Curti: COMO OS 49ERS SAÍRAM DE 4-12 PARA O SUPER BOWL LIV

A contratação de Shanahan foi um gigante acerto e sem ela, possivelmente, nada disso poderia ser verdade.

“Tijolo por Tijolo”. Essa foi uma das frases que mais definiram a administração Lynch-Shanahan. Contratados juntos e para um contrato de longa duração, John Lynch e Kyle Shanahan mostraram paciência para montar um elenco forte. Mantiveram peças que estavam dando certo, como o left tackle Joe Staley, e cortaram o que não seria necessário para o futuro.

Em 2017, veio o destino e a sorte bateu à porta de Santa Clara. Em seu último ano de contrato e com Tom Brady ainda tendo gasolina no tanque, o New England Patriots colocou Jimmy Garoppolo no mercado. Tal como conseguira com Steve Young nos anos 1980, os 49ers tiveram uma barganha: por apenas uma escolha de segunda rodada, a equipe conseguiu seu franchise quarterback. Você pode dizer que Garoppolo não é o ponto mais forte do time, mas é inegável que sem ele a equipe não é a mesma.

O 4-12

As expectativas para 2018 eram altas. Os 49ers mostraram uma coisa o outra no início da jornada de Kyle Shanahan – mas o time ficou invicto depois que Garoppolo chegou via troca com New England. Ao final de 2017, o time sequer perdeu uma partida com Jimmy Garoppolo em campo. Embora ainda houvesse trabalho a ser feito – e como o próprio me respondeu numa coletiva antes da final da NFC, ainda há – no trabalho de pés e outros aspectos mecânicos, era inegável que a presença e liderança de Jimmy ajudaram a equipe nas cinco vitórias seguidas para terminar a temporada.

Assim, nada mais natural que em 2018 o time brigasse, no mínimo por playoffs. Não foi o que aconteceu. Justamente contra o Kansas City Chiefs, logo no início da temporada, Garoppolo saiu do pocket e rompeu o ligamento anterior cruzado do joelho. Sua temporada foi prematuramente encerrada com a lesão e, como acabamos vendo, a temporada dos 49ers idem.

A equipe terminou o ano com apenas quatro vitórias – a segunda pior campanha da NFL. Shanahan tirou leite de pedra com Nick Mullens, que substituiu um C.J. Beathard que pouco fez como titular. Ainda assim, nada além das quatro vitórias parecia possível.

No final das contas, como destino, foi algo positivo para o time. Com a segunda escolha geral do Draft, San Francisco pode escolher Nick Bosa em abril de 2019. Bosa seria peça fundamental para a equipe, sendo o favorito para Calouro Defensivo do Ano e tendo 9 sacks na temporada.

A “terceira força” 

Como havia mais incertezas do que certezas no Levi’s Stadium antes da temporada começar, era muito difícil colocar San Francisco como um favorito para a temporada. Assim coloquei na prévia de 2019:

“Há pontos que me agradam no time e pontos que me fazem refletir – a incógnita em Garoppolo, a fraca linha ofensiva em seu interior, uma secundária sem apelo. Ante tudo isso, sabe o que costuma maquiar problemas? Um franchise quarterback. É simplório dizer isso, mas às vezes a melhor solução do problema é a mais simples. Continuo apostando (talvez pela última vez) em Jimmy Garoppolo por tudo o que vi sobre ele em tape, por mais que o espaço amostral seja pequeno. San Francisco pode brigar pela divisão e a tendência é que brigue pelo Wild Card. De toda forma, o mais realista ante os problemas destacados no texto é uma campanha de 8 vitórias ou um 9-7. Vejamos o que vira. A parte boa é que finalmente respostas serão dadas”

Era natural, portanto, que a maior parte dos analistas colocassem San Francisco como terceira força na divisão. Nesse sentido, fui uma exceção ao apostar mais no time do que no Los Angeles Rams – mas, ainda assim, acreditava mais na divisão ser de Seattle. O confronto da Semana 17, porém, já era antecipado como uma potencial “final” da NFC West:

Jogo mais importante: at Seahawks, Semana 17. Fora de casa no CenturyLink Field, o confronto é difícil e pode valer a divisão ou vaga no Wild Card. Ainda, outro jogo importante é na Semana 5: o primeiro em horário nobre dos 49ers, contra a menina dos olhos da NFL em 2019, o Cleveland Browns. Jogar bem e vencer o “favoritaço” de muitos no Monday Night Football pode ser essencial para a moral do time”

A Ascensão Shanahan 

Nas duas partidas acima, vitórias vieram. Os 49ers estavam com campanha 3-0 e haviam batido os fracos Buccaneers e Bengals nas duas primeiras semanas. Na terceira, em casa, venceram os Steelers mesmo tendo sofrido cinco turnovers. Desconfianças pairavam em Santa Clara. A vitória contra Cleveland era importante para dar um verniz de credibilidade ao 3-0 dos Niners.

