O que o filme “Concussion” com Will Smith não te contou

Ou melhor, “Um Homem entre Gigantes” na genial tradução que a Sony Pictures fez para o Brasil. Não assisti o filme na época de seu lançamento, porque eu tinha certeza que ele seria exagerado e ser um tanto quanto contraproducente falar sobre um filme que, no final das contas, “quer descer o pau” no esporte que eu amo. Era uma situação conflituosa, por isso resolvi “passar” na época. Neste último final de semana, resolvi finalmente assistir ao filme. 

Caso você não saiba do que eu estou falando – e existe uma alta possibilidade de você não saber mesmo, porque não foi um blockbuster – aqui vai a sinopse: 

Dr. Bennet Omalu (Will Smith), neuropatologista forense, diagnostica um severo trauma cerebral em um jogador de futebol americano e, investigando o assunto, descobre se tratar de um mal comum entre os profissionais do esporte. Determinado a reverter o quadro e expôr para o mundo a grave situação, ele trava uma guerra contra a poderosa NFL.

Em resumo, o filme conta como a CTE (Encefalopatia Traumática Crônica, em português) foi descoberta por Omalu após fazer necrópsia em Mike Webster, center do Pittsburgh Steelers na década de 1970 e membro dos quatro times campeões do Super Bowl com a franquia. Webster morreu em condições obscuras ao início da temporada de 2002 – à época fora informado que a causa da morte fora ataque cardíaco. Após a necrópsia, Omalu descobre que o cérebro de Webster estava severamente danificado “após os anos de futebol americano”. Em 2006, outra morte misteriosa acontece – também de um jogador do Pittsburgh Steelers, Terry Long, guard

Você notou alguma coisa estranha nisso? 

Talvez não. A maioria não notou e o próprio Omalu também não. Porque, com toda a humildade do mundo, você tem que entender a evolução histórica da NFL e de suas regras para saber que a probabilidade de casos como Webster e Long são menores em 2016. Ambos jogavam na linha ofensiva e, de fato, sofreram constantes cacetadas na cabeça. Não por colisões “capacete x capacete”, mas por um movimento permitido aos jogadores de linha defensiva. O head slap. Este foi proibido ao final da década de 1970 – ou seja, Long e Webster sofreram anos com eles – e hoje não existe mais em nenhuma partida. Abaixo o mestre do head slap, Deacon Jones (o qual, aliás, cunhou o termo “sack“) executando o head slap várias vezes:

Pode parecer nada, mas era. Principalmente porque na época os defensores passavam fita no braço e depois colocavam-no na água gelada. A fita endurecia e parecia cimento atingindo os jogadores de linha ofensiva. É presumível que jogadores de linha ofensiva sofressem de CTE anos depois. A cabeça deles foi feita de sino. Mas isso não acontece. E não é por conta das pesquisas de Omalu, a própria NFL, de ofício, baniu o movimento ao final dos anos 70.

Não vou negar que sim, o futebol americano é um esporte violento e concussões acontecem. O nome deste site era The Concussion até ano passado justamente porque eu queria que as pessoas vissem que a lesão existia e não era frescura. O que eu vou negar veementemente é que as concussões só acontecem no futebol americano. É uma perseguição estúpida e estou cansado de ver isso. O filme, aliás, não demonstra em nenhum momento que a NFL – após, de fato, negar a relação da CTE com o jogo – finalmente vem tentando agir nos últimos anos.

E vem funcionando. No ano passado a liga reportou uma queda de 35% em concussões num período de três anos. O relatório indica que foram 112 casos em 2014, 148 em 2013 e 173 em 2012. Adicionalmente, concussões resultadas em contato capacete com capacete caíram 43% no período. Esses números todos não despencaram sozinhos do céu. A liga mudou o posicionamento do kickoff para a linha de 35 jardas. O retorno de kickoff, por ter jogadores indo um contra os outros em velocidade quase igual, é a jogada na qual, proporcionalmente, há mais concussões. Para desestimular a jogada “concussante”, a liga vai testar neste ano a touchback gerando a bola na linha de 25 jardas após um kickoff – em oposição ao anterior, com a bola começando na linha de 20 yds. No pop warner (futebol americano para crianças) o kickoff inclusive deve deixar de existir.

E… O filme não fala nada disso. Nada. Se você for leigo no esporte, vai achar que a liga está negando o CTE até hoje.

Enquanto a NFL realmente se mexe – da mesma forma que a FIA se mexeu em 1994 após as mortes de Ayrton Senna e Roland Ratzenberger – você vê as outras ligas fazendo algo sobre? Na Copa do Mundo FIFA de 2014, foram duas concussões NÍTIDAS e os jogadores voltaram a campo depois do ocorrido. Bellini, campeão do mundo em 1958 e 1962, foi diagnosticado com CTE após sua morte. Há casos em outros esportes – notoriamente hockeyrugbyboxe – mas ninguém fala nada. Até no beisebol tem caso de CTE mas ninguém fala bulhufas.

Como a NFL é a liga mais popular dos Estados Unidos, é óbvio que vão fazer um filme sobre. Só esqueceram de contar que a liga vem tentando reduzir tais problemas – porque não é idiota, se não reduzir o esporte acaba em 2050 tal qual a Fórmula 1 acabaria se a FIA não fizesse algo – e que há concussões e diagnósticos de CTE em outros esportes. Mas… Agora você sabe. A propósito, a tentativa de fazer um filme tentando denegrir o esporte (e tão somente ele, quando não deveria ser o caso) não deu muito certo. 35 milhões de custo e 34 milhões de bilheteria nos Estados Unidos. Ops.

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