Do Your Job: Como Bill Belichick transformou o New England Patriots numa máquina

Em meio a uma bagunça com os mandos e desmandos de um Al Davis que parecia não lembrar mais o gênio de décadas atrás, o Oakland Raiders precisava encontrar um recebedor de calibre para tentar sair do marasmo. Foi atrás daquele que havia tido bons anos em Minnesota mas que precisava se reencontrar após um fraco 2004.

Ele chegou depois de Oakland despachar uma escolha de primeira rodada e um linebacker para os Vikings. Embora o otimismo fosse a palavra de ordem na cidade, os Raiders continuaram a jogar mal e lesões fizeram com que aquele outrora super wide receiver não fosse nada além de um medalhão na folha de pagamento. No ano seguinte, 2006, ele teve apenas 553 jardas recebidas. Perguntado sobre sua queda de desempenho, respondeu que “talvez estivesse infeliz e não tão empolgado com o que estava acontecendo ao redor, então sua concentração e foco tendiam a cair quando ele estava mal humorado”.

No ano seguinte ele havia sido trocado para o New England Patriots. Em 2007, esse recebedor teve 1493 jardas, 98 recepções e 23 touchdowns – esta marca, em específico, recorde da NFL. Sobre o novo time, ele disse “Ainda não caiu a ficha que sou parte desta organização”. Sobre o novo técnico, resumiu o que este texto tem como objeto. “Acredito que ele seja o cara que pode me motivar. Ele tem um histórico provado”.

Seu nome, nesta altura do campeonato, já deve ser sabido pelo leitor que acompanha a NFL há algum tempo. Randy Moss foi um dos melhores recebedores da década passada e talvez a única ameaça real em profundidade que Tom Brady teve nos 15 anos como quarterback titular do New England Patriots. Mas, afinal, o que fez com que um cara em queda livre na carreira simplesmente se tornasse um dos melhores companheiros de equipe que Brady já teve em todos esses anos?

Talvez a resposta esteja em Bill Belichick.

Você pode não gostar dele, acha que ele é a personificação do Imperador Palpatine, vilão supremo da trilogia original de Star Wars. Mas, aparte de qualquer opinião pessoal que tenha acerca do treinador de New England, é fato consumado que ele sabe vencer. Como coordenador defensivo, são dois títulos. Como técnico principal, mais quatro. Ter seis anéis de campeão do Super Bowl não é para qualquer pessoa. Jogadores como Randy Moss funcionam em New England porque há um controle, um sistema. Uma cultura que não existe em todos os times da liga. Pelo contrário, como o exemplo de Moss bem demonstra.

Claro: para cada Randy Moss que revive a carreira em New England, há alguns Albert Haynesworth e outros Chad Johnsons. Mas, no final das contas, as apostas patriotas costumam compensar porque têm riscos baixos. O salário geralmente é baixo – no caso de Moss, por exemplo, a troca com Oakalnd só foi efetivada se houvesse redução salarial – e o jogador encara aquela como segunda e possivelmente última chance na NFL. Quando essa chance vem num time que conquistou quatro títulos nos últimos 15 anos e quando o treinador tem uma filosofia espartana de vitória.

A temporada de 2016 revela mais três chances de repetição na história de Randy Moss. Ou quatro, em tese. Porque, antes, temos a “Questão Cassel-Garoppolo”.

Como Matt Cassel conseguiu 10 vitórias como titular?

Esta é uma das histórias que mais me intrigam nos últimos 15 anos que acompanho a NFL (talvez seja culpa minha que os Patriots estejam ganhando há literalmente 15 anos). Muitos colocam na conta dessas 10 vitórias um elenco que no ano anterior havia vencido 16 partidas na temporada regular. Acontece que, bem, não era o mesmo elenco. A defesa viu a saída de vários jogadores, como Asante Samuel, Randall Gay e Eugene Wilson. Não é como se Cassel pudesse contar com as mesmas “armas” que Brady teve no ano anterior do outro lado do time para uma temporada com uma dezena de trunfos.

A cultura implementada por Belichick nos Patriots desde o início da década passada pode explicar como os Patriots conseguiram campanha de 11-5 naquele ano (10 com Cassel de titular, já que na primeira partida da temporada, a fatídica na qual Brady rompeu o ligamento anterior cruzado do joelho, ele ainda era reserva). O time venceu os jogos que devia vencer, contra adversários mais fáceis – o calendário interconferência era contra a então medíocre NFC West – e acabou perdendo partidas cruciais do calendário. A Semana 3 contra o Miami Dolphins e sua wild cat offense, por exemplo, foi o fiel da balança e determinante para que os Patriots perdessem a vaga para a pós-temporada – desde então, a última vez que isso aconteceu. Ademais, New England perdeu para os Colts de Peyton Manning e para o Pittsburgh Steelers, equipe que viria a ser campeã naquele ano.

Talvez justamente essa partida contra Pittsburgh seja a que resume o ano. O feijão com arroz de um elenco que maximizou as individualidades pelo coletivo – manta absoluto de Belichick – não deu conta do recado contra a absurdamente forte unidade defensiva dos Steelers.

Em 2016 o espaço amostral é minúsculo – apenas uma partida. Mas, ao que indica, aquela ideia de coletivo sobre o individual triunfou de forma amplificada na abertura da temporada contra o Arizona Cardinals. A história era parecida: desfalques em relação ao ano anterior e um reserva sem muita experiência no lugar de Brady. Ao contrário do que aconteceu contra Pittsburgh em 2008, Jimmy Garoppolo conseguiu comandar a vitória contra o Arizona Cardinals, um dos favoritos à conquista do Super Bowl LI. Mais: foi um triunfo da vontade defensiva de New England.

