Era difícil de entender toda a expectativa em cima de Josh Allen no processo pré-Draft. Era evidente que ele possuía os atributos físicos que os scouts de NFL amam, mas essa produção não se via em campo nem nas estatísticas. O Buffalo Bills não estava nem aí pra tudo isso e subiu no Draft de 2018 para selecioná-lo com a sétima escolha geral, efetivamente atrelando os próximos anos da franquia ao desenvolvimento do jogador.
Allen foi forçado a assumir a titularidade muito cedo dado o fracasso do experimento Nathan Peterman – para a surpresa de ninguém – e mesclou bons, maus e péssimos momentos, entretanto, sabendo que o quarterback levaria tempo para se desenvolver num bom jogador e que a primeira temporada seria apenas de adaptação, o torcedor ao menos obteve motivos para criar confiança no futuro da organização com Josh no comando.
O objetivo desse texto é fazer uma expansão de alguns dos aspectos citados na prévia de temporada do Buffalo Bills com relação ao desenvolvimento do jogador. Esse texto está escrito de forma mais pessoal, mas você se acostumará com isso rapidamente. O que ele precisa melhorar? O que ele faz bem o suficiente? Como Brian Daboll pode tirar o melhor de seu quarterback? São algumas das perguntas que tentaremos responder a partir daqui.
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Antes de passarmos pra Allen, vamos falar rapidamente do que está à volta dele. O elenco de suporte do jogador é muito melhor do que se compararmos com sua primeira temporada: ele possui alvos mais capacitados, a linha ofensiva foi de pútrida para competente e até mesmo o grupo de corredores recebeu reforços. Quando falamos do desenvolvimento de Carson Wentz em 2017, a melhora do ataque à sua volta foi o principal catalisador da evolução; isso é um sinal excelente para Josh Allen.
Allen que, aliás, possui uma qualidade que não vimos em Wyoming e que passou batida por todos os analistas no processo pré-Draft: ele é extremamente perigoso correndo com a bola. Em seu ano de calouro, ele realizou scrambles em 11.9% de seus dropbacks, o que foi o segundo maior número da década em quarterbacks com ao menos 20 tentativas – atrás apenas de Michael Vick com 12.0% em sua mágica temporada de 2010.
Isso é sustentável a longo prazo? Certo que não. Você não quer expôr seu quarterback tantas vezes, não importa o quão bom ele seja correndo com a bola. Mas é definitivamente algo que você tem em mente quando monta seu plano de jogo. A supracitada evolução da linha ofensiva deve mantê-lo no pocket mais vezes, o que certamente é bom para a saúde do jogador.
Acredito que o atleticismo é uma qualidade que deve ser valorizada em Josh Allen. Isso faz dele um passador melhor? Não. Mas todo jogador é um conjunto de qualidades e defeitos, e essa é uma qualidade a ser valorizada – e que ninguém imaginava que existia: em Wyoming, Allen não se mantinha no pocket dada a péssima qualidade de sua linha ofensiva, mas não apresentava indícios de que podia ser perigoso quando ele mesmo corria com a bola. Agora, isso será algo que os coordenadores defensivos terão de ter na cabeça.
Como disse na prévia de temporada, os Bills não poderão operar num sistema de passes curtos e rápidos. E a razão disso é que Allen simplesmente não consegue lançar esses passes. Se você me segue no twitter, sabe a ênfase que coloco no trabalho de pés dos quarterbacks e o quão importante é ter uma plataforma de lançamento consistente no momento em que vai fazer o torque para transferir força na bola. Quem tem dificuldades com isso é Jimmy Garoppolo, quarterback do San Francisco 49ers, que costumeiramente não tem uma plataforma consistente e isso faz com que a força de seus lançamentos seja gerada puramente no braço. O resultado disso é que a precisão dos lançamentos é bastante afetada – e é por isso que Garoppolo vez ou outra lança overthrows em recebedores completamente livres. Allen é outro que sofre disso, mas isso acontece com maior frequência nos passes curtos.
Para exemplificar isso, Benjamin Solak (@BenjaminSolak), do The Draft Network e do Bleeding Green Nation, fez um curto vídeo que exemplifica muito bem. Repare que praticamente não há movimento nem rotação dos quadris e que a velocidade desses passes é originada puramente na força do braço. O resultado são passes com precisão afetadas.
Falamos sobre atleticismo, sobre mecânicas e sobre precisão até então. Agora é hora de tocar no que é, de longe, a grande falha de Allen e o fator em que é essencial que ele demonstre evolução quando sua segunda temporada começar: seu processamento mental.
Existem várias formas de diagnosticar o processamento mental de um quarterback. Começa no pré-snap, diagnosticando a cobertura defensiva e fazendo ajustes se necessários. Se estende ao longo do dropback, com o jogador lendo a cobertura que lhe é presentada, entendendo os conceitos de rota e tomando a decisão de onde lançar a bola. E essa decisão final, que naturalmente é a execução, é baseada em toda a informação obtida. Outro conceito muito importante é entender a situação de jogo de um modo geral.
