Um dos meus passatempos prediletos é assistir programas de culinária, particularmente as competições. Você deixa Gordon Ramsay gritando no fundo da sua vida, sem prestar muita atenção, e segue com seu dia. Vemos candidatos a prêmios exorbitantes precisando fazer um suflê às pressas, suando em bicas, seja pelo nervosismo, seja pelo calor do forno.
Do meu sofá, aponto com tranquilidade os erros dos competidores. Sei o bastante de coisas básicas de culinária para saber quando lidam errado com uma proteína, ou quando exageram na abstração e criam uma quimera gourmet. É corriqueiro ouvir que os competidores “não respeitaram o ingrediente”. Agora, se você colocar na minha frente os melhores, mais caros e raros ingredientes do mundo, eu vou te dar uma omelete com açafrão – se tanto. Não adianta você ter todos os recursos e não saber executar o básico.
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Saindo da gastronomia e indo para o futebol americano, os tenebrosos meses sem o nosso esporte predileto são solo fértil para especulação. Depois das trocas, contratações e do Draft, elencos são montados e geram expectativa nos torcedores e nos analistas do esporte. Sem o que analisar em campo, criam-se situações potenciais imaginárias. “Os sonhos mais lindos sonhei; de quimeras mil, um castelo ergui” são os versos cantados por Elis Regina que traduzem esse sentimento.
Na última segunda-feira, vimos a diferença entre as expectativa e realidade. Presenciamos que, na NFL, não basta ter o talento no elenco; é necessária a execução. Ninguém questiona que Russell Wilson é um dos quarterbacks capazes de elevar qualquer ataque. Com peças como Courtland Sutton, Jerry Jeudy, Javonte Williams, Melvin Gordon, K.J. Hamler, espera-se um certo grau de qualidade ofensiva. Felizmente para o torcedor do Seattle Seahawks, não foi o que aconteceu.
Indisciplinado, o ataque do Denver Broncos ficou longe de corresponder à expectativa criada antes da Semana 1 da NFL. O que foi visto dentro de campo mostra a separação brutal entre talento e execução. Doze faltas, sendo os false starts e taunting evitáveis para um time melhor costurado. Além disso, houve dois fumbles custosos na red zone, algo impensável para quem quer começar a temporada vencendo fora de casa numa divisão como a AFC West.
Viria, ainda, a cereja no bolo. Nathaniel Hackett, no último minuto, preferiu queimar trinta segundos do relógio antes de pedir um timeout, preferindo depender de um field goal virtualmente impossível ao invés de confiar no seu quarterback de 245 milhões de dólares. Não respeitou o ingrediente.
A atuação do Denver Broncos foi abaixo da crítica, o que, de forma alguma, tira o mérito do Seattle Seahawks. Inclusive, mostra claramente a diferença em relação aos donos da casa, que souberam planejar e executar muito melhor do que se esperava. Os campeões do Super Bowl XLVIII exploraram todas as peças, tirando proveito das melhores características de Geno Smith (!) e das circunstâncias do jogo. Nas casas de apostas, ninguém estava colocando Seattle Seahawks como uma competição tão parelha. Eis a beleza do esporte.
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No fim das contas, execução é crucial para qualquer esporte, independentemente do grau de talento. Mais do que isso, a atmosfera e o contexto de cada partida influenciam mais no desfecho do que simplesmente os nomes em campo. Em outro esporte, um exemplo recente é Juan Soto no San Diego Padres. Um dos talentos geracionais do esporte não está voando baixo como se esperava na Califórnia. Falando de elencos maravilhosos, e o talentoso Brasil de 2006, que foi por água abaixo sem qualquer padrão tático?
A imprevisibilidade do esporte é um dos seus aspectos mais apaixonantes. É o time estrelado podendo perder para um plano tático bem-arranjado. É um técnico buscando peças em declínio e as recuperando, criando uma narrativa para um time e para os atletas – vide a ótima atuação de Carson Wentz na sua estreia pelo Washington Commanders. Ter os ingredientes é importante, mas não adianta tê-los se você não souber cozinhar.
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