No Fun League: a NFL está de palhaçada com as comemorações e isso é ridículo

Imaginem a seguinte situação: você é um dos recebedores de um time da NFL já no crepúsculo de sua carreira. Depois de anos sendo considerado um dos melhores da sua posição, você está há dois anos sem receber um passe sequer para touchdown. Você defende hoje as cores do time que você cresceu torcendo, indo no estádio durante sua infância e adolescência. Você recebe um passe numa rota perfeita, anotando seus primeiros seis pontos, na frente de 78 mil torcedores na sua casa, justamente contra um rival de divisão.

O que você faria nesse momento de êxtase? Comemoraria, não é? Bom, se você de fato fosse jogador da NFL, você teria que pensar duas vezes.

Foi essa a exata situação pela qual o tight end Vernon Davis passou no último domingo, na vitória do Washington Redskins por 27-20 sobre o Philadelphia Eagles. Após anotar o touchdown, Davis pegou a bola de futebol americano e fez um jump shot no goal post um arremesso de basquete pulando, só isso. Inofensivo, não é? Não se você seguir as orientações da NFL.

Foi marcada a famigerada falta “unsportsmanlike conduct“, que é, basicamente, conduta anti-desportiva. A punição foi de 15 jardas no kickoff – faltas nesse momento parecem insignificantes; todos estão comemorando ou lamentando ainda o touchdown. Guarde esse comentário, pois ele será importante em alguns instantes. Antes disso, precisamos terminar a questão de Vernon Davis.

O veterano tight end declarou que estava com o coração pesado após o jogo. O ex-49er apontou que ele se sentiu mal, porque, de alguma forma, ele prejudicou a equipe. Vernon Davis foi de cabeça baixa para o banco após anotar o touchdown porque ele comemorou. Ele só usou a bola do jogo para extravasar um momento de enorme alegria – algo que Rob Gronkowski também faz com seus spikes, diga-se de passagem, e eu não vejo flanelas amarelas voando. De qualquer forma, anotar um touchdown deve ser um momento de alegria, e essa ininteligível restrição nas comemorações que sequer mexem com o adversário – ou você acha que os torcedores do Philadelphia Eagles ficaram clamando por justiça quando Vernon Davis arremessou a bola? – fizeram um veterano se sentir mal por ter comemorado um touchdownImaginem se, na bola redonda, dessem uma falta da boca da área para o time adversário porque alguém comemorou com o soco no ar à la Pelé? Insano, não?

Pois bem, é esse o trágico momento que as comemorações se encontram na NFL. Extravasar o momento após um touchdown agora é passível de punição, e não deveria ser dessa maneira.  Ah, antes que eu me esqueça: lembra da falta no kickoff? Então, após marcarem essas 15 jardas na celebração de Vernon Davis, o kicker Dustin Hopkins teve que chutar a bola mais de trás. Ao invés de chutar para além da endzone, o chute naturalmente caiu dentro do campo, dando a chance de um retorno. E esse retorno de 86 jardas resultou num touchdown de Wendell Smallwood. Vocês podem falar o que quiserem dos times especiais de Washington, mas não esqueçam do que causou a posição na qual eles se encontravam.

Futebol americano é entretenimento

Eu poderia escrever um tratado sobre a importância do esporte no geral para o torcedor. Poderia utilizar ou contestar todas as (mais que batidas) máximas sobre “ópio do povo”, ou qual a importância do futebol ou futebol americano no dia-a-dia dos torcedores e fãs. No final das contas, eu chegaria em apenas uma conclusão: futebol americano é entretenimento.

Quando eu vou assistir uma partida de futebol americano, o meu motivo primeiro para assisti-la é que o esporte me entretém. Eu fico feliz de assistir a um jogo tão cerebral e físico ao mesmo tempo, independente do que vou extrair profissionalmente dele – orientações sobre Fantasy, discussões sobre técnico X ou Y – eu estou vendo porque me entretém. Acredito que isso seja verdade em 99,9% dos casos: eu vejo a NFL porque eu gosto de ver futebol americano em alto nível.

Do outro lado do espectro, estão os jogadores. Atletas profissionais que dedicam suas vidas ao esporte, ponderam sobre os danos a longo prazo de jogar futebol americano, que em muitos casos não querem fazer algo diferente na vida – seja por almejarem a grandeza e os first ballots do Hall da Fama, ou por simplesmente amarem as minúcias e riquezas do jogo. Não esqueço de John Urschel, guard do Baltimore Ravens, que está adquirindo seu PhD em Matemática, dizendo que poderia ter uma carreira intelectual, mas que, no final do dia, não há nada que compense a falta de dominar fisicamente a pessoa na sua frente.

É ininteligível, ao meu ver, que os jogadores de futebol americano, que passam literalmente o ensino fundamental, médio e superior lutando para um espaço no elenco de uma franquia da NFL, planejam semanas e semanas esquemas de jogo não poderem, ao anotar um touchdown, alcançando o objetivo das suas vidas, não poderem de forma alguma extravasar e comemorar. Um inofensivo jumpshot de Vernon Davis, uma dança de Antonio Brown após um touchdown gigantesco são imediatamente punidas, amassando o momento máximo do esporte para estes jogadores.

