Na tarde dessa quarta-feira, Andrew Luck assinou uma renovação de contrato com o Indianapolis Colts que o tornou o jogador mais bem pago da história. Em meio à controvérsia que tomou conta da internet quando essa noticia foi divulgada, uma coisa ficou clara: os contratos da NFL não são tão simples quanto parecem à primeira vista. Para um franchise quarterback como Luck, as minúcias do contrato podem ser irrelevantes, já que ele muito provavelmente cumprirá todo seu contrato em Indianapolis, mas para os jogadores de outras posições, principalmente os que vivenciam um declínio em sua carreira, elas podem representar a diferença entre mais alguns anos na NFL ou uma aposentadoria forçada. E podem até custar o emprego de um general manager.
Para entendermos como um contrato da NFL é estruturado, precisamos nos lembrar que eles estão inseridos no contexto do salary cap. Grosso modo, o salary cap é a quantidade de dinheiro que um time pode gastar com contratos de jogadores durante um determinado ano – em tradução livre, teto salarial. Portanto, quanto mais um time gasta no contrato de um jogador, menos ele tem para pagar os outros jogadores do elenco. Essa medida foi adotada pela NFL para controlar os gastos das equipes e incentivar a paridade entre elas (ao mesmo tempo de não tornar a free agency algo que desequilibrasse a liga em prol dos mercados mais ricos). Em 2016, esse valor é de $155.270.000,00.
E já que o contrato de Luck foi citado, vamos usá-lo para ilustrar os conceitos apresentados nesse texto, arrendondando alguns valores para facilitar o entendimento.
Duração
Essa é fácil. A duração de um contrato é a quantidade de tempo pelo qual o jogador está vinculado à equipe que o contratou. Esse é um ponto chave para determinar o impacto do bônus de assinatura (signing bonus) no salary cap em um determinado ano, mas abordaremos isso daqui a pouco.
No contrato de Luck, a duração é de 6 anos, o que o deixa vinculado ao Indianapolis Colts até 2021.
Salário base
O salário base funciona como qualquer salário normal. É a quantidade de dinheiro que um jogador receberá para jogar em uma determinada temporada. Esse dinheiro, entretanto, não é garantido ao jogador. Se, durante o seu contrato, o jogador for cortado pela equipe, ele não receberá os salários dos anos restantes em seu contrato.
Em termos de salary cap, o salário base é descontado semanalmente. Dessa forma, se um jogador for cortado após a semana 5, por exemplo, apenas o salário que foi pago até esse ponto da temporada é descontado do salary cap.
Os salários base de Andrew Luck ficaram estruturados da seguinte maneira: 12 milhões em 2016, 7 milhões em 2017, 12 milhões em 2018, 9 milhões em 2019 e 11 milhões tanto em 2020 quanto em 2021.
Se, por algum motivo, Luck fosse cortado após a temporada de 2018, por exemplo, os Colts não precisariam pagar os 31 milhões restantes de salário em seu contrato.
Bônus de assinatura
O bônus de assinatura (signing bonus) se refere a uma determinada quantidade de dinheiro que é paga à vista ao jogador, assim que ele assina o contrato. Parece simples, mas existe um detalhe muito importante. O dinheiro dado como bônus de assinatura não é contado inteiramente contra o salary cap do ano em que o contrato foi assinado. Ao invés disso, ele é dividido em parcelas iguais durante todos os anos do contrato do jogador, até um máximo de 5 anos. Esse é o famoso prorated money, que iremos abordar mais a fundo quando falarmos sobre a reestruturação de contratos.
O dinheiro dado como bônus de assinatura conta contra o salary cap de um time mesmo que o jogador seja cortado. Na verdade, quando um jogador é dispensado por uma equipe, todas as parcelas restantes de seu bônus de assinatura são descontadas de uma só vez do salary cap do ano em questão.