Coordenadores ofensivos dirão que, numa 2nd & long, o importante é conquistar jardas suficientes para que a terceira descida se torne mais fácil de ser convertida (sou contra esse conceito, mas não vem ao caso). Usando uma 2nd & 23 como exemplo e sabendo que os Bills precisam ter algum ganho nessa jogada, Brian Daboll chama um conceito de rotas extremamente simples conhecido como shallow cross. Como você verá, os Titans mostram uma formação com dois safeties, entretanto, o middle linebacker dropará, formando uma Tampa 2 – que, apesar de ser uma variação da cover 2, funciona também como uma cover 3 deep, dado que o recuo do middle linebacker é bastante fundo.
Um spoiler antes das imagens: esse conceito de rotas é efetivo contra essa cobertura.
Logo após o snap, o middle linebacker vira para o lado onde existem três recebedores (no caso, o esquerdo). Com o tight end da direita atraindo o linebacker daquele lado, a crossing route estará completamente livre.
É onde a falha de processamento entra: lance a crossing route, complete o passe, ganhe jardas. Allen não lança a bola – e no vídeo abaixo, você notará que ao invés de lançar para Charles Clay, ele está com os olhos fixados no outro tight end, Logan Thomas. Ele começa seu release, mas desiste e começa a correr para a esquerda por se sentir pressionado. Procura a deep curl de Andre Holmes; marcado. A última opção é Taiwan Jones como checkdown, mas ao invés de lançar para o running back, ele joga a bola no chão. Passe incompleto puramente por péssima tomada de decisão.
É claro que não é uma jogada que resume a carreira ou o atributo de um jogador, mas converse com qualquer analista e ele te dirá a mesma coisa: o grande problema de Josh Allen e que demanda evolução urgente é seu processamento mental. Mais comum do que não, o segundanista fica muito preso em suas primeiras leituras e acaba forçando passes desnecessários.
As vezes, muito mais do que desnecessários.
A boa notícia disso é que decisões ruins podem simplesmente ser cortadas – basta um pouco de inteligência. Parece clichê, mas cabe à Daboll treinar Allen para que não repita tais erros e também ao quarterback que aprenda com os mesmos. Nem tudo é corrigível, mas isso sim – e seria um grande avanço no desenvolvimento do mesmo.
Como você pode melhorar o processamento mental de algum jogador? Estudos, repetições, treino. As informações que chegam de Buffalo são de que Allen é aplicado nesse sentido, então espera-se que haja alguma evolução do tipo. De nada adianta você ter todas as armas físicas se você não consegue executar ou processar o que acontece em campo – dezenas de exemplos estão aí para provar.
As armas físicas é o que permitem a Brian Daboll modelar um ataque com base nas qualidades do jogador. A força no braço de Allen é fenomenal, e ele possui qualidade lançando passes longos. Por motivos óbvios, não se pode lançar longo em toda jogada – não estamos falando de Madden aqui. Mas considere um ataque com diversas armas verticais e que consiga operar com sucesso saindo de play-action? Junte com um jogo corrido que promete ser mais eficiente em 2019 dada a melhora na linha ofensiva e os Bills podem, sim, ter um sistema ofensivo funcional. Importante notar: Allen foi bastante impressionante operando em play-action dentro do pocket em seu primeiro ano.
Isso é lindo de se ver – o grande ponto é: de nada adianta lançar dois passes assim por jogo e fazer cinco ou seis jogadas que são passíveis de turnover: Allen precisa de consistência. Como disse acima, ele não é nem de longe o quarterback mais ideal para operar num sistema com passes curtos e rápidos. Ele precisa limpar suas mecânicas e tomar decisões melhores, o que certamente seriam dois grandes passos rumo à sua ‘confirmação’ como um talento digno de NFL.
Uma das perguntas no início do texto era “como Brian Daboll pode tirar o melhor de seu quarterback?”. Ele fez isso bem em 2018, mudando seu ataque para se adaptar ao melhor de Josh Allen quando este assumiu a titularidade. Ainda assim, com uma offseason inteira para ser trabalhada, o conforto do passador dentro do sistema deve ser ainda maior.
Cortar as decisões ruins é o primeiro e mais essencial passo para que o segundanista consiga desenvolver seu jogo. Consistência, ritmo – coisas que ele precisa adquirir ao invés de ficar dependente de ganhos longos e improváveis para que Buffalo consiga avançar no campo. Na NFL, em 2019, você ganha as partidas pelo ar. Não adianta Allen ser uma arma eficiente pelo chão se ele não consegue passar a bola.
Pessoalmente falando, estou ansioso para ver o que o jogador apresentará em sua segunda temporada. Fui muito duro com Allen no processo pré-Draft e realmente não entendia o que os olheiros viam nele – mas seria de uma arrogância e de uma imbecilidade tremenda torcer para que ele vá mal só para que minhas previsões estivessem corretas ou eu pudesse falar “eu avisei”. Ele tem atributos que podem fazer dele um franchise quarterback – todavia, a estrada de trabalho dele é muito grande.
Eu espero que Josh Allen me prove errado porque não há razões para torcer contra um quarterback na liga – quanto melhor o nível, melhor o espetáculo. E no fundo, todos gostamos de NFL e queremos ver jogos de bom nível. Bons quarterbacks tornam isso muito mais possível.
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