Análise Tática

Esqueça o 4-3/3-4: Como a defesa nickel mudou os parâmetros defensivos na NFL

Deivis Chiodini·

[dropcap size=big]M[/dropcap]uitos vezes respondo perguntas de leitores, especialmente sobre prospectos do Draft, perguntando se determinado jogador defensivo se encaixa no seu time “pois jogava numa defesa 4-3 e nós jogamos em 3-4”. Variações desta pergunta são comuns, com a inversão dos sistemas. Outra pergunta normal é “ele é strong ou free safety?”.

Amigos, sinto-lhes informar: Tanto as defesas 3-4 quanto 4-3 morreram.

Nenhum time as tem mais como base defensiva. Com o crescimento das formações spread (com recebedores espalhados no campo), ficou praticamente impossível defender o passe com tantos pesados linebackers em campo. Os mismatches se tornavam inevitáveis e o ataque levava constante vantagem.

Apenas para ilustrar, em 2011 os ataques alinhavam com pelo menos 3 wide receivers em 40% dos snaps; em 2017 esse número já era de 63%. Da mesma forma, no ano passado as defesas já tiveram cinco ou mais defensive backs em pelo menos 65% dos snaps. Esse tipo de defesa é chamada de nickel defense.

A realidade é: a nickel é a defesa da NFL de hoje.

Não se preocupe mais em ter um caminhão de linebackers no elenco do seu time, olhe cada vez mais quem são o terceiro cornerback e o terceiro safety. Esqueça o linebacker brucutu que apenas corria atrás do running back, bem como o safety que ficava a sete jardas da scrimmage para cobrir um tight end lento e dar uma pancada no corredor que escapava do linebacker antes citado. Se você não se chama Jon Gruden e vive em 2018, bem vindo a era dos jogadores híbridos na defesa.

Essa mudança esquemática afetou diretamente todas as posições defensivas e explicaremos como.

Nickel corner (nickelback/slot cornerback)

Uma figura fundamental neste tipo de defesa é o nickelback, também chamado por alguns por slot corner. Trata-se do cornerback que alinha mais próximo do box, marcando o recebedor interno.

Ele entra no lugar de um jogador de interior de linha defensiva, um edge ou linebacker das formações tradicionais; depende do que o time quer fazer na jogada. Se o objetivo for ter pass rush, num down claro de passe, se tira o interior defensive lineman (mais pesado e com viés mais terrestre); se for ser mais conservador tira-se um edge; para manter o equilíbrio, um linebacker.

Esse jogador tem que ter algumas características que se ressaltem em relação a um jogador que jogue mais aberto. É necessário um grande entendimento do playbook, pois a sua responsabilidade em relação ao jogo corrido será maior. Consequentemente, sua técnica de saída de bloqueios e de tackle tem que ser alto nível – ou seja, Darrelle Revis, que nunca foi lá muito entusiasta do tackle, não teria tanta vez aqui. A mudança de direção e reconhecimento das rotas tem que ser apurado, pois geralmente trabalha em curtas distâncias, especialmente cobrindo em zona.

Os Dolphins mostram isso na jogada a seguir, com o novato Minkah Fitzpatrick (29) se mostrando um jogador muito acostumado a função. Notem que ao acompanhar o motion do wide receiver, ele se alinha na função de nickel e entende sua responsabilidade contra o jogo corrido na lateral.

Assim que os Titans começam a sua corrida em outside zone, Minkah faz o movimento para sair do bloqueio e consegue tacklear Derrick Henry, um dos running backs mais pesados da liga.

Com a visão da câmera de trás, onde vemos como Minkah em nenhum momento aceita o bloqueio.

Tyrann Mathieu, dos Texans, é outro jogador habituado à função. Trata-se de um jogador híbrido, acostumado a função de nickel (em que foi um dos pioneiros nos tempos da universidade de LSU) bem como a de safety (desempenhada no seu tempo de Arizona Cardinals). Ele alinha contra o tight end dos Colts, que está como slot receiver. Logo que o passe acontece, ele identifica a rota slant rapidamente e avança para o corte. É a agilidade e o reconhecimento que são necessários na posição de nickel.

