Os anos de negligência de uma franquia

Andrew Luck, durante os anos de Ryan Grigson, nunca conseguiu desabrochar naquilo que poderia ser

O desgaste, a exaustão mental, a briga constante entre lesões e a vontade de entrar em campo e liderar uma franquia – todas essas discussões vêm à tona com a aposentadoria de Andrew Luck. Três semanas antes de completar 30 anos, um dos mais talentosos e capazes quarterbacks deixa de fazer o único trabalho para o qual se preparou a vida inteira pelo absoluto abatimento mental – e isso não é nenhum sinal de fraqueza. Pelo contrário; é o sinal da fortitude do atleta, tendo a coragem de tomar uma decisão pensando na própria saúde e felicidade depois de romper a cartilagem em duas costelas, parcialmente romper o abdome, um rim lacerado que o deixou urinando sangue, o rompimento do lábio glenoidal no braço direito, apenas para citar as mais populares.

O ciclo lesão-recuperação minou a força de vontade e o prazer de jogar futebol americano para Andrew Luck. O timing da decisão foi absolutamente chocante, especialmente pela promessa da dupla técnico e general manager que instalaram, em 2018, uma nova era em Indianapolis. Só que Chris Ballard e Frank Reich chegaram tarde demais para o camisa 12. Antes de Ballard, Andrew Luck lutou sob Ryan Grigson – e foi desde sua entrada na NFL que o maior prospecto desde Peyton Manning começou a sentir o desgaste mental que acompanhava a corrosão física.

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“Belo hit, amigo”, dizia Andrew Luck para os pass rushers que o derrubavam, pancada atrás de pancada. O recém-aposentado quarterback foi a primeira escolha do general manager Ryan Grigson, que chegou ao estado da Indiana após dois anos como diretor de pessoal com os Eagles, cargo executivo que ocupou depois de anos como scout para a franquia da Philadelphia.

Escolher Andrew Luck com a primeira escolha geral no Draft 2012 não pode sequer ser considerado um acerto de Grigson. Em março de 2012, o glorioso período Peyton Manning chegou ao fim, com o lendário signal caller se despedindo com seu futuro em xeque pela lesão no pescoço que o tirou da temporada 2011. Ryan Grigson, recém-contratado, herdou um time que alcançara um horripilante 2-14 sob a batuta do quarterback Curtis Painter. Sem a sombra da questão Manning pairando, com o dono do time, Jim Irsay, dizendo que o time precisava começar “de novo”, a primeira escolha do Draft 2012 e o maior prospecto a sair do college desde Peyton Manning, Grigson tinha uma raia livre para trazer Andrew Luck e inaugurar uma nova era em Indianapolis.

E assim foi feito. O camisa 12 tomou a NFL e transformou um time de 14 derrotas em um de 11 vitórias, indo para a rodada de Wild Card enfrentar o Baltimore Ravens. O all in ofensivo que Grigson deu naquele Draft trazendo, após Luck, Coby Fleener, Dwayne Allen, T.Y. Hilton e Vick Ballard, estabeleceu uma base sobre a qual o coordenador ofensivo Bruce Arians municiou seu quarterback – Arians foi o efetivo head coach por 12 partidas na temporada, devido ao tratamento de leucemia de Chuck Pagano.

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O time precisava de uma nova identidade defensiva. Em 2012, a defesa era ancorada pelos já veteraníssimos Robert Mathis e Dwight Freeney; em 2013, Freeney deixou o time e a unidade defensiva precisava urgentemente de renovação na sua linha, composta por Cory Redding, Ricky Jean-François e Aubrayo Franklin – que, somados, tinham 93 anos de idade.

Andrew Luck também precisava de ajuda. Foram 41 sacks sofridos na sua temporada de calouro, e se o time tinha qualquer pretensão de evoluir, precisava proteger seu mais valioso bem. Dito isso, Ryan Grigson fez algumas das piores escolhas no Draft 2013 – na primeira rodada, trouxe o edge rusher Björn Werner e “reforçou” a linha ofensiva com o guard Hugh Thornton e o center Khaled Holmes. Werner terminou 2013 com uma partida como titular e 2.5 sacks; terminaria sua carreira na NFL em 2015 com 6.5 sacks e como um dos busts mais impressionantes da década.

