4 Descidas: O legado de Rams vs Chiefs – o MELHOR jogo da história da temporada regular

Quatro Descidas é a coluna semanal de Antony Curti sobre a NFL, publicada todas as segundas. São quatro assuntos e não mais que 3000 palavras (ou quase… Às vezes vai passar). Para ler o índice completo da coluna, clique aqui.

Excepcionalmente nesta semana, a coluna também está em formato de podcast. Abaixo para ouvir e, caso queira, clique aqui para baixar

1st and 10: Melhor jogo da história da temporada regular?

[dropcap size=big]H[/dropcap]á muitos jogos históricos em temporada regular. Muitos excelentes. Com a evolução ofensiva da liga, cada vez mais. De toda forma, vivemos numa época de superlativos. A cada semana você vê textos ou discussões comparando LeBron James a Michael Jordan. A geração nascida após 1995, que não viu Jordan jogando ao vivo – ou se viu, tinha no máximo 8 anos – vira e mexe levanta pontos sobre LeBron contra o camisa 23 “original”.

Superlativos vendem. Listas, idem. O BuzzFeed virou um site gigante por conta disso. Reluto, mas um dia sei que terei que me render a isso em uma coluna. Seja como for, o brilhante Bill Barnwell, da ESPN americana, já fez uma lista nesta semana com os melhores jogos da história da temporada regular. Adivinhe? Rams e Chiefs de 2018 em primeiro lugar.

Como Barnwell bem apontou, a partida de ontem reuniu tudo o que precisava para ser épica. Alto número de pontos – a primeira da história da liga com pelo menos duas equipes fazendo 50 pontos – os dois times certos nos playoffs, mudança de liderança no último quarto, margem de vitória inferior a sete pontos e etc.

Foram quatro mudanças de liderança no último quarto. 4!!!! Quando você se recorda de uma partida assim, que no 2 Minute Warning parecia não estar decidida em nenhuma hipótese? Da forma que foi ontem, eu não me recordo. Os números foram absurdos. Pat Mahomes, quarterback do Kansas City Chiefs, teve 478 jardas e seis touchdowns. Jared Goff, quarterback do Los Angeles Rams, teve 413 jardas e quatro touchdowns totais. Foram 14 combinados – mais do que os Bills têm o ano todo.

Ainda, vale lembrar: a partida teve mais audiência nos Estados Unidos do que as finais da NBA, World Series (finais da MLB) e Stanley Cup (finais da NHL) deste ano. O Monday Night Football é TV fechada. As finais são em TV aberta. É realmente impressionante.

Não vou fazer um recap do jogo, porque é um tiroteio e touchdown para todo lado. Vamos além do óbvio, porque provavelmente você viu o jogo.

2nd and 8: O Estado das Coisas

A partida de ontem nada mais foi do que o sintoma final do que a NFL quer. Caso você tenha redes sociais, muito provavelmente em algum momento da temporada passada recebeu notícias como “Trump zoa NFL por queda de audiência”. Ou “Protestos de ex-jogador gera boicote de público e audiência cai na NFL”.

De fato, a audiência no ano passado foi menor nos Estados Unidos. Numa ressaca pós-aposentadoria de Peyton Manning e com Aaron Rodgers machucado, foi complicado mesmo. Não só Aaron. Ryan Tannehill, Sam Bradford, Carson Palmer, Carson Wentz, Deshaun Watson e Andrew Luck: todos perderam jogos na temporada passada. Como consequência óbvia, a audiência foi menor.



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Edição anterior desta coluna:  4 Descidas: Mike McCarthy é o freio de mão na vida de Aaron Rodgers

A verdade é que a televisão como um todo está perdendo audiência. Não só a NFL. Há um fenômeno, chamado de “cord cutters” (cortadores de tv a cabo, em tradução livre), que toma conta do mundo todo. Cancelar a TV e ficar na Internet. Netflix e Amazon Prime estão bombando. Fato é que a NFL teve perda de audiência e, mesmo assim, caiu menos do que o resto do entretenimento da TV americana.

O que a NFL poderia fazer para solucionar isso? Simples. Proteger os quarterbacks com faltas marcadas contra a defesa – a roughing the passer de “cair com o peso sobre o quarterback”. Manter os titulares em campo. Evitar que tenhamos que ver C.J. Beathard em vez de Jimmy Garoppolo. Já falei sobre no vídeo abaixo.