O contrato de Andrew Luck contém 32 milhões de bônus de assinatura. A duração do contrato é de seis anos, mas como o bônus não pode ser dividido por mais de cinco anos, o Indianapolis Colts terá 6 milhões e 400 mil dólares descontados do limite de seu salary cap em 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020.
Retomando o cenário hipotético sugerido anteriormente, em que Andrew Luck seria dispensado após a temporada de 2019, ainda que os Colts ficassem livres de pagar o restante de seu salário base, eles ainda teriam 12 milhões e 800 mil dólares deduzidos de seu salary cap no momento em que o dispensassem. Esse valor seria referente às duas parcelas restantes de seu bônus de assinatura.
Outros bônus
Existe uma diversidade de outros tipos de bônus que podem estar contidos em um contrato. Eles se referem a uma quantidade de dinheiro que será paga a um jogador em uma data futura caso alguma condição específica seja cumprida. Essas condições variam desde a simples participação em programas de condicionamento durante a offseason até a nomeação ao Pro Bowl ou a participação em partidas de playoffs.
O mais comum deles é o roster bonus (bônus por estar no elenco). Nesse tipo de bônus, o jogador recebe uma quantia de dinheiro se ainda estiver no time em um determinado ponto de seu contrato. Esses bônus, uma vez satisfeitas suas condições, se tornam garantidos na data prederteminada e, mesmo que o jogador seja dispensado no dia seguinte, devem ser pagos integralmente. Era o que iria acontecer com Peyton Manning em 2012 caso os Colts não o cortassem antes, por exemplo.
O contrato de Andrew Luck contém roster bonus em todos seus anos, a partir de 2017. Se no quinto dia após o começo oficial do calendário da liga ele ainda estiver no plantel do Indianapolis Colts ele receberá uma determinada quantia. Esses valores são: 6 milhões em 2017 e 2018, 12 milhões em 2019, 11 milhões em 2020 e 10 milhões em 2021. Até que suas condições sejam satisfeitas, o valor desses bônus só é garantido por lesão.
Isso quer dizer que, se os Colts cortarem Luck do plantel, por qualquer motivo que não seja lesão, ele nunca verá estes bônus futuros. Bônus também podem ser garantidos por skill – caso o time o corte por não o acharem bom jogador, basicamente – ou por cap – se o time dispensar o jogador para abrir espaço no salary cap. Pode haver, ainda, os bônus por produtividade. 15 sacks na temporada, por exemplo, dão um bônus X.
Dispensas e trocas
Como já vimos, quando um jogador é dispensado, todas as parcelas restantes de seu bônus de assinatura e todos os seus bônus e salários que forem garantidos contra o motivo da dispensa são descontados de uma só vez do salary cap daquele ano. Esse é o chamado dead money, ou “dinheiro morto” – a quantidade de dinheiro que é deduzida do salary cap de um time devido ao contrato de um jogador que já não se encontra mais no elenco daquele time.
Quando o jogador é trocado, algo parecido acontece. O time que trocou o jogador tem todas as parcelas restantes do bônus de assinatura deduzidas imediatamente do seu salary cap. O salário base e os bônus futuros, entretanto, são assumidos pelo time que recebeu o jogador, não importando se são garantidos ou não.
Reestruturação de contratos
Frequentemente lemos notícias dizendo que “jogador X teve seu contrato reestruturado” para abrir espaço no salary cap de um time. Muitas vezes, é dado a entender que tal jogador aceitou uma redução salarial para ajudar sua equipe, quando, na verdade, não é isso que aconteceu. Em geral, quando falamos em reestruturação, estamos falando da transformação do salário base e/ou roster bonus daquele ano em bônus de assinatura. Com isso, o jogador ainda recebe o mesmo valor que receberia antes da reestruturação, mas esse valor passa a ser dividido entre os anos restantes de seu contrato, para fins de cálculo do salary cap.