Ela veio e foi acachapante. 31-3 contra a tal menina dos olhos. Por algum tempo, apenas vitórias apareceram no placar do Levi’s Stadium e quando os 49ers viajavam: a equipe foi a última a perder a invencibilidade, tendo campanha de 8-0 quando, num Monday Night Football, perderam em casa na prorrogação contra Russell Wilson e o Seattle Seahawks. Naquele jogo, vale lembrar, o time não contou com seu kicker titular, Robbie Gould, e o estelar George Kittle – a meu ver, melhor tight end da NFL.

Kyle Shanahan mostrou-se um dos melhores técnicos da liga e sua inteligência foi exaltada em várias oportunidades. Shanahan já era um técnico bem considerado por conta de suas movimentações antes do snap, uso inteligente do play action e potencialização da produção de running backs menos badalados por conta dos bloqueios em zona (tal como seu pai fizera em Denver nos anos 1990).

Em 2019, ele levou isso ao máximo. San Francisco terminou em segundo no quesito de pontos marcados e quarto em jardas. No ataque terrestre, o segundo da NFL com mais jardas e um gigantesco monstro de várias cabeças que teve em Raheem Mostert a força fundamental nos playoffs. Mostert liderou o time em jardas corridas na temporada e teve absurdas 5.6 jardas por carregada depois de ter passado por cinco times diferentes em suas duas primeiras temporadas na NFL. Além dele, Matt Breida e Tevin Coleman tiveram atuações importantes. Kyle Juszczyk, o fullback mais bem pago da NFL, mostrou sua importância nos bloqueios terrestres.

Tal como Kittle. Com ele em campo, San Francisco teve uma jarda por carregada a mais do que com ele fora de campo. Ainda, George Kittle é magnífico como recebedor – não deixando a dever para nenhum outro jogador da posição na NFL. Ele foi o alvo preferido de Garoppolo na temporada, passando das 1000 jardas recebidas e somando 85 recepções e seis touchdowns.

O corpo de recebedores, que começara o ano fragilizado, recebeu a adição de Emmanuel Sanders a preço de barganha no meio da temporada. Sanders trouxe experiência para o setor e o time melhorou num setor em que estava precisando: a red zone. Ele terminou o ano com três touchdowns, sendo o primeiro justamente dentro das 20 jardas do ataque.

A Ascensão Saleh

Robert Saleh já havia dado seu cartão de visitas antes da temporada 2019 – com algumas peças talentosas, fez algum barulho em 2018. Contudo, a chegada de Nick Bosa revolucionou a defesa. Dee Ford também foi importante. Com ambos, os 49ers puderam mandar blitzes fatais e pressionar com quatro homens na mesma medida. Isso tirou peso da secundária, sobretudo do lado oposto de Richard Sherman – potencial setor fraco do time.

Bosa teve os nove sacks supracitados e Ford, que chegou a custo de uma segunda rodada, foi importante quando esteve saudável. Foram 6.5 sacks e foco ofensivo que ajudou outras peças a brilharem. DeForest Buckner foi brilhante como sempre, Arik Armstead teve seu melhor ano com 10 sacks e outras peças jogaram em alto nível. Depois de um ano forte como calouro, Fred Warner tornou-se o líder defensivo da equipe, tanto que é em seu capacete que está o ponto eletrônico que recebe as chamadas de Saleh. Ele liderou o time em tackles e ainda teve três sacks e fumbles forçados. Ainda, segurou o rojão nos jogos em que Kwon Alexander perdeu por lesão no peitoral.

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Como se vê, o time de San Francisco foi montado com calma, tijolo por tijolo. A equipe é apenas a terceira na história da NFL a ter quatro ou menos derrotas num ano e chegar ao Super Bowl no ano posterior. Em 1999, na última vez que isso tinha acontecido, os Rams foram campeões da NFL. Resta saber se os 49ers repetirão o feito.

Seja como for, não foi milagre. Respondendo ao título-pergunta deste texto, foi com Shanahan e Lynch que isso tudo foi possível. Falando em tijolos, foi trabalho – tal como a construção de um prédio, a fundação é o mais importante. A contratação de Shanahan foi um gigante acerto e sem ela, possivelmente, nada disso poderia ser verdade. Com ele veio Saleh, que era técnico de linebackers em Jacksonville.

Os 49ers de 2019 mostraram que técnico é algo importante e uma boa contratação pode fazer um time chegar longe mesmo que não haja um quarterback de elite como em outros casos da liga. A vitória no Super Bowl seria a coroação da dupla e do planejamento. Em 06 de fevereiro de 2017, Shanahan curava as dores de um plano de jogo ganancioso demais no Super Bowl LI. Três anos depois, ele não só mostrou que sabe que precisa correr com a bola como também mostrou que pode ser um mago nas chamadas corridas.

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