Enfim, permanece assim, como vimos neste lance em Jaguars e Steelers. A conta é simples: se você protege os titulares, temos maior nível técnico. Tendo maior nível técnico, a chance de haver mais pontos é maior. Tendo mais pontos, o público – que ama ataques e jogos com o placar estourado – é mais atraído. Neste ano, temos a maior média de pontos da história da NFL Atual (1970, com fusão AFL-NFL, até hoje). 48,4 pontos combinados por jogo. Rams (35,4), Chiefs (36,7) e Saints (37,8) estariam entre os 10 melhores ataques da história da liga em pontos por jogo.

É simplesmente inacreditável o ponto que chegamos. As defesas vão contra-atacar? Bom, neste artigo da ESPN americana o assunto foi discutido. A conclusão é que não, do jeito que o bonde está, não tem como neutralizar.

Meu ponto é o seguinte, conforme escrevo bastante em meu livro. A única coisa que uma defesa não consegue defender é o passe perfeito. Read option, wildcat, todos os gimmicks possíveis encontraram resistência dos coordenadores defensivos. Mas, como Drew Brees bem mostrou inúmeras vezes no domingo contra os Eagles, é praticamente impossível defender uma bola bem colocada e com antecipação. Não tem como.

Aliás, tem. A única saída é cortar o mal pela raiz. Como? O Super Bowl 50 e o Super Bowl XLII são os dois grandes exemplos. MVPs das respectivas temporadas, Cam Newton e Tom Brady apanharam até não poder mais naqueles jogos. Se o quarterback é punido, o timing é prejudicado. Logo, menos passes completos, interceptações e todo o resto.

A fórmula é sabida – o Chicago Bears bem sabe dela e foi atrás de Khalil Mack a peso de ouro para combater Aaron Rodgers. Na primeira rodada do Draft de 2006, o Houston Texans fez a mesma coisa para combater Peyton Manning. Mesmo tendo Vince Young/Matt Leinart à disposição, escolheram Mario Williams para disruptar o ataque dos Colts. O problema? É cada vez mais difícil cortar esse mal pela raiz.

Movimentações antes do snap, rotas que atravessam o campo por trás da linha, rotas criativas, duelos desfavoráveis às defesas – como Rob Gronkowski contra um cornerback baixo. O release “mais rápido do oeste” com Drew Brees lendo a defesa em segundos. Tudo vem sendo maximizado pelos Vingadores Ofensivos. Kyle Shanahan, Sean McVay, Andy Reid, Matt Nagy, Sean Payton, Josh McDaniels e muitos outros estão usando esses recursos que maximizam a produção ofensiva.

3rd and 6: A coluna em vídeo

Falei sobre tudo isso que já disse acima em meu último vídeo lá no Youtube. Se você estiver com preguiça de ler um texto mais longo ou preferir consumir meu conteúdo por vídeo, fica a dica hehe.

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4th and 5: O Legado de tudo isso

A partida de ontem foi como num filme da Disney, quando o protagonista sai cantando e amadurece, tipo o Simba em Rei Leão ou a Elsa em Let it Go. Só que o equivalente para o “estado das coisas” nos ataques da NFL.

TUDO culminou para o que você viu ontem. Foi uma longa evolução que aconteceu pouco a pouco. O College Football não é categoria de base da NFL, mas ele serve a esta como tal.  Os quarterbacks estão jogando em spread no college porque é o sistema que tem melhor “custo benefício” na montagem dos elencos: não “custa” tanto para montar (em especial, linha ofensiva) e resulta em muitos pontos.

Assim, natural que as tendências desenvolvidas nele, após quatro anos de college, sejam incorporadas pelos jogadores de maneira como uma tatuagem se incorpora permanentemente à pele. Isto é: a menos que você seja a Kelly Key e faça uma tatuagem do Latino, aí vai ter que tirar a laser depois.

Bom, voltando.

A spread offense nasceu da necessidade. São mais de 100 universidades na primeira divisão do college. Não há Draft como na NFL – todas elas competem pelos mesmos jogadores do Ensino Médio. Assim, precisam “dar um jeito” caso não tenham bala na agulha para atrair os melhores jogadores colegiais.

No início da década passada, os treinadores de college “descobriram” que se você espalhar recebedores pelo campo, pode dar dificuldades às defesas. Se você fizer isso, pode suplementar o fato de que seu quarterback não passa bem em profundidade ou que sua linha ofensiva não tem os melhores talentos. A spread se espalhou pelo college football e teve nos times de Florida/Urban Meyer/Tim Tebow seus grandes expoentes.

Dali, a coisa começou a evoluir até chegar naturalmente na NFL.