Outside Cornerback

Falamos aqui sobre o cornerback na sua posição tradicional, jogando mais próximo lateral do campo. Cada vez enfrentando wide receivers maiores e mais rápidos, a ideia é que o corner “de fora” seja um jogador com capacidade física superior a de anos atrás. O antigo “zone corner”, jogador mais lento porém com excelente leitura e que jogava em no sistema de zona, não tem mais tanto espaço na liga.



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Além disso, é necessário ser bom em press, para matar o tempo das rotas na linha de scrimmage e também ser eficiente em bolas no alto, para evitar os famosos mismatches. Os outside corners jogam cada vez mais em ilha, sem a ajuda de nenhum safety e são responsáveis por enfrentar muitas vezes o melhor jogador ofensivo adversário. Não a toa os times pagam grandes contratos na posição, que tem vital importância nos esquemas defensivos atuais.

Stephon Gilmore é um belo exemplo deste tipo de jogador e não por acaso os Patriots lhe deram um gordo contrato. Enfrentando um wide receiver grande como Kelvin Benjamin (1,95m), Gilmore faz bom uso de sua velocidade para acompanhar Benjamin pé por pé e numa bola lançada no alto e se aproveita de sua envergadura para conseguir desviar o passe. Com 1,85m, ele diminui a dificuldade em cobrir jogadores como Julio Jones, AJ Green, Odell Beckham Jr e similares.

Safety

Essas mudanças afetam diretamente os safeties também. Cada vez eles são mais responsáveis por jogar mais próximos a linha de scrimmage e cobrir espaços maiores de campo.

Os Chargers draftaram Derwin James justamente por isso. O camisa 33 começa a jogada no box, a cinco jardas da bola. Os 49ers executam um play action e James identifica isso, recuando e lendo os olhos do quarterback, que lança uma rota corner em 20 jardas. James brilhantemente recua e usando todo seu atleticismo corta o passe. Isso se chama range e é fundamental num safety moderno.

Esse mesmo safety tem que ser um jogador eficiente contra o jogo corrido e uma arma no pass rush. Vejam como James alinha na frente do tight end, dentro do box. Com isso, ele disfarça a blitz e no momento do snap, ataca o quarterback dos Bills, conseguindo o sack.

Linebacker

Esqueça o antigo thumper, que apenas cobria o espaço curto e atacava o running back. Com menos jogadores da posição, cada vez mais as leituras se fazem necessárias e os linebackers muitas vezes tem duplas funções. Deion Jones, dos Falcons é um exemplo claro do linebacker moderno.

Numa jogada na red zone contra os Panthers, Jones é o linebacker alinhado no lado esquerdo do ataque, onde inicialmente o running back Christian McCaffrey está alinhado inicialmente. Quando o running back troca de lado, passa a ser responsabilidade do linebacker que está ao seu lado na marcação e Jones se torna o robber. Com isso, ele tem a função de ocupar a zona central do campo, para cortar qualquer linha de passe por ali como também fica de olho numa eventual corrida de Cam Newton. Jones segue a movimentação dentro do pocket de Newton e seus olhos; quando o quarterback lança uma rota post para McCaffrey, que já havia conseguido separação, Jones aparece cortando e evitando o touchdown. A mobilidade, leitura e paciência do linebacker dos Falcons são características fundamentais no sistema moderno de defesa.

Por trás, o belo trabalho do camisa 45.

Além disso, o range também aumentou. Se antigamente raramente víamos um linebacker recuando mais que 10 jardas, hoje isso se tornou necessidade.

Com tight ends cada vez mais velozes e que executando rotas longas, os linebackers precisaram aprofundar o campo também. Christian Kirksey mostra isso jogando pelo Browns contra os Buccaneers. Alinhado contra o atlético tight end OJ Howard, ele recua 14 jardas lendo os olhos do quarterback para conseguir uma bela interceptação.

Interior defensive lineman

Esqueça o jogador pesadão e lento, que simplesmente ocupava seu gap e evitava corridas. Menos peso, mais mobilidade e melhora de leitura são fundamentais com essas mudanças. Com menos linebackers a responsabilidade dos jogadores de miolo de linha defensiva aumentou.

