Ainda que a pré-concepção adquirida a respeito de Kirk Cousins ao longo da última década tenha sido de que ele não é um quarterback que você gostaria de ter no seu time – e isso tem muito a ver com o fator psicológico, afinal, é evidente a queda de desempenho do jogador em partidas mais importantes -, não existe forma de negar que o jogador tem sido um dos mais eficientes ao longo da temporada de 2019, e seu ótimo desempenho é a causa pela qual o Minnesota Vikings venceu 10 partidas e está classificado para os playoffs.
Dizer que o desempenho de Cousins tem sido muito acima da média não é exagero algum se estamos avaliando por conta de eficiência e não por conta de valor. Em 2019, ele foi apenas o 24º quarterback que mais lançou passes na liga e seus 26 touchdowns foram apenas a 8ª maior marca da NFL; já quando passamos para as métricas que apontam para eficiência, Kirk teve o quarto maior EPA (expected points added, métrica avançada que mede a eficiência ofensiva de um time numa base a cada jogada) entre todos os jogadores da posição com 0.19; de acordo com o Next Gen Stats, da NFL, Cousins foi o 3º quarterback que mais completou passes em relação à média esperada, com 5.6%, atrás apenas de Drew Brees (6.3%) e Ryan Tannehill (8.1%).
Isso não seria surpreendente à primeira vista, afinal, o que aprendemos com Kirk Cousins – especialmente em seu período em Washington – é que ele é excelente quando o ataque à sua volta também é excelente, ou seja: ele é tão bom quanto os jogadores a sua volta e é incapaz de elevar o nível do ataque por si só. Tudo isso seria verdade, se não tivéssemos um dado muito importante para contradizer a afirmação anterior: em 2019, a métrica Pass Block Win Rate, da ESPN, classifica a linha ofensiva como a 10ª pior da liga em termos de proteção, apontando que a unidade, como um todo, consegue bloquear por mais de 2.5 segundos após o snap em 57% das jogadas. Isso fica ainda mais contraditório quando, voltando ao Next Gen Stats, Cousins é o quarterback da liga que mais demora para lançar a bola após o snap, demorando 3.01 segundos em média.
Então, a ideia desse artigo é responder uma pergunta bastante complexa quando avaliamos todas as nuances por trás dela: se a linha ofensiva dos Vikings não é assim tão boa, como Kirk Cousins foi tão eficiente em 2019?
Os Vikings correm muito nas primeiras descidas
Kevin Stefanski, coordenador ofensivo da equipe, é um grande proponente das corridas em 1ª e 2ª descida – especialmente em situações de outside zone. Os Vikings possuem 6% a mais de sucesso nesse tipo de corrida do que a média da NFL, e sabemos que Dalvin Cook é excelente nesse tipo de esquema ofensivo. O que faz com que o jogo terrestre seja tão utilizado nessas primeiras descidas é que a linha ofensiva é a 5ª melhor em termos de prevenção de tackles atrás da linha de scrimmage, embora seja apenas um grupo mediano com relação aos bloqueios no 2º nível.
Tackles atrás da linha de scrimmage, basicamente, diminuem (e muito) as chances de um drive ofensivo terem sucesso – é por isso que os Ravens mandam tantas blitzes, mas isso é assunto pra um outro texto. Embora os Vikings tenham média de 4.5 jardas por carregada, seu rate de sucesso é de apenas 45%. Em resumo: é bom quando Cook consegue explodir para um bom ganho de jardas, mas isso não acontece de forma consistente porque a linha ofensiva não bloqueia tão bem no segundo nível.
Ainda que não exista nenhuma correlação comprovada entre sucesso do jogo terrestre e abertura de espaços para o play-action, grande parte do esquema de play-actions de Minnesota está relacionado também as outsides zones, especialmente com uso dos bootlegs. Um exemplo é de como os Vikings chamam esses conceitos atrelados à uma rota cruzada, que geralmente está livre no meio do campo e gera jardas fáceis no passe.
A eficiência de Cousins está atrelada a seu desempenho sob pressão – prova de que ele realmente está jogando bem em 2019
Até aqui, aprendemos que Minnesota não é um time com tanto sucesso correndo com a bola – apenas é um time com sucesso em evitar tackles atrás da linha de scrimmage. Dessa forma, o time precisará necessariamente passar a bola em algum momento do set de descidas, que é onde começamos a explorar o ataque aéreo e entender melhor porque Kirk Cousins tem, sim, sido um dos melhores quarterbacks de 2019.
O ataque de Stefanski opera numa base under center e, mais do que isso, é bastante simples, com base em jogadas que apresentam três rotas e uma delas sendo vertical. A métrica PBWR só mede jogadores de linha ofensiva, mas no sistema ofensivo dos Vikings, consistentemente temos mais do que os 5 jogadores tradicionais da proteção bloqueando, o que dá um pouco mais de tempo para Cousins explorar o campo. Junte a isso o fato de Minnesota ter os excelentes Stefon Diggs e Adam Thielen como recebedores e esse sistema acaba sendo eficiente – e isso não pode ser medido por métrica avançada; aliás, os bootlegs que foram citados no item acima também geram um tempo maior para que o passador possa soltar a bola.
Ainda falando sobre PBWR, o que melhor tem sido a qualidade de Kirk em 2019 é seu desempenho sob pressão – soa irônico, eu sei. De acordo com o Pro Football Focus, ele é o quarterback da NFL que teve o melhor passer rating nesse tipo de situação desde a semana 5. A pressão chegou, mas Cousins não entrou em pânico quando aconteceu – ele jogou super bem.
O gráfico de Ben Baldwin também evidencia que, apesar da proteção não ser tão boa, a eficiência de Cousins foi fantástica.
O outro fator digno de menção aqui é que Cousins cuidou muito bem da bola em 2019: foram somente 6 interceptações e 3 fumbles perdidos. Não preciso dizer o quanto cuidar bem da bola é bom para um ataque, e o efeito disso medido em números está na supracitada fórmula EPA, que leva em consideração os turnovers sofridos por um quarterback.
Um resumo de tudo isso: apesar da linha ofensiva não ser acima da média, Cousins teve bastante bastante tempo para lançar porque o sistema ofensivo de Kevin Stefanski faz com que Minnesota utilize 6 ou 7 jogadores na proteção constantemente; porém, quando o jogador esteve pressionado – o que aconteceu em 43% de suas jogadas -, ele de fato teve um desempenho muito bom.
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Como dissemos no início do texto, a concepção acerca de Kirk Cousins é de que ele é o popular ‘pipoqueiro’ por seu desempenho em jogos importantes. Agora na pós-temporada, ele terá uma oportunidade excelente para afastar esse rótulo. Isso não depende de uma vitória ou de uma derrota sobre os Saints no próximo domingo: estamos falando aqui do desempenho do quarterback.
Goste dele ou não, é impossível negar que suas exibições em 2019 foram de um nível altíssimo e que justificam os 28 milhões anuais de média que ele já tem garantido dos Vikings até o fim da próxima temporada. A cereja no topo do bolo para justificar o investimento, aí sim, seria liderar seu time numa vitória em janeiro. Seja lá qual o resultado do confronto no Mercedes-Benz Superdome, o general manager Rick Spielman certamente está mais do que satisfeito com seu quarterback nessa temporada.
