A novela Avenida Green Bay – que teve tons de horário nobre e muito mais soou como capítulos de Malhação – finalmente chegou ao fim na manhã desta terça-feira. Vindo da Califórnia, Aaron Rodgers colocou seu óculos Blade Runner, uma sandália havaiana para lembrar de seus momentos com a noiva no Havaí e uma belíssima camiseta de The Office – por fim, ele apareceu no Wisconsin. Rodgers e os demais veteranos apresentaram-se hoje em Green Bay para exames físicos. O training camp abre amanhã.
Falando desse jeito, parece mais um dia normal ao final de julho. Não foi assim. Os Packers tiveram que fazer concessões para que Rodgers voltasse – na prática, o time que sempre dissemos ser sociedade anônima e que não tinha dono, o tem de fato em seu quarterback. A concessão principal, de acordo com Ian Rapoport e Adam Schefter, é que ao final da temporada temos o poder na mão de Rodgers: ele decide se volta para Green Bay em 2022. Caso queira, poderá sair – efetivamente, a opção “do jogador” nos contratos (como costumeiramente temos na NBA).
Não culpe Schefter, é óbvio que havia problema
O fato de Aaron Rodgers no final das contas ter aparecido fez com que muitos apontassem o dedo para a imprensa e falassem: falta de pauta dá nisso, vocês inventaram tudo. O grande bode-expiatório, culpado ao máximo em vez de simplesmente o torcedor ter sido analisado o contexto de tudo, foi Adam Schefter. Insider da ESPN americana, Schefter revelou às vésperas do Draft que Rodgers estava profundamente insatisfeito com a cultura de Green Bay – montagem de elenco e outras decisões. A presença de Rodgers no training camp foi colocada em xeque e ele mesmo não mostrou a menor vontade de dissipar esses rumores. Ao ser perguntado se seria quarterback dos Packers na Semana 1, respondeu com um “vamos ver”.
Insinuações pra cá e para lá, Rodgers não garantia a presença e deu indiretas à rodo. Camiseta escrito “Estou ofendido”, um silêncio sepulcral em meio ao caos na imprensa – e o silêncio também diz muito – e não aparecer nos minicamps obrigatórios: é óbvio que alguma coisa estava estranha. Até porque, se contrário fosse, o contrato não seria alterado com as citadas concessões acima.
Diretoria Jim Carrey
Não há outro modo de definir isso tudo. É amplamente sabido que quando você escolhe um quarterback na primeira rodada do Draft, o faz porque vê nele o futuro da franquia. Ao contrário de anos atrás, um futuro de curto prazo também: o fato de contratos de calouros serem menores do que o de veteranos vê na posição de quarterback a maior diferença entre os gazilhões de um veterano e o de um calouro. Com o dinheiro que “sobra”, você investe no resto do elenco. Acertando no quarterback você tem uma fórmula incrível para ter um elenco formidável. Deu errado depois, mas a força dos Eagles de 2017 vinha disso, por exemplo. Os 49ers seguem na ideia com Trey Lance.
Green Bay, porém, cometeu a loucura de pegar um quarterback que não era nem de perto o melhor prospecto em seu Draft e que tampouco estaria pronto para jogar na primeira semana – Jordan Love ficou inativo por várias partidas da temporada passada. Ao mesmo tempo, não vamos nem usar o argumento de que Rodgers é o atual MVP. O simples fato de que Love foi draftado com um quarterback futuramente hall of famer de 36 anos no elenco já é incrivelmente bizarro.
O fato é que, como Deivis brilhantemente listou no texto do início da semana, a diretoria de Green Bay opera como as equipes econômicas do Brasil ao final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Não há plano. Brian Gutekunst opera de acordo com o que vê no seu horóscopo, toma atitudes reativas tapando buracos com peneiras e tomando decisões que anulam decisões anteriores.
Drafta Jordan Love na primeira rodada… E oferece vínculo que faria Rodgers ficar em Green Bay por mais cinco temporadas
Drafta A.J. Dillon na segunda rodada… E paga contratão a Aaron Jones
Paga contrato alto a um running back… E não quer fazer de Davante Adams o wide receiver o mais bem pago da liga
Renova com Kevin King (?!!!)… E escolhe um cornerback na primeira rodada.
Percebe que não há consistência? Fica difícil defender. Como resultado, a diretoria dos Packers ficou refém de si mesma. Num primeiro momento, já digo: se você vai draftar um quarterback na primeira rodada, siga esse plano e se o titular causar, troque-o. Parece absurdo, talvez. Mas vale lembrar que o próprio Green Bay Packers já fez isso quando Brett Favre aposentou só que não em 2008 – e aí o time seguiu com o plano e foi com Aaron Rodgers, que não levaria o time aos playoffs naquela temporada mas no geral o time seguiu o planejado mesmo com Favre sendo um ídolo.
Em algum momento os Packers precisam decidir o que querem da vida. Ou então acabam permitindo que outros decidam no seu lugar. Depois de toda a situação que o torcedor foi obrigado a passar, é exatamente o que aconteceu. Quem decide o futuro do time para 2022 é Aaron Rodgers – e tudo indica, ao menos hoje, que ele não volta. Até por conta das referências a Last Dance que ele e Davante Adams fez.
A pior coisa que pode existir é uma diretoria sem planejamento e que age de maneira reativa, ficando refém dos jogadores. Brian Gutekunst mostrou-se um general manager fraco. A verdade é essa.
Para saber mais:
5 lições de Rodgers voltando a Green Bay: Não era sobre dinheiro, era sobre poder
5 Vencedores e 3 Perdedores com Aaron Rodgers voltando aos Packers
Curti: Last Dance – por que acho que Rodgers aparece em Green Bay






