Crônica: A paciência é uma árvore amarga de frutos doces

Quando eu cheguei aqui, tinha o sonho de ter você em minhas mãos. Era sonho, porque o antecedente não era o dos melhores. No College, eu não consegui ser campeão por Tennessee. Por ironia, justamente quando me formei e vim para cá, eles foram campeões. Tá certo: talvez era para ser assim, ter que esperar e trabalhar duro para que a recompensa viesse.

Não era fácil a vida naqueles tempos. Zoam bastante meu irmão, mas no final das contas, o quarterback calouro com mais interceptações na primeira temporada ainda sou eu. Não é o recorde que tenho mais orgulho de ter. Em todos aqueles erros em 1998, aprendi a cada um que passava. O jogo foi ficando mais lento, conseguia ver melhor o que acontecia. O segundo passo era antecipar o que viria.

Não anteciparia, de toda forma, que demoraria tanto para que eu tivesse você nas mãos. O amadurecimento depois de 1998 veio: terminamos com 13-3 na temporada de 1999 após termos tido apenas três vitórias no ano anterior. Mas o calvário na pós-temporada começaria. Eliminações que muitos apontavam o dedo para mim, me rotulando como pipoqueiro ou algo do gênero. Não era o caso. Eu sempre me preparei o melhor que pude. Sempre tive a melhor ética profissional possível, porque sabia que meu destino era tentar transformar uma cidade apaixonada por automobilismo e basquete em uma cidade que pode ser feliz com o futebol americano.

As temporadas passaram e eu temia ter o mesmo futuro que meu pai teve 30 anos antes. Estrela no College, sem títulos na NFL. Em 2001, nosso ataque começou a evoluir. Mas caiu de rendimento no meio da temporada enquanto um certo Brady começava a brilhar na mesma divisão que nós. No ano seguinte, mudamos de divisão e de cenário. Talvez era o salto que faltava. De fato, ajudou: além de novos rivais, Tony Dungy chegou. Sem ele, talvez eu não pudesse estar te segurando nas mãos hoje.

Com uma mente defensiva comandando nosso time, como Tony era, as coisas melhoraram ainda mais. Fui MVP em 2003 e 2004. Mas no final das contas, esses prêmios individuais não contam tanto quanto um sorriso em cada um desta cidade. É algo que vale para mim, não para todos nós. E eu sempre estive interessado em trazer algo de bom para Indianapolis. Caímos, duas vezes, nos playoffs. 2005 nos reservou outra derrota e os Steelers avançaram para serem felizes em Detroit.

Confesso que estava começando a perder as esperanças de um dia poder sentir seu peso no meu braço.

Até porque a temporada de 2006 acabou de forma esquisita. Perdemos três dos últimos 5 jogos. No Wild Card Round, lancei três interceptações contra Kansas City, mas felizmente vencemos. No jogo seguinte, como um karma, a defesa ajudou e vencemos Baltimore – fora de casa, com a hostilidade da torcida para contra uma franquia que outrora era sua. Chegou a hora de exorcizar o último demônio até que eu pudesse sentir sua presença mais perto. E viramos contra os Patriots em casa. Ao menos por alguns instantes, a sina de ser comparado a Dan Marino, que todos sabem que era meu ídolo junto de meu pai quando eu cresci, parecia prestes a acabar.


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Acabou. Da forma difícil. Chovia em Miami e todos falavam que os Bears seriam os grandes beneficiados por isso, porque Chicago é uma cidade com clima complicado e nós jogávamos em um estádio coberto. Naquela semana, prevendo isso, me preparei. Como sempre fiz. Como faria pelo restante da minha carreira. Treinamos snaps com bolas molhadas durante os treinamentos. Ajudou. Não sofremos tanto assim. Vencemos. Eu finalmente pude te sentir pela primeira vez. Depois de todo trabalho, a paciência realmente se provou uma árvore amarga de frutos doces.

Hoje, visto esta camisa de novo. Depois daquele dia em Miami muita coisa aconteceu. Outras derrotas vieram, quatro cirurgias no pescoço também. Acabei tendo que deixar este estádio que, de certa forma, ajudei a construir. Mas, no final das contas, tudo valeu a pena, porque estamos aqui, eu e você. Diante de milhares de pessoas, é como se o universo todo fosse apagado: só importa que você foi e sempre será a materialização pelo meu amor a Indianapolis.

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O texto acima não é tradução de nada do que Peyton falou – é apenas uma imaginação do que ele poderia ter pensado ao segurar o Vince Lombardi Trophy que ajudou a conquistar em 2006.

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