Isso sem sequer mencionar na constelação de fracassos que vieram na free agency: o right tackle Gosder Cherilus, que teve um bom começo, nos anos seguintes foi minado por lesões; o guard Donald Thomas que o tirou de quase toda a temporada e LaRon Landry foi suspenso por quatro partidas por usar substâncias para melhorar a performance atlética (se vocês virem uma foto do defensive back hoje, entenderão do que estou falando).

Sabem outra coisa? Foi nesta temporada que Ryan Grigson decidiu mandar uma escolha de primeira rodada pelo running back Trent Richardson, logo após perder Vick Ballard por lesão. Richardson terminaria 2013 com 3.1 jardas por carregada.

E, ainda assim, Andrew Luck conduziu a equipe a mais uma pós-temporada, vencendo a rodada de Wild Card em uma das mais impressionantes viradas da história da NFL contra o Kansas City Chiefs. A derrota veio nas mãos do New England Patriots, mesmo sem uma linha ofensiva sólida e uma defesa capaz de resistir às ofensivas adversárias.

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Durante a gestão de Ryan Grigson, Andrew Luck foi o quarterback que mais foi pressionado por partida; uma média de 16 vezes por domingo. O camisa 12 também era o que mais tomava pancadas entre todos os quarterbacks.

Seria extremamente fácil continuar redigindo um texto histórico mostrando todos os erros de Ryan Grigson no comando do Indianapolis Colts. O trecho sobre o ano de 2013, acima citado, mostra, essencialmente, a grande dificuldade de um general manager sustentar um sucesso rápido se não for apto para o cargo. Eleito o Executive of the Year em 2012 graças ao seu quarterback, Grigson conseguiu efetivamente minar a carreira de Andrew Luck com sucessivos erros de avaliação e prioridades.

Em 2014, sem uma escolha de primeira rodada, o time trouxe o tackle Jack Mewhort no Draft, que, ao lado de Hugh Thornton e Khaled Holmes, só frustraram torcedores do Indianapolis Colts. A linha ofensiva continuava carente, e assinar o center Phil Costa, que se aposentou sem uma partida sequer pelo time, não resolveria qualquer problema. Dos titulares, Anthony Castonzo era o mais talentoso – e segue no time até hoje –, mas, quando falamos de linha ofensiva, uma andorinha só não faz verão.

Nesta temporada, Andrew Luck terminaria com 40 touchdowns, 4761 jardas e 27 sacks, sua menor marca em três temporadas. O time subiu, ainda, mais um degrau na escada da pós-temporada: foi até New England no AFC Championship Game, mas foi batido por 45-7, na partida que ficou mais conhecida por desencadear a investigação das “bolas murchas” – o popular Deflategate.

O ano seguinte foi o primeiro no qual Andrew Luck deixou o campo por motivos físicos. Titular em apenas sete partidas, o quarterback lançou 12 interceptações nesses jogos. O próprio Luck admitiu não ter jogado bem, e com um rim lacerado e cartilagens rompidas, o Indianapolis Colts terminou o ano com um retrospecto de oito vitórias e oito derrotas. Justamente na temporada na qual Ryan Grigson optou por selecionar um wide receiver na primeira rodada, ao invés de tentar reforçar sua defesa com Landon Collins, ou tentar trazer mais estabilidade à linha ofensiva com Donovan Smith, dois jogadores selecionados pouco depois de Phillip Dorsett.

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O Draft 2015 foi, na minha visão, a gota d’água e o degringolar da visão de Ryan Grigson como general manager. A seleção de Phillip Dorsett escancara uma visão rasa do que é essencial na construção de elencos – quando seu quarterback é um nome de elite como Andrew Luck, você precisa protegê-lo e dar ferramentas à comissão técnica para que possa criar um time equilibrado e competitivo. Luck é para lá de capaz de elevar o nível dos recebedores ao seu redor; gastar altíssimo capital num Draft para uma posição redundante é a prova cabal de que Ryan Grigson não aprendeu absolutamente nada nos anos anteriores e escapou ileso da degola profissional pelo puro talento do seu quarterback.