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Voltando ao início deste texto, mas vale lembrar que Belichick, por mais que tenha tido um absurdo sucesso com Brady nos últimos 15 anos, é um técnico de mentalidade defensiva. Seu plano de jogo como coordenador defensivo, para conter a K-Gun Offense com no-huddle do Buffalo Bills em 1990 no Super Bowl, está no Hall da Fama até hoje. Parar o ataque do Arizona Cardinals no último domingo pode não ter sido um feito tão grande – mas era esperado nesse sentido. Acabamos por ignorar a potência defensiva que os Patriots podem ser por conta de seu treinador – a ignorância veio de pensarmos que os desfalques de Brady e Gronkowski seriam o suficiente para implodir o time. Não foi, porque o coletivo triunfa em New England.

Sankey, Mingo, Bennett

Voltando às histórias de veteranos com segundas-chances em Foxboro, a temporada de 2016 apresenta mais três tentativas de reprisar a história que Moss vivenciou em 2007. Bishop Sankey foi cortado pelo Tennessee Titans depois da equipe trocar por DeMarco Murray e ter draftado Derrick Henry na segunda rodada. Barkevious Mingo nunca foi o pass rusher que outrora parecia ser – e em Cleveland as coisas não costumam dar certo. Martellus Bennett estava em seu último ano de contrato com os Bears.

Eles são o time vencedor, isto é o que mais me atraiu

Os três agora buscam chances em New England. O caso de Bishop Sankey, especificamente para este texto, é interessante. Ao ser colocado nos waivers pelos Titans (ou seja, cortado e “de quem pegar”), cinco times ligaram para o running back. Ele escolheu os Patriots muito por conta da cultura ali estabelecida. Para Sankey, aquele seria o melhor meio possível para que ele voltasse ao topo.

“Eles são um time vencedor, isto é o que mais me atraiu mais (nos Patriots)”, disse. “Estou empolgado por estar aqui, estou empolgado em trabalhar e aprender o sistema”. Sankey está no practice squad e por ora não entra em campo, não fazendo parte do elenco de 53 jogadores dos Patriots. Mas no futuro pode ter uma chance – afinal, a fungibilidade de running backs no New England Patriots é notória.


Barkevious Mingo é outro jogador que veio de um sistema em frangalhos. O Cleveland Browns em sua reencarnação mais recente, de 1999, é um verdadeiro fracasso – sendo completamente sincero aqui. A equipe foi aos playoffs apenas uma vez desde 1999 e no período teve apenas uma temporada com 10 ou mais vitórias. 87-185 nas últimas 16 temporadas resume o record de terra arrasada. Mingo foi trocado na última intertemporada num momento que New England precisava de toda a ajuda defensiva após a suspensão de Brady estar oficializada. “Foi um enorme choque cultural, eu acho que o espírito de vencer está sendo estabelecido em Cleveland com os novos treinadores, mas está estabelecido aqui (em New England) há muito tempo e estou empolgado em fazer parte disto”, falou ao Boston Herald.

Na primeira partida de pré-temporada de Barkevious com o uniforme patriota, um fumble forçado e um jogo incrível do outside linebacker. Parece que as coisas dão certo ao acaso em New England, mas existe uma cultura e uma repetição de pequenas coisas dando certo que fazem com que o todo seja funcional. Quando uma máquina está funcionando a pleno vapor, não percebemos que isso só acontece porque todas as engrenagens estão calibradas. É o caso no Gillette Stadium.

“Eu estaria livre e ele lançaria em cobertura dupla, ele é o pior quarterback da NFL”. Assim Martellus Bennett definiu Jay Cutler, quarterback dos Bears, após sair de Chicago. A equipe de Illinois é outra que sofre com constantes mudanças no front office e de coordenadores ofensivos – embora Cutler continue como under center. Bennett chega aos Patriots, também por troca, para tentar reviver o “Monstro de Duas Cabeças” que Belichick havia montado anos antes com Gronkowski e Aaron Hernandez. Na primeira partida deste ano, Bennett não produziu tanto – foram apenas 14 jardas totais. As expectativas, sobretudo com Gronk e Brady de volta, são altas.

Desde que Bill Belichick assumiu como técnico do New England Patriots, em 2000, a equipe deixou de ser “aquela no nordeste do país e sempre sob a sombra dos Red Sox em Boston” para se tornar uma das três mais valiosas da NFL e a maior campeã dos últimos 15 anos. São 15 temporadas seguidas com mais vitórias do que derrotas e em apenas dois anos o time não jogou em janeiro. 2002, na ressaca do Super Bowl XXXVI e 2008, no ano sem Brady. Belichick não quer que isso se repita em 2016 e trabalhou como sempre para tanto. O mantra do “Do Your Job” – “faça seu trabalho – resume o espírito que permeia cada tijolo em Foxboro.

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“Do Your Job” significa preparação, trabalho duro, prestar atenção aos detalhes e colocar o individual em função do coletivo. Elegante em sua simplicidade, ele é um dos motivos pelo qual o New England Patriots é o que é – e porque não devemos subestimar Bill Belichick, mesmo sem seu quarterback titular em campo.

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