All 22: A análise tática do último passe completo de Peyton Manning

Peyton Manning não passou para nenhum touchdown no Super Bowl 50. Estatisticamente falando, foi um dos piores Super Bowls já jogador por um quarterback que saiu com o ti… Blah, de nada importa isso tudo. A última vez que um passe de Peyton foi completo numa partida de futebol americano profissional, foi em um momento que importou: ou seja, com ela sendo recepcionada dentro da end zone. Não foi um touchdown propriamente dito, mas um “mini-touchdown”: a conversão de dois pontos que acabou garantindo com que o Denver Broncos saísse com a vitória no Super Bowl.

É curioso notar como a última vez que Peyton Manning tenha sido um momento importante. Mas, mais do que isso: um passe bem sucedido que fora fruto de extrema análise da defesa adversária. Nesta edição especial de All 22 aqui em The Concussion Pro Football, vamos destrinchar tudo o que importa, taticamente falando, na jogada em questão.

VEJA AQUI O ÍNDICE COMPLETO DA COBERTURA DA APOSENTADORIA DE PEYTON MANNING

Algumas notas antes:

a) Sabemos que o texto está um pouco “carregado” de termos técnicos, mas não teria como ser de outra forma. Pedimos desculpas se não fomos didáticos o suficiente. De toda sorte, já adianto que em meu “Manual do Futebol Americano” haverá a explicação detalhada de todos os termos aqui apresentados.

b) Também pedimos desculpas pelo fato deste artigo ser de leitura muito mais fácil no computador, com tela maior, do que nos celulares. Sabemos que praticamente 50% do tráfego do Pro Football vem de celulares, mas fica a dica: ligue o computador e dê uma olhada em resolução alta, Peyton nos deu uma aula de futebol americano. Agora sim, vamos ao último passe completo da carreira de Peyton Manning.

Leitura antes da jogada (pré-snap)

A leitura feita pelo quarterback antes da jogada é das mais importantes. A princípio, a primeira coisa que o signal caller tem que fazer é diagnosticar onde está o safety – ou, caso não seja tão nítido, como é o caso da jogada abaixo, onde está o jogador mais provavelmente marcando em zona/profundidade no meio do campo (se houver). Depois, eventualmente tenta-se ler qual marcação está sendo empreendida pela defesa adversária: homem-a-homem ou zona (ou um híbrido dos dois).

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Situação de jogo: o Denver Broncos, após touchdown corrido de C.J Anderson, vence por 22 a 10 com 3:08 faltando no último quarto de jogo. Assim, a equipe deve optar pela conversão de dois pontos ao invés do chute de ponto extra. Caso convertida, os Broncos ficariam a um passo do título, dado que a vantagem seria de 14 pontos (dois touchdowns mais dois extra points) e os Panthers teriam pouco tempo para tirar essa diferença.

 

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O Denver Broncos vem em formação shotgun e pacote 01 – ou seja, nenhum running back e um tight end (Owen Daniels, grave seu nome, ele é importante na jogada). Carolina, por sua vez, vem em formação de linha de goal (goal line defense), com a linha de scrimmage lotada e os recebedores de Denver, pela distância do marcador, estariam marcados homem-a-homem.

 

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Agora fica divertido: esta provavelmente é a leitura que Peyton Manning fez na jogada. Como qualquer leitura, ela não é 100% perfeita (e quanto mais se analisa tendências e filme de jogada do adversário, melhor essa leitura será). Nela, podemos ver que os recebedores de Denver estão marcados individualmente, como dissemos acima. Nesta disposição defensiva de Carolina, há provavelmente dois jogadores marcando em zona: Luke Kuechly (#59) ou Kurt Coleman (#20), logo atrás dele. Na próxima imagem isso vai ficar mais claro. Além disso, a disposição da linha defensiva dos Panthers indica que vem pressão por parte dos Panthers por meio do lado cego de Peyton Manning (Weak Side, onde o tight end não está). Isso faria todo sentido: o left tackle titular dos Broncos seria Ryan Clady se ele não tivesse machucado antes da temporada. Em seu lugar estava Ryan Harris, o OT rankeado em 53º pelo ProFootballFocus.com.

 

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Aqui dá para ver melhor. No chão, dentro do círculo vermelho, temos Kony Ealy (#94), que estava jogando MUITO bem no Super Bowl. De pé temos Luke Kuechly (#59) e Kurt Coleman (#20). Veja, não dá para saber o que vai acontecer desse lado: só dá para saber que ele: a) Está congestionado e b) Pode vir blitz ou jogador recuando em zona para marcar. Como você contra-ataca isso? Coloca um pivô ali no meio para desviar o foco. Mesmo se Coleman/Kuechly tiverem a opção de ir para a blitz, a presença de Owen Daniels ali no meio fará com que eles possam se confundir e que a área verde fique ainda mais verde para o passe (situação mais plausível, dado que não havia running backs no campo)

 

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Uma das melhores ideias para combater uma marcação individual é criar a separação do recebedor por meio de rotas com ângulos altos (ou seja, 45º para cima) e cujo corte aconteça o mais rápido possível. Um bom exemplo, como o ocorrido, é a rota slant (a flecha laranja). Originalmente desenvolvida em San Francisco com a West Coast Offense de Bill Walsh na década de 1980, a slant é uma das armas mais eficazes para combater times façam blitzes: o passe sai rápido demais e geralmente o recebedor consegue a separação por meio da própria rota em si contra uma marcação homem-a-homem.

Segundos durante a jogada, nos quais Peyton tem que decidir

Realizado o snap, Peyton Manning processou vários dados. Claro: ele tem muito mais capacidade de fazê-lo do que eu, então pode ser que tenhamos deixado passar alguma coisa acima (até porque ele é jogador profissional e passou a semana estudando as tendências de Carolina). Agora, as coisas começam a ficar interessantes: não era uma blitz, embora parecesse (e até fosse lógico numa situação de defesa contra um quarterback não-móvel e sem running back – sem contar o fato de Ryan Harris ter sido um left tackle abaixo da média em 2015). Apenas quatro homens vão pressionar Peyton: o problema para os Panthers é que o pivô de Owen Daniels funciona.

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O responsável pela marcação de Bennie Fowler era Roman Harper, um safety. Aqui vem mais genialidade por parte de Peyton: geralmente os safeties tem dificuldades quando marcam individualmente na linha de scrimmage, em press coverage. Não tem como culpar os Panthers: Bene Benwilkere e Charles Tillman, dois dos principais cornerbacks do time, estavam machucados e não jogaram o Super Bowl. Assim, como em qualquer partida de xadrez, você explora as fraquezas do inimigo. Naquele momento, aquela era a de Carolina e Peyton fez justamente isso.

 

Fowler fica desmarcado por meio da slant e o pivõ de Daniels funciona, “travando” Kuechly e Coleman no meio do campo e tendo uma área (em verde) para que Peyton possa dar o passe (em preto). Veja como a angulação da rota é a principal responsável pela separação de Fowler em relação à Harper – isto, somado ao fato de que safeties naturalmente não são hábeis em marcar individualmente, fez com que houvesse um matchup essencial para que o passe fosse completo.

Uma jogada que durou pouco mais de 5 segundos pode ser analisada num texto que você demorou minutos para ler. E eu, algumas horas para escrever. Esta é a beleza do futebol americano. Mais do que um esporte de contato, ele é um esporte extremamente estratégico, no qual um avanço mínimo de duas jardas – como o acima – requer horas de estudo e experiência para os jogadores.

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