No final de tudo, tem uma questão: como eu, assistindo às penalidades após comemorações, posso ficar animado ou empolgado com o esporte se eu vejo claramente que os jogadores estão tendo o lado divertido do seu trabalho suprimido?

Punir as comemorações não deve ser prioridade – ou sequer admitido

Nesta temporada, o wide receiver Antonio Brown já foi punido com multas duas vezes pelas celebrações em touchdowns, no valor de US$ 12.154,00 pelo seu twerk na Semana 1, e em US$ 24.309,00 pela sua dança “sexualmente sugestiva”, como colocou a própria NFL, contra o Kansas City Chiefs na Semana 4. Já são US$ 36.463,00 dólares de multa para o recebedor – um valor que é apenas US$ 3.000,00 menor que a metade do que Vontaze Burfict terá que pagar por ter pisado em LeGarrette Blount na derrota do Cincinnati Bengals para o New England Patriots. 

Eu poderia suscitar diversas discussões, desmembramentos dessas decisões da NFL; como a simples multa de um jogador com histórico desleal desmascara o discursos de preocupação com a segurança dos jogadores em campo; ou como suspender Martavis Bryant por um ano pelo uso de maconha e deixar Vontaze Burfict jogar é uma inversão de prioridades magistral, mas são temas complexos e não cabem aqui. Gostaria de apontar, apenas, que duas celebrações de touchdown são 50% de uma multa que compromete a integridade física dos jogadores, dos atletas profissionais que integram o grande entretenimento que é a NFL, se quiser adotar uma visão mais de mercado para a liga.

Nesse mesmo sentido, ontem mesmo o wide receiver Torrey Smith, do San Francisco 49ers, se manifestou sobre o caso envolvendo o kicker do New York Giants Josh Brown,  que confessou atos de violência doméstica, sendo suspenso pela NFL. O vencedor do Super Bowl XLVII se manifestou no Twitter no sentido de que se você comemora um touchdown, você é multado. Se você pratica violência doméstica, os cheques continuam entrando. Nas palavras do recebedor, “a liga precisa levar as coisas que são importantes a sério, sendo consistente na investigação e punição. Eu estar falando isso no Twitter pode gerar uma multa, mas se eu agredisse minha mulher e ninguém visse eu não teria problemas.”

Não é razoável que multar comemorações seja uma prioridade – ou sequer uma preocupação – para a NFL. Lançar flanelas toda vez que a comemoração não é um abraço entre companheiros de equipe ocupa um tempo que deveria ser dedicado a apurar irregularidades que de fato comprometem a integridade do jogo. Ou você quer dizer que o arremesso de basquete de Vernon Davis acaba com o entretenimento do futebol americano ou ameaça a saúde dos adversários?

A discussão pode entrar ainda nos méritos do que seria uma conduta anti-desportiva. Por que Antonio Brown e Vernon Davis recebem a bandeira amarela e os spikes de Gronkowski e o salto triplo de Odell Beckham Jr. não? Eu sou o primeiro a defender todas as formas de manifestação após anotar um touchdown, mas a falta de critério pode prejudicar a imagem da NFL com os fãs e jogadores no longo prazo.

“No Fun League”

A grande preocupação, no final das contas, é como essa vedação faz algum sentido dentro de um setor de entretenimento. Quando eu coloco restrições nas celebrações do jogadores, eu estou criando um óbice para o profissional encontrar alegria, ser espontâneo e extravasar todas semanas, meses e anos de preparo para cada partida profissional.

No futebol americano, poucas coisas são espontâneas – há um enorme rigor mental e físico para jogar em alto nível – e se eu restrinjo o momento de celebração, eu estou lentamente tirando o fator diversão dos jogadores. E isso no longo prazo pode ter um grande impacto para o torcedor, para os fãs, que verão que o jogo em si virou uma simples profissão para os atletas. Não que não seja, mas se não for feito com a energia, explosão e alegria, é ruim para o produto que é a NFL – e não importa o quão proficiente Roger Goodell seja arrecadando dinheiro; é um arranhão na imagem do esporte no geral.

E há quem questione de forma ingênua porque a audiência da NFL está baixa em relação aos anos passados. Os assuntos que tomam os noticiários não são sobre os jogos em si, mas discussões sobre multas, suspensões, atitudes de jogadores extracampo. Bem ou mal, isso aliena o torcedor em relação ao esporte – e eu tenho visto vários fãs de longa data se queixarem disso em diversos fóruns internet afora.

Eu só espero que daqui a uns 8 anos, as comemorações não sejam iguais a do wide receiver Andrew Hawkins, do Cleveland Browns – de forma não irônica. Eu quero mais é Terrell Owens tirando onda na estrela do Dallas Cowboys. A liga precisa ser divertida para o torcedor e o jogador. Se o torcedor não acreditar no produto, não acreditar que aquilo é divertido também para quem está em campo, a relação torcedor-futebol americano pode ser perder. E se um desses dois se desgastar, pode ter certeza que a NFL não será mais a mesma.

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