O New England Patriots de 2007, com temporada regular invicta e com Tom Brady passando para 50 touchdowns, foi o primeiro time da história da NFL a usar mais formação shotgun (a que o quarterback está longe do center e, portanto, mais longe da linha defensiva) do que under center (com o quarterback colado no center). 10 anos depois, praticamente todos os times usam mais shotgun. 28 dos 32 times, para ser mais específico. Há equipes, como o… Kansas City Chiefs, que usam shotgun em 79% dos snaps ofensivos. Sem deixar de correr. 68% das corridas dos Chiefs saem de shotgun.

O legado principal é que os técnicos não poderão mais ser preguiçosos. Ontem foi a grande vitrine do que dá certo – a exemplo do primeiro grande espetáculo da spread offense no college, como bem lembrado neste texto do The Ringer, Northwestern vs Michigan em 2000.  Mike McCarthy, extensamente criticado por mim na coluna da semana passada, não tem como se apoiar no talento de Aaron Rodgers – tão empacado por sua falta de criatividade ofensiva, com aquele amontoado de rotas slant.

O segundo legado é que as defesas, como sempre fazem, terão que se adaptar. Não é de hoje que não existe mais 4-3 e 3-4: mais de 60% dos snaps são realizados em formação nickel, com cinco jogadores de secundária (em vez de quatro) para defender o passe. O Deivis Chiodini, ex-técnico multicampeão no Futebol Americano brasileiro e nosso setorista tático, fez um texto sobre o assunto. Vale a pena a leitura. 

Quando digo que as defesas terão que se adaptar, é meio que o que já vemos com o Atlanta Falcons e o Dallas Cowboys. Deion Jones e Leighton Vander Esch são os protótipos de linebackers da NFL atual. Luke Kuechly é o pioneiro. “Até porque os linebackers hoje precisam corresponder às ameaças no jogo aéreo que são Kamara, Gordon, Hunt, Gurley e amigos”, falou-me o querido Eduardo Miceli.

Se o linebacker não tiver capacidade de defender o passe e não tiver  atleticismo, não terá espaço na liga. “É um caminho sem volta, de como se usa no huddle por conta do spread, que ao contrario do que se pensa é um esquema simplificado”, disse-me Deivis no Whats. “A velocidade se torna fundamental em todas as fases do campo”, completou.

Eu disse que mais de 60% dos snaps defensivos são em nickel né? Isso acontece porque a defesa opera de maneira a ser um espelho do ataque. Afinal, seu objetivo é neutralizar a unidade ofensiva – para tanto, precisa espelhar a mesma.

O Los Angeles Rams, segundo o Sharp Football, teve sete jogadas neste ano que não tiveram 1 running back, 1 tight end e 3 wide receivers. SETE. APENAS SETE. “Entrega a bola na mão dos seus melhores jogadores para que eles façam a mágica, não importa como. Você não precisa correr em 50% das vezes se tiver três grandes wide receivers”, falou-me Deivis. Adivinha quem tem três grandes wide receivers? Rams e Chiefs. Esse é o terceiro legado.



O quarto legado é o Draft de 2019. O topo dele será todo recheado de peças… Defensivas, capazes de distuptar ataques. Só assim eles podem ser parados, afinal – como já disse acima e como Aaron Donald mostrou ontem. Nick Bosa (Ohio State), Ed Oliver (Houston) e a linha defensiva inteira de Clemson são os elementos capazes de fazer isso e que terão valor mais alto daqui para frente. Jogadores como Donald, capazes de quebrar o pocket pelo meio da linha (e raros) terão valor ainda maior. Um bom exemplo é Quinnen Williams, de Alabama.

É um caminho sem volta. Do mesmo exemplo que os passes rápidos de Dan Marino mostraram ao mundo como anular a defesa do Chicago Bears de 1985, o jogo de ontem é a grande vitrine da NFL atual. As defesas naturalmente vão se adaptar e você não vai ver a farra ofensiva de ontem em todas as partidas.

Mas os ataques? Daqui 10 anos me cobre. Eles serão moldados de acordo com o Kansas City Chiefs e o Los Angeles Rams de 2018.

OBS: Sei que este texto está profundamente carregado de noções táticas que vão além de tackles e hail maries maravilhosas. Para melhor “digestão”, sugiro a leitura de vários artigos que já publicamos aqui, na coluna Blackboard. Ainda, todos os conceitos necessários para o bom entendimento tático da NFL estão em meu livro, o Manual do Futebol Americano. Você pode comprá-lo clicando aqui.


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