A luz amarela parece ter acendido tarde demais na mente de Ryan Grigson. Em 2016, seu último ano como general manager, encontrou seu único grande acerto de linha ofensiva ao trazer Ryan Kelly para ancorar uma linha ofensiva que há muito carecia de um talento de alto nível no seu interior. Nesta mesma classe, trouxe Le’Raven Clark e Joe Haeg, tentando desesperadamente proteger as joias da coroa.

Nesta, Andrew Luck mostrou um retorno à velha forma – 4240 jardas, 31 touchdowns. Infelizmente, isso quis dizer um retorno à péssima performance de linha ofensiva, com mais uma temporada de 41 sacks sofridos. Foi neste ano que Grigson e o head coach Chuck Pagano viram Andrew Luck forçar seu ombro lesionado para além do que seria prudente e saudável, e plantaram a semente da ausência do seu mais valioso jogador em 2017.

Para sorte do Indianapolis Colts, Ryan Grigson foi demitido antes de mais erros durante a free agency e o Draft 2017.

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Ryan Grigson foi negligente com Andrew Luck. Na sua fé cega de que o talento puro de seu quarterback o pouparia de críticas severas, o ex-general manager foi – e é – um dos principais responsáveis pelo desgaste mental absoluto de Andrew Luck. É responsável direto pela decisão impressionante de um dos mais talentosos e capazes quarterbacks da história da NFL optar por não mais praticar o esporte que tanto amou.

O Indianapolis Colts mostrou, nos anos de Ryan Grigson e Chuck Pagano, o que não fazer a um quarterback de elite. Jim Irsay, dono da franquia, foi demasiado passivo, se refastelando no sucesso de chegar à pós-temporada em 2012, 2013 e 2014, e permitiu que um trem desgovernado esfacelasse seu mais talentoso jogador, a base sobre a qual o time deveria ser erguido, não um Atlas carregando o peso das más decisões e incompetência de uma franquia inteira.

Na NFL, ser leniente com as decisões e inépcias de Grigson traz um custo demasiado alto. Às vezes, o time perde a janela para ir longe na pós-temporada; ou uma equipe perde uma peça-chave de uma unidade e fica mais vulnerável. No caso do Indianapolis Colts, o preço é o mais alto de todos: um dos grandes quarterbacks da geração perdeu o amor pelo seu esporte.

Assim, esta aposentadoria que nos põe a refletir a pouco mais de uma semana da abertura da temporada 2019 sobre os preços e os pesos que o futebol americano profissional impõe aos seus praticantes, lembrem-se que a exaustão de Andrew Luck não é de uma temporada para cá, nem de duas. Desde seu primeiro dia profissional, o camisa 12 esteve numa situação na qual a vasta maioria das escolhas de primeiras rodadas jamais encontraria qualquer sucesso, quem dirá três aparições em pós-temporada nos três primeiros anos. Muito menos o respeito absoluto de todos que jogaram ao seu lado, que o enfrentaram, que o viram se levantar depois de cada pancada.

Andrew Luck é um dos mais fortes jogadores que tive o prazer de acompanhar. Agora, escrevo como um grande fã, um admirador gigantesco do quarterback e um ávido defensor do atleta, desde 2012. Que as franquias aprendam com os (diversos) erros cometidos pelo Indianapolis Colts e não negligenciem a proteção aos gigantes talentos que entram em campo na NFL, domingo após domingo. Que o Houston Texans dê a Deshaun Watson a proteção que ele precisa e merece, e não enxergue o pulmão colapsado que impediu o camisa 4 de pegar aviões no ano passado como “ossos do ofício”. Que o Arizona Cardinals use os talentos atléticos de Kyler Murray como uma arma, não como forma de sobrevivência. Só assim estes brilhantes e talentosos atletas poderão praticar o esporte que amam e encontrar a felicidade em treinar, estudar e serem o melhor que podem ser.

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