Curti: A GENTE ZOA O TANK DOS DOLPHINS, MAS A VERDADE É QUE ACERTARAM

Mais capital de Draft significa mais dardos para jogar no alvo em um processo que está longe de ser ciência exata. Com mais dardos, maior chance de acerto. Nós brincamos bastante com esse tank, mas os Dolphins acertam em cheio. 

Estranho dizer isso. Acertaram em perder?

O Miami Dolphins chegou a liderar o Monday Night Football de ontem contra o Pittsburgh Steelers por 14 a 0. De repente, um mar de pontos dos Steelers e a derrota, inevitável, veio como o badalar do relógio ao passar da meia-noite. Miami não quer ganhar, isso fica claro. Houve movimentações que denunciavam isso com clareza. Nesta semana, as duas derradeiras.

Tudo começou na Era Adam Gase. Sob a justificativa de mudança de cultura, Gase se livrou de jogadores importantes do elenco, como o interior defensive lineman Ndamukong Suh. Jarvis Landry, que havia liderado a NFL em recepções, também foi trocado. Num primeiro momento, a ideia era livrar o vestiário do que Gase considerava ervas daninhas. O ônus? Por mais que fossem problemas de vestiário para o treinador, eram peças talentosas.

Como consequência, Adam Gase caiu e os Dolphins ficaram com jardim infértil. Alguns times pensariam: podemos recarregar as baterias e brigar pelo wild card da Conferência Americana – o qual, convenhamos, não é a missão mais difícil da história. Diretor de olheiros do college durante anos, o general manager Chris Grier sabe da importância do Draft como peça fundamental para construção de um legado permanente. Como evidenciado com o Chicago Bears/Mitchell Trubisky, Houston Texans/Deshaun Watson, Kansas City Chiefs/Pat Mahomes, um acerto ou um erro na posição de quarterback pode significar anos de tempestade ou de calmaria.

Os Dolphins querem Tua Tagovailoa, isso está claro há algum tempo. Então, montaram um plano de vez: vamos conseguir. Engana-se quem pensa que os jogadores querem tankar. Eles não querem, porque o futebol americano é um esporte físico e entrar mais leve numa jogada pode significar um joelho solto, uma perna de mau jeito e uma lesão. O tank é orquestrado pela diretoria, na medida em que não há talento em campo. Como consequência, as derrotas e a posição alta no Draft.

Jogador após jogador, os Dolphins foram trocando suas peças. Um dos poucos que ficou foi Xavien Howard, talentoso cornerback. Fora ele, um festival de trocas. Laremy Tunsil, Minkah Fitzpatrick. As trocas de Tunsil e Fitzpatrick poderiam ser criticadas. Afinal, são bons jogadores, certo? São. Mas aí que está: são jogadores cujo contrato de calouro não irão ser aproveitados por um Miami Dolphins competitivo. Então, como se fosse a bolsa de valores, os Dolphins fazem uma opção. Vendem agora esses contratos por contratos de calouros futuros – eles ao menos esperam que sejam tão talentosos quanto.

Não sobrou pedra sobre pedra. O objetivo? Garantir a primeira escolha geral do Draft com o pior elenco-pior campanha e, por tabela, Tagovailoa (ou qualquer outro quarterback que, por ventura, se destacasse mais do que ele – coisa que não aconteceu até aqui na temporada 2019 do College).

Mas não só. Além de deixar o time como terra arrasada e virtualmente garantir a pior campanha da NFL (a menos que o Cincinnati Bengals estrague essa ideia), Miami acumulou peças no processo. Peças futuras. Escolhas de Draft. Nesta semana isso ficou ainda mais claro. Quer ideia mais genial do que trocar um running back? Afinal, trata-se da posição mais fungível/trocável da liga. Kenyan Drake não vai fazer falta para esse time agora e no futuro, com mais quilômetros no odômetro, menos ainda. Dá-lhe escolha de Draft no processo. Depois, os Dolphins fizeram o Cleveland Special.

Da mesma forma que os Browns “compraram” uma escolha de Draft de segunda rodada para que os Texans se livrassem do contrato de Brock Osweiler – com o salário base sendo absorvido por Cleveland – o time da Flórida se aproveitou da necessidade de Los Angeles. Os Rams trocaram o cornerback Aqib Talib por uma escolha de quinta rodada e uma futura escolha de Draft de Miami que futuramente será revelada (mas que deve ser depois da quinta rodada). Hã? A conta não fecha, certo? Mas, como disse, o contrato de Talib é herdado pelos Dolphins e os Rams limpam a folha salarial. Na prática, os Dolphins compraram uma escolha de Draft e podem fazer isso porque têm espaço na folha salarial.

Miami tem 14 escolhas no Draft 2020. Poucas vezes isso aconteceu na história. Com a troca que fizeram no Draft de 2019, ainda têm a escolha dos Saints. Como efeito, são 5 escolhas nas duas primeiras rodadas (a sua, provavelmente a 1, a Pittsburgh-Minkah, a Houston-Tunsil, a 33 e a de New Orleans) e a primeira, também provavelmente, da terceira rodada. Assim, são seis escolhas nas 65 primeiras. Potencialmente, seis titulares – sendo um deles Tua Tagovailoa o futuro franchise quarterback do time.

Isso tudo faz sentido e fará ainda mais depois que houver nomes nessas escolhas. Bons nomes, o torcedor espera. Mais capital de Draft significa mais dardos para jogar no alvo em um processo que está longe de ser ciência exata. Com mais dardos, maior chance de acerto. Nós brincamos bastante com esse tank, mas os Dolphins acertam em cheio.

Primeiro porque sabem que não tinham um elenco competitivo o suficiente para brigar por algo – enquanto alguns outros times estão descobrindo isso só agora, como o Atlanta Falcons e o Denver Broncos. Segundo porque sabem que os esforços para destronar os Patriots seriam em vão nesta temporada. Terceiro porque virtualmente garantem o melhor quarterback do Draft – e quarterbacks assim reputados costumam dar bem mais certo do que os demais. E quarto porque foram honestos consigo mesmos. Isso, sem dúvidas, foi o diferencial.

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