Curti: Belichick continua apostando em atleticismo e Drafts ousados, qual a lógica?

Depois de um 2021 mais conservador, com um Draft que já mostrou resultados com os calouros, New England voltou à abordagem de fazer um Draft bastante heterodoxo. Qual o objetivo de Belichick e o por quê disso?

“Vocês têm que confiar em Bill Belichick”. “7 aneis, tem que respeitar”. Quaisquer críticas que sejam feitas aos últimos Drafts do New England Patriots esbarram no mito da Infalibilidade Papal da NFL. Decisões de Bill Belichick simplesmente não podem ser questionadas e por um motivo muito simples: ele é o melhor técnico da história da NFL.

Algo que, com todo respeito a Vince Lombardi, Bill Walsh, Paul Brown e Don Shula, eu concordo. Ele realmente é o maior da história. Maior e melhor. Isso, porém, não faz com que seja totalmente blindado quando toma decisões questionáveis. Até porque não é a primeira vez. O grande ponto na análise e potenciais críticas ao Draft dos Patriots é que novamente ele fez a cabeça de muitos ficar confusa. 

Belichick voltou a apostar em escolhas heterodoxas, com jogadores que demonstram potencial se (e somente se) muito bem lapidados. Adicionalmente, desceu na primeira rodada em vez de endereçar problemas que ele mesmo criou. Poderia pegar Trent McDuffie para pensar em substituir J.C. Jackson na secundária. Poderia pegar Devin Lloyd como compensação do fraco corpo de linebackers que terminou a temporada destruído duas vezes por Buffalo. Acabou apostando em um bom guard, Cole Strange, mas isso só aconteceu porque o time não renovou com Ted Karras e trocou Shaq Mason por um cento de kibes. Ou melhor, apenas uma escolha de quinta rodada. 

Heterodoxo

Ao melhor estilo “Planos Econômicos do Brasil na Década de 1980”, Bill Belichick rasgou a caratilha e resolveu apostar com tiros menos certos e potencial recomensa maior. Não é a primeira vez que isso acontece, como dito. Esse, aliás, vem sendo o atual problema. Tal como acontecera em San Francisco na Era Jim Harbaugh, os Patriots estão errando demais no topo do Draft. 

De 2016 para cá, o time não draftou literalmente nenhum All Pro na primeira ou segunda rodada. A lista não traz bons resultados consigo fora o ano passado. 

  • 2016: CB Cyrus Jones (2)*
  • 2017: Sem escolha nas duas primeiras rodadas
  • 2018: LT Isaiah Wynn (1), RB Sony Michel (1)*, CB Duke Dawson (2)*
  • 2019: WR N’Keal Harry (1), CB Joejuan Williams (2)
  • 2020: S Kyle Dugger (2), EDGE Josh Uche (2)
  • 2021: QB Mac Jones (1), iDL Christian Barmore (2)

>> (*) indica que não está mais com o time.

O Draft de 2022 foi uma volta à heterodoxia que já mostrou não ter resultados. Cyrus Jones teve suas trapalhadas no time de especialistas e não está mais com o time. Sony Michel e Duke Dawson, idem. N’Keak Harry foi escolhido com A.J. Brown ainda disponível – e não estou fazendo engenharia de obra pronta porque disse a mesma coisa na época. Kyle Dugger, com uma dose de boa vontade, poderia ser considerado uma boa escolha. No geral, porém, o saldo é negativo.

Quando você escolhe jogadores na primeira e na segunda rodada, precisa sair com titulares sólidos. Exatamente como New England fez no ano passado, com Mac Jones e Christian Barmore. Por outro lado, nada simboliza mais esse festival de escolhas questionáveis que Joejuan Williams e seu louvável 1,92m. de altura – e tão somente isso. O “cornerback aleatório que ninguém esperava ser escolhido na segunda rodada” virou quase marca registrada dos Drafts de Belichick. 

Neste ano, as apostas também foram questionáveis. Existe potencial, como em qualquer outra escolha de Draft. Os jogadores podem ser lapidados e surpreender. Há muito o argumento “J.C. Jackson e Malcolm Butler não foram draftados”, mas vale lembrar que Darrelle Revis e Stephon Gilmore, dois nomes diretamente responsáveis por títulos dos Patriots na última década, também o foram. Mas por outros times que capitalizaram em valor na primeira rodada. 

Tyquan Thornton na seguunda rodada de 2022, escolha 50, pode ser o novo símbolo disso. Thornton é veloz e, bem, basicamente isso. Ele é um Malik Willis dos wide receivers em vários aspectos. Valeria ali? Discutivelmente não. Havia outras opções também velozes e com mais piso de produção. Só para citar, Alec Pierce correu as 40 jardas na casa dos 4,4 segundos. Skyy Moore não tem a velocidade como trunfo, mas seria uma boa opção para o slot. David Bell, idem. Pode até ser que ele seja lapidado e dê certo. Mas a missão é árdua e havia opções um tanto quanto mais seguras. 

Por que essa heterodoxia?

A abordagem de New England no Draft, considerando 2016 até agora e colocando 2021 como exceção, tem como fio condutor o atleticisimo. Há outros times que valorizam isso, como Green Bay e sua paixão por jogadores com RAS alto, mas isso não impediu que os Packers focassem em valor em várias escolhas. Quay Walker foi uma escolha de valor ruim, mas Devonte Wyatt na 28 e Christian Watson na 34 foram na medida. É algo que vem faltando em New England. 

É difícil tentar entrar na cabeça de Bill Belichick e entender qual o objetivo e o porquê disso tudo. Vejo duas possibilidades. A primeira é que o antigo fato de “já ter um grande quarterback e por conta disso posso apostar no Draft” está tão enraizado depois de 20 anos de Tom Brady que a coisa opera nessa toada porque sempre foi assim e sempre vai ser. Ocorre que Mac Jones ainda não é Brady e tampouco pode ser cravado como franchise quarterback, ainda é cedo para isso por mais que ele esteja no caminho certo. 

A segunda é que Belichick sabe que Buffalo tem um elenco exponencialmente melhor, a começar pela posição de quarterback, e que quer “cair atirando”. Ou seja, ir pra cima de jogadores com potencial atlético alto e tentar lapidar esses caras. Acredito que essa segunda possibilidade é a mais plausível. Não concordo com a abordagem, mas é possível que assim esteja operando.

É como numa mesa de poker em que você tem capital gigante para apostar. Você vai jogar mais mãos. É o que Belichick parece estar fazendo, até porque o capital é a credibilidade infinita que tem com a família Kraft, dona do time. A situação é parecida com Don Shula nos Dolphins, aliás. Ele só sai quando quiser. No caso de Shula, foi aposentando-se em 1995. O caso de Belichick é o mesmo, com a aposentadoria em ano a definir. Seja como for, as cartas estão na mesa e a filosofia é clara: alto risco, alta recompensa. 

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