Após o sexto título de Super Bowl, marca inédita para qualquer jogador na história da NFL, ainda havia uma resistência de alguns fãs do futebol americano quanto ao status de “Maior de Todos os Tempos” para Tom Brady na posição de quarterback. Os argumentos já não giravam tanto em contrapor Brady a outros da posição, mas de contestar os feitos como se não houvesse tanto mérito assim por parte do camisa 12.
“Quarterback de Sistema”
Tais argumentos giravam em três pontos, principalmente. O primeiro é que Tom Brady dava certo apenas porque estava num lugar mais fértil para se desenvolver e porque havia boas peças ao redor dele. Há muito discordava de tal ponto e exemplifiquei mais de algumas vezes com o elenco de recebedores que Brady carregou ao AFC Championship Game de 2006: Troy Brown, Reche Caldwell, Erick Davis, Keron Henry e Michael McGrew. Os três últimos sequer página na Wikipedia tem.
Brady de fato teve um elenco de recebedores dos mais fortes nesta temporada – discutivelmente o melhor da NFL. Chris Godwin é um senhor #2, Mike Evans uma máquina na red zone, Scotty Miller um calouro veloz e ágil para sair do slot. Sem contar Antonio Brown, que chegou no meio da temporada, e ainda os tight ends. Mas um grande ponto ainda ficava em aberto quando a temporada começou: Brady só rende em sistemas de passes curtos, com checkdowns e os running backs fazendo todo o trabalho.
Por si, o argumento é raso pois em essência todo quarterback é um quarterback de sistema. Bons sistemas melhoram quarterbacks. Isso foi verdade com Joe Montana na West Coast Offense, com Jim Kelly na K-Gun Offense lotada de No-Huddle e também seria com Brady no período patriota ou mesmo com Aaron Rodgers em 2020, líder em touchdowns no play-action e com movimentação antes do snap.
Nos Buccaneers, Brady se reinventou como quarterback. Em 2019, ele teve 7 touchdowns em passes para mais de 15 jardas. Em 2020, a marca foi para 11. Aparte disso, seu rating em passes assim chegou a 94.4 de 100 possíveis (QBR). O sistema de Tampa Bay é predicado na verticalidade, em oposto aos passes mais curtos que Tom Brady teve de rodar nos últimos anos em New England. Aos 43 anos, ele mostrou ainda ser capaz de conectar em profundidade no mesmo passo de outros grandes quarterbacks da atualidade, como Rodgers, Josh Allen e seu adversário no Super Bowl, Patrick Mahomes. O sistema mudou – mas Brady seguiu vitorioso.
“Bill Belichick que faz o cara ir bem”
Outro argumento bastante usado para descrever Tom Brady – ou de certa forma diminuir seus feitos – era a tutela de Bill Belichick durante toda sua jornada como quarterback profissional. Brady entrou na liga em 2000 e Belichick foi seu treinador por 20 temporadas. É inegável que há uma impressão digital de Belichick no profissionalismo e ética profissional do quarterback. Ele dificilmente dá declarações polêmicas em coletivas de imprensa, se porta de maneira humilde com o público na maior parte das vezes e demonstra um respeito imenso pelo jogo e oponentes.
Além disso, é óbvio que o trabalho da comissão técnica dos Patriots melhorou Brady como quarterback – em especial no início da carreira, como já falamos aqui no site acerca do trabalho do então coordenador ofensivo, Charlie Weis, com o então segundanista Thomas Edward. De toda forma, o que acaba ficando por contraste é que a última ida para os playoffs de Bill Belichick sem Tom Brady como quarterback é em 1994, ainda pelo Cleveland Browns. Nas três temporadas em que Belichick não teve Brady à disposição em New England – 2000, calouro; 2008, machucado na Semana 1; 2020, fora do time – o treinador não levou a franquia de Boston para a pós-temporada.
Claro, contexto é necessário e este não é um artigo com o escopo de bater em Bill Belichick, que é cercado de méritos e tem oito anéis de Super Bowl como coordenador defensivo e head coach. Em 2000, os Patriots estavam instaurando o sistema de Belichick, dado que era seu primeiro ano. Em 2008, a AFC East ficou casca grossa com Miami na Wildcat Offense e o New York Jets tendo Brett Favre, os Patriots ficaram fora dos playoffs mesmo tendo 11 vitórias. Em 2020, houve vários opt-outs por conta da pandemia – nenhum time sofreu tanto com isso do que os Patriots – mas ao mesmo tempo, o Bill Belichick General Manager teve culpa no cartório (ou foi o cão dele, vai saber). De toda forma, o contraste é que sem Belichick, sem Josh McDaniels, sem o Gillette Stadium, sem tudo isso, Brady chegou novamente no Super Bowl.
“A Conferência Americana é uma várzea, pro Brady ganhá-la é mais fácil que Cruzeiro ou Atlético ganharem o Campeonato Mineiro”
Entre 2001 e 2019, com 19 temporadas aferidas, Tom Brady foi campeão da Conferência Americana em nove oportunidades. Jogando pelo menos dois jogos na temporada, foi campeão da AFC East em todas os anos menos em 2002. Mesmo que até 2019 ele tivesse aproveitamento[foot]porcentagem de vitórias[/foot] maior contra a NFC North/South, AFC North/South, ainda havia o ponto de que “ele jogava numa divisão fraca”.
Isso caiu também por terra nesta temporada. Brady tem a mesma quantidade de títulos da Conferência Nacional que Drew Brees e Aaron Rodgers – mesmo jogando em apenas um ano na NFC. Ademais, contando com as vitórias sobre a NFC em Super Bowl, ele tem a mesma quantidade de vitórias em playoffs contra a conferência (8) do que Drew Brees e Russell Wilson. A ideia não é menosprezar esses outros quarterbacks citados, os números deles são o esperado por grandes jogadores da posição. É justamente mostrar como Brady é realmente fora da curva e, principalmente, como argumento de fraqueza da AFC não se sustentava antes e não se sustenta agora. Ademais, nos 10 Super Bowl entre 2001 e 2019 nos quais Tom Brady não esteve, a AFC venceu 6.
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Como dito, a ideia aqui não é desmoralizar Belichick ou a comissão técnica dos Patriots. Tampouco dizer que Brady é bom e que o resto é um lixo. Muito pelo contrário. O fato de Brady conseguir se descolar dessas lendas em números, títulos e todo o mais – bem como ir bem já em seu primeiro ano como quarterback fora do Patriot Way demonstra sua grandeza e quebrou narrativas. Brady ajudou os Buccaneers a serem o primeiro time na história da NFL a jogar o Super Bowl no seu próprio estádio. Pode caminhar para o sétimo título, algo que nem Michael Jordan conseguiu na NBA – isso tudo aos 43 anos. Estamos testemunhando história. Não importa o que acontecer no placar de domingo: 2020 foi a Afirmação de Brady como Maior de Todos os Tempos.
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