Semana 2011: O locaute que mergulhou a NFL no caos

Paralisação imposta pelos donos das franquias chegou a colocar em risco a temporada

Nota do editor: estamos iniciando hoje no Pro Football a ‘Semana 2011’, que abordará ao longo dos próximos dias aquela que foi uma das mais marcantes temporadas da liga tanto dentro quanto fora de campo. 

Ao longo de sua história, a NFL lidou com várias greves e paralisações de trabalho. Nenhuma delas, contudo, foi tão longa e traumática quanto o locaute de 2011, causado por um imenso litígio entre jogadores e donos de franquia por conta das negociações de um novo acordo coletivo de trabalho (CBA). Foi um evento tão traumático que por quase 10 anos tudo mundo imaginou algo do tipo se repetindo em 2021, quando um novo CBA teria de ser assinado. Felizmente não aconteceu, porque as partes já firmaram um acordo de trabalho válido pela próxima década.

Com duração de quatro meses e meio, o locaute de 2011 travou o funcionamento da liga de 12 de março e 25 de julho, impedindo, entre outras coisas, a realização da free agency e dos treinamentos de intertemporada, pois não havia legislação trabalhista regulando a relação entre atletas e franquias. Além disso, a medida também provocou uma guerra entre jogadores e times nos tribunais norte-americanos.

Mas vamos com calma. Antes de mais nada, é preciso entender o que é um locaute e qual a razão para tamanha briga.

Raízes da controvérsia datam de 1993

Um locaute (ou lockout em inglês) é uma espécie de greve dos patrões. Se na greve tradicional são os empregados que cruzam os braços, no locaute são os chefes que interrompem as atividades, negando aos seus funcionários o acesso aos meios de trabalho. Trata-se de uma prática proibida pela legislação brasileira, sendo expressamente vedada pelo artigo 17 da Lei Geral de Greves, mas permitida no direito dos Estados Unidos. O objetivo é colocar pressão nos empregados e endurecer as negociações em proveito dos patrões.

No caso da NFL, os donos das franquias, frustrados pela falta de acordo a respeito do novo CBA, fecharam as sedes das equipes e impediram que os atletas fossem treinar ou se encontrassem com técnicos e médicos, além de paralisarem as operações da liga.

O motivo da briga, como não poderia deixar de ser, foi dinheiro. Antes, porém, cabe um pouco de contexto. Em 1993, NFL e jogadores assinaram um acordo coletivo de trabalho histórico, trazendo inovações importantíssimas como a regulamentação da free agency e a criação do salary cap. Esse acordo foi prorrogado cinco vezes, sofrendo algumas atualizações pontuais, mas mantendo-se estruturalmente igual até 2010.

Em 2006, ano da última prorrogação, o então comissário Paul Tagliabue acertou uma nova extensão por quatro temporadas, mas incluiu uma cláusula permitindo que qualquer uma das partes pudesse pular fora do acordo a partir de 2008. Foi exatamente o que a NFL fez, com os donos alegando que os custos estavam muitos altos e a distribuição de dinheiro injusta.

Locaute e guerra nos tribunais

Em 2008, os donos pleitearam um novo acordo de trabalho a ser firmado dois anos depois, quando o que estava em vigência chegaria ao fim. Também decidiram que não haveria salary cap em 2010, pois seria a última temporada do CBA. Dallas Cowboys e Washington Redskins, aliás, quiseram ser muito espertos abusando dos gastos nesse ano e posteriormente acabaram punidos, mas essa é uma outra história.

Pois bem, chegamos então a 2010. As principais reivindicações dos donos eram a redistribuição da receita total da liga – à época, a porcentagem ficava na casa dos 55/45 para os jogadores -, a inclusão de mais duas partidas no calendário da temporada regular e o tabelamento dos contratos de calouros, o que reduziria substancialmente a remuneração dos jovens que entravam na NFL.

Os atletas, representados pela NFLPA, não cederam e difíceis negociações sucederam-se por vários meses. No dia 04 de março de 2011, data em que o CBA iria expirar, chegou-se a um consenso para prorrogá-lo por uma semana a fim de oferecer mais tempo às partes, o que acabou não adiantando nada.

À meia noite do dia 12 de março de 2011, o antigo acordo de trabalho extinguiu-se e os donos das franquias deflagraram o locaute como resposta ao abandono das negociações por parte da NFLPA. O sindicato, por sua vez, dissolveu-se, abdicando do seu direito de negociar coletivamente em nome dos atletas. Isso significava que estes agora poderiam litigar individualmente contra a NFL, o que gerou uma chuva de processos de jogadores e ex-jogadores baseados em leis antitrustes dos Estados Unidos. Entre os que processaram a liga tivemos nomes como Tom Brady, Peyton Manning, Drew Brees, Mark Vrabel e vários outros.

Outro desdobramento jurídico foi a batalha nos tribunais em relação à legalidade ou não do locaute. Entre os meses de abril e junho, decisões contra e a favor da medida foram proferidas nas cortes norte-americanas, mas como nunca havia nada de definitivo, o locaute acabou se arrastando por vários meses, até que as partes finalmente se acertassem.

Donos conseguem o que querem e a paralisação chega ao fim sem maiores danos

A NFL tinha vários planos de emergência caso o locaute se estendesse por tempo indeterminado, incluindo acabar com as semanas de folga, adiar o início da temporada regular e mesmo um calendário com apenas oito partidas. Contudo, nada disso foi necessário. O único jogo cancelado em 2011 foi o Hall of Fame Game, que seria disputado entre Chicago Bears e St. Louis Rams no dia 22 de julho.

Em meados do mês de junho, os lados sentaram na mesa e voltaram a conversar. No dia 21 de julho, os donos aprovaram por 31 a 0 um novo acordo coletivo de trabalho – o Oakland Raiders se absteve -, o qual seria ratificado quatro dias depois pela renovada associação dos jogadores. Assim chegou ao fim o locaute e a paralisação de mais de quatro meses.

Os proprietários das franquias tiveram boa parte de suas reivindicações atendidas, incluindo uma nova divisão nas receitas totais da liga (53% a 47% em seu favor) e o tabelamento dos contratos dos calouros. Já a proposta de ampliação do calendário de 16 para 18 partidas não foi aceita e segue até hoje como motivo de polêmica.

Os jogadores, por sua vez, conseguiram restringir o número e a carga dos treinamentos de intertemporada e impor aos donos um gasto mínimo de pelo menos 89% do salary cap, além de aumentarem o salário mínimo da liga, conquistarem garantias contra lesões e ganharem mais benefícios para atletas aposentados.

Com a NFL voltando a funcionar no final de julho, as franquias tiveram pouquíssimo tempo para colocar a casa em ordem. O que se viu nos dias seguintes foi uma corrida para começar os Training Camps, trocar jogadores e assinar com free agents e escolhas do Draft – o recrutamento, aliás, não foi prejudicado pelo locaute. Coisas que levariam semanas para serem acertadas precisaram ser resolvidas a toque de caixa, em poucos dias ou até mesmo horas.

No final das contas, a maior paralisação de trabalho da história da NFL não afetou diretamente o andamento da temporada regular de 2011, o que hoje em dia parece até um milagre. Desde então, a liga nunca mais mergulhou em um caos trabalhista de tamanha dimensão, embora um ano depois tivesse que lidar com a famosa greve dos árbitros.

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