Exemplifiquemos. Suponha que o citado jogador X tenha assinado um contrato que lhe dá 1 milhão em salário base no primeiro ano, 10 milhões no segundo e mais 10 milhões no terceiro. Além disso, o contrato prevê 15 milhões em bônus de assinatura. Dessa forma, o impacto do jogador no salary cap seria de 6 milhões no primeiro ano, 15 milhões no segundo ano e mais 15 milhões no terceiro. Mas digamos que, após o primeiro ano do jogador X, seu time queira contratar o jogador Y, e precisa criar espaço no cap para isso. O que o general manager do time faz é comunicar ao jogador X que seu contrato será reestruturado, transformando os 10 milhões que ele receberia em salário base naquele ano em bônus de assinatura. Esses 10 milhões, então, são divididos pelo tempo restante no contrato de X – no caso, dois anos. O impacto do contrato de X no salary cap de sua equipe passa a ser de 10 milhões, ao invés de 15, no ano que foi reestruturado – 5 milhões do bônus de assinatura original mais 5 milhões do salário base convertido em bônus de assinatura na reestruturação. Para X, tudo o que muda é que o dinheiro que ele receberia semanalmente como salário naquela temporada, ele receberá tudo de uma vez, antes mesmo de jogar. O problema dessa manobra é que no ano seguinte o impacto do contrato de X no salary cap seria de 20 milhões – 5 do bônus original, 5 do bônus da reestruturação e 10 do salário base.
No final das contas, a reestruturação nada mais é que a velha tática de se endividar no futuro para gastar no presente.
Como analisar um contrato
Espero que nesse ponto já tenha ficado claro que é impossível analisar um contrato sabendo apenas seu valor total, sua duração e quantidade de dinheiro garantido (até porque, como vimos, os tipos de garantias variam). Para efetivamente entendermos um contrato, precisamos investigar cada tipo de pagamento envolvido nele e o que ele significa. Vamos fazer isso com o contrato de Luck, com o qual já estamos mais familiarizados:
- O contrato de Luck ultrapassa a média anual do segundo maior contrato da liga (Joe Flacco) em $2.460.667,00. Os contratos de franchise quarterbacks têm aumentado gradativamente desde 2012, quando Drew Brees e Peyton Manning redefiniram o mercado, com médias contratuais em torno de 20 milhões de dólares. O contrato de Luck segue o ritmo dos aumentos de contratos de franchise quarterbacks desde então.
- O bônus de assinatura de 32 milhões de dólares, quando analisado como porcentagem do valor total do contrato é inferior a todos os franchise quarterbacks que assinaram seus contratos após Drew Brees. São eles: Tom Brady, Matt Ryan, Cam Newton, Phillip Rivers, Eli Manning, Ben Roethlisberger, Russell Wilson, Aaron Rodgers e Joe Flacco.
- Ainda que a quantidade de dinheiro garantida pareça grande quando divulgada, a média anual de dinheiro totalmente garantido (por cap, skill, e lesão) do contrato de Luck é inferior à de Aaron Rodgers.
Há ainda o fato de que a grande duração do contrato de Luck fará com que ele seja ultrapassado por diversos outros quarterbacks antes de sua próxima renovação. Aaron Rodgers, Russel Wilson, Big Ben, Eli Manning e Phillip Rivers só estão sob contrato até 2019. E em 2020 é a vez de Cam Newton. Dada a valorização da posição, é possível até que ele já seja ultrapassado em 2018, por Matt Ryan.
Quando analisado sob a luz dessas informações, vemos que Luck assinou um contrato compatível com um jogador de seu status, que acabou sendo até mais vantajoso para Indianapolis do que para o próprio jogador.
E essa é a diferença que observamos ao analisar um contrato detalhadamente. No caso de Luck foi uma tarefa até fácil, pois, a não ser que ele se lesione gravemente, seu contrato será cumprido até o final. Mas, como foi dito no início do texto, jogadores de outras posições muitas vezes assinam contratos que eles mesmos sabem que nunca chegarão a cumprir até o final. Nesses casos, uma análise mais detalhada pode nos dar pistas muito claras das pretensões do time para com aquele atleta.
