 era um time destinado para fazer o que fez. O titular, agora reserva, voltaria a aparecer. Voltaria para um último ato com a franquia que lhe draftou no início da década anterior.
Depois de passar a bola, Tom Brady foi atingido e foi ao chão, sentindo a perna. “Foi a terceira vez naquele jogo que aquele tornozelo foi atingido”. Brady saiu. Bledsoe entrou. A mesma forma pela qual a temporada de Cinderella começara. Só que ao contrário.
Drew Bledsoe conseguiu um touchdown importante no jogo, seu primeiro na temporada – no intervalo, os Patriots lideravam por 14 a 3. Enquanto isso, Tom Brady passava por exames. “Eu aprendi muito vendo-o jogar naquele jogo”, disse Brady após a partida. Milloy teria uma interceptação na campanha derradeira que selaria o New England Patriots como campeão da Conferência Americana, em vitória por 24 a 17. “Ao ver todos comemorando no vesitário eu não me sentia parte daquilo, aquilo me motivou muito”, falou Brady ao documentário America’s Game.
Embora a motivação estivesse ali, a certeza de poder exercê-la e jogar no Super Bowl XXXVI contra o St. Louis Rams… Não estava. A imprensa de Boston voltou a acender a controvérsia – afinal, Brady poderia ter voltado para o jogo no segundo tempo da Final da Conferência Americana e Belichick manteve Bledsoe contra os Steelers. No jogo mais importante da franquia em mais de 5 anos, quem seria o titular? A mão segura, com Bledose, ou a mão quente, com Brady? Naturalmente, todos em Boston tinham uma opinião. Belichick desviava das perguntas e dizia que se o tornozelo de Brady estivesse bem, ele jogaria. Ficou. Belichick novamente optou por seu pupilo em vez do quarterback que herdou. “Eu seria o quarterback naquele dia mas eu jogaria por ele, juntos”, falou Tom.
O mesmo espírito permeou o New England Patriots na entrada do campo. Em vez da tradicional entrada com as estrelas sendo anunciadas individualmente, o time optou por ser anunciado da mesma forma que Belichick justificara a decisão de escalar Tom Brady titular: como um time. Entraram todos juntos. Ricky Proehl, wide receiver dos Rams, foi flagrado dizendo antes daquela partida que, naquela noite “uma dinastia nasceria”. Ele só errou qual era.
Os Patriots saltaram para 14-3 na liderança, o que permitiu um plano de jogo ainda mais agressivo. Ao assistir à fita da partida de temporada regular, Bill Belichick percebeu que a ignição do ataque potente do St. Louis Rams residia em Marshall Faulk ter participação forte no jogo. Para ilustrar, é o mesmo caso dos Rams atuais com Todd Gurley. Assim, Belichick montou um plano de jogo de maneira a punir Faulk pelo campo a todo momento. Foi feito dessa forma e, com os Patriots 11 pontos a frente, os Rams tiveram que passar mais a bola – isolando, assim, a ignição do jogo terrestre com Faulk. St. Louis, de toda forma, reagiu e empatou o jogo no último quarto.
Tom Brady teria a bola com 1:21 para o final da partida. Nunca um Super Bowl tinha ido para a prorrogação. Com uma defesa em estado de graça, John Madden disse na transmissão americana que o correto seria correr com a bola e ir para o tempo extra. Belichick discordou. Era mais uma das decisões fora da caixa do técnico dos Patriots. Primeiro ele mandou medalhões embora. Depois, colocou uma escolha de sexta rodada como titular em vez do cara que acabara de assinar um contrato de 10 anos – numa época na qual havia a ideia na NFL de que você não perdia seu emprego por se machucar. Por fim, resolveu colocar nas mãos de Tom Brady o destino final da temporada.
Não era uma decisão fácil e poderia ser um gigantesco tiro no pé. Afinal, Brady teve um número elevado de interceptações e, para todos os efeitos, era um segundanista com pinta de calouro. Antes da campanha, Belichick chegou no ouvido de Brady e determinou: toma conta da bola. Ao sair da lateral, Brady olhou para seu reserva, Bledsoe, que apenas disse: manda ver.
Ele mandou. Passe após passe, a campanha foi avançando no campo. Um deles evitou um sack no início da campanha que, caso tivesse acontecido, decretaria o fim dela e, por tabela, a prorrogação. Depois dessa sequência de passes, os Patriots em alcance de field goal e menos de 10 segundos no cronômetro. Brady faz o spike, Vinatieri chuta, Patriots campeões.
***
Por tradição, o jogador mais valioso do Super Bowl é o garoto-propaganda do Walt Disney World. O comercial é veiculado depois da partida e começa com melhores momentos do MVP ao som de “When You Wish Upon a Star”, uma das lendárias músicas de Pinóquio que pode ser traduzida da seguinte forma para o português:
Quando você faz um desejo a uma estrela
Não faz diferença quem você é
Qualquer coisa que seu coração deseja, virá até você.
Naquele ano, a improvável história de Tom Brady, o grande conto de fadas da temporada 2001, se materializaria por meio de trabalho duro e uma pitada de sorte e destino. Depois do último verso, a câmera mostra Brady, que diz a frase clássica que todo MVP fala nesses comerciais ao ser perguntado o que faria após vencer o Super Bowl. “Eu vou para a Disney!”. Antes, teria que pedir autorização para Bill Belichick para que este permitisse que ele fosse para Orlando em vez de voltar para Boston com o time. A resposta de Belichick foi “Claro que pode, pelo amor de Deus, quantas vezes você acha que ganha o Super Bowl?”.
Eles ganhariam mais quatro juntos. Ali, começou a dinastia.
O texto acima é o primeiro capítulo que escrevi da ideia de livro que planejo redigir até o final da próxima temporada da NFL, com a história de todos os mais de 50 campeões do Super Bowl. Gostou? Manda um feedback para mim no twitter em @CurtiAntony.
Para a pesquisa, foram usadas várias fontes – de artigos na internet a livros de história da NFL e o documentário America’s Game, da NFL Films. A bibliografia completa constará ao final do livro.
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