Se antes apenas fazer o trabalho sujo para os linebackers chegarem ao corredor era suficiente, hoje é necessário conseguir penetração e finalizar o tackle. Além disso, com o advento do run-pass option que mantém os edges mais presos a algumas funções táticas, é necessário colapsar o pocket e conseguir pressão pelo meio. Ninguém representa mais o novo jogador na função que Aaron Donald.

Mais baixo que o padrão anterior e um pouco mais leve também (1,85m e 127kgs), é um jogador extremamente explosivo na hora do snap, com um primeiro passo muito forte e uma variedade no uso das mãos de deixar muitos edges com inveja.

Basta ver o sack contra os Seahawks, em que ele passa com muita facilidade pelo guard e “janta” Russell Wilson antes dele pensar em começar o movimento do passe. Já são 10 sacks na temporada e com certeza a busca por jogadores deste estilo aumentará nos próximos drafts.

Edge Rusher

Pouco importa se o seu time defende com três ou quatro linebackers quando o adversário tem dois running backs em campo.

A denominação mais correta para o jogador que fica na ponta da linha defensiva (daí o nome) atual é edge. Você verá em alguns momentos eles com a mão no chão como os antigos defensive ends e outras de pé, como os anteriormente chamados outside linebackers. Independente do time, todos fazem as duas funções.

O perfil desses jogadores também mudou.

Se antes eram enormes, fortes e com braços longos mas não tão rápidos, hoje não podem mais se dar a esse luxo. Atingir o quarterback era sua missão primordial. Continuando tendo essa função e são importantíssimos, mas contribuem em outras funções como contendo o read option e até na cobertura de passe. Menos força e agressividade, mais inteligência e velocidade.

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Nunca se exigiu tanta explosão de um pass rusher como nos novos esquemas. Com a quantidade de armas aéreas abundantes, geralmente os conceitos de passe tem rotas rápidas e cada vez menos os quarterbacks ficam com a bola nas mãos. Assim, menos tempo para chegar nele. Com menos tempo, é necessário ser mais rápido. A popularização do shotgun também contribui para isso, dado que nessa formação o quarterback não precisa fazer o dropback completo.

Von Miller é um dos nomes que melhor representa isso. O dinâmico edge dos Broncos tem muita explosão e consegue contornar o offensive tackle sem perder potência, chegando facilmente no quarterback. Mesmo saindo bem aberto, pois havia um tight end alinhado no inicio da jogada, Miller chega assim que Josh Rosen começa suas progressões e força o fumble.

Um exemplo de como os jogadores nesta função precisam ter melhores leituras e mais disciplina tática se dá na jogada abaixo. Com dois ótimos edges, os Bears conseguem conter bem a ameaça do read option dos Seahawks de Russell Wilson.

Khalil Mack está no lado para onde a corrida acontece e participa efetivamente contra o running back Rashaad Penny, parando a corrida. No lado oposto Leonard Floyd, em vez de avançar como louco em direção ao corredor, faz apenas o contain e evita que Wilson fique com a bola e corra por ali. Disciplina tática e ganho nulo dos Seahawks na jogada.

Não tão raro vemos esses edges cobrindo o passe em longas distâncias, coisa impensável antigamente. Von Miller chegou a marcar Rob Gronkowski com maestria na final da AFC de 2015.

Contra o veloz ataque dos Chiefs, os Broncos não hesitaram em colocar Shaquil Barrett mano a mano contra o tight end Demetrius Harris. Mesmo com a sensação Patrick Mahomes lançando um de seus canhões por mais de 30 jardas, Barrett em nenhum momento perde o contato e fez o corte matando a jogada.

Como podemos notar, a adição do 5° defensive back as defesas base mudou o jogo por completo. Se antes os jogadores tinham funções restritas, hoje são multitarefas.

Nenhum fundamento mais pode ser negligenciado, pois qualquer ponto é explorado pelos coordenadores de ataque adversários. Os ajustes são constantes em campo e a parte mental dos jogadores defensivos foi aprimorada. É hora de desapegar dos velhos conceitos e entender que hoje mais que cornerbacks, linebackers ou qualquer jogador de posição os times precisam de jogadores de defesa, que entendam o sistema como um todo e estejam prontos para reagir rapidamente aos mais diversos tipos de ataque.

Bem vindo à nova era defensiva na NFL.

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