As contusões que minaram a carreira de Andrew Luck

Lentamente, uma sequência de lesões foi acabando com a carreira do ex-quarterback do Indianapolis Colts, progressivamente o afastando do campo de jogo, até desaguar no anúncio da aposentadoria nesta última semana

Contusões são parte inevitável da vida e da carreira de jogadores de futebol americano. Quando pensamos que um jogador da NFL provavelmente jogou quatro anos no high school e mais quatro no college, um veterano da liga já tem mais de uma década de exposição a lesões. Dentro desse raciocínio, é importante ressaltar que contusões frequentes significam um processo quase constante de reabilitação e, consequentemente, de dor. Dor contínua.

Diante da aposentadoria precoce e surpreendente de Andrew Luck, muito por conta de contusões frequentes, vamos utilizar a carreira do agora ex-quarterback do Indianapolis Colts como exemplo daquilo que, muitas vezes, é lugar comum para jogadores da NFL.

2015

O início da carreira de Andrew Luck na NFL transcorreu sem grandes problemas físicos. Seus três primeiros anos nos Colts foram de relativa tranquilidade sob o ponto de vista físico. A partir de 2015, no entanto, o que se viu foi bem diferente.

Ainda no início de seu quarto ano na liga, Luck sofreu uma torção no ombro direito. Esta lesão fez com que o quarterback perdesse alguns jogos naquele ano, e foi o prenúncio de muitos problemas na mesma articulação. Na mesma partida em que sofreu a lesão no ombro, Luck também rompeu a cartilagem de duas costelas (simplificando, duas”quase-fraturas”, associadas à muita dor). Naquele mesmo fatídico ano, veio aquela que provavelmente foi a lesão mais assustadora da carreira de Andrew Luck: no dia seguinte a um jogo contra o Denver Broncos, o quarterback dos Colts acordou com dor intensa e urinando sangue. Ele havia sofrido uma laceração renal e a ruptura de um músculo do abdome. Esta grave lesão finalizou o 2015 de Andrew Luck.

2016

Em 2016, Andrew Luck só perdeu um jogo por conta de contusões. Especificamente, por uma concussão. Foge do objetivo deste artigo, mas é extensamente conhecido o impacto das concussões nas carreiras (e nas vidas) dos jogadores de futebol americano. Além disso, nesse ano, Luck ainda sofria com dores no ombro, relacionadas à contusão sofrida em 2015.

2017

Na intertemporada, no início do ano, Andrew Luck se submeteu a uma cirurgia no ombro direito, para reparar o labrum (membrana que protege a articulação do ombro). As dores e a perda de força em seu braço de lançamento fizeram com que Luck perdesse toda a temporada 2017, colocando em dúvida sua capacidade de retorno à NFL. Neste intervalo, o quarterback foi submetido a diversas terapias de reabilitação, inclusive fora dos EUA, na tentativa de voltar a jogar.

2018

Contrariando muitos rumores e expectativas, que indicavam que talvez não pudesse voltar a jogar, em 2018 Andrew Luck não apenas retornou ao posto de quarterback titular dos Colts, como teve uma ótima temporada. Tudo parecia estar se encaixando um pouco melhor para o jogador.

2019

Ao longo de toda a intertemporada, Andrew Luck vinha lidando com o que inicialmente parecia ser uma lesão na panturrilha direita. A questão foi se arrastando ao longo dos treinos de intertemporada e do início do training camp. A cada dia, Luck parecia mais longe do campo de jogo, com rumores surgindo sobre um componente articular na lesão, que envolveria também o tornozelo do jogador. Nesta última semana, foi revelado que Andrew Luck havia decidido que não queria mais submeter seu corpo às lesões e às dores relacionadas à reabilitação contínua.

Corpo, limites e decisões

Quando uma notícia tão surpreendente e impactante como a da aposentadoria de Andrew Luck surge, o processo é sempre o mesmo. Entre o choque e a surpresa por uma decisão desse tipo, sempre há quem prefira minimizar o que o atleta sente, considerando que o mesmo está desrespeitando sua equipe e seus torcedores; outros questionam a “dureza” do jogador. Finalmente, há aqueles que mencionam os valores elevados que jogadores da NFL recebem para relativizar a magnitude da dor e da pressão física e mental pela qual esses jogadores passam.

Fãs e jornalistas passam muitas horas em torno da liga e de seus jogos. Três horas e pouco em cada partida, além de um sem número de minutos, horas e dias lendo e procurando informações sobre a NFL, suas equipes e seus jogadores. Mas a maior parte de nós não sabe o que é sentir dor todos os dias, por vários anos.

O jogador da NFL sabe com o que vai lidar ao entrar na liga. Sabe que vai se machucar, vai sentir dor, vai ter que se reabilitar após contusões o tempo todo. Mais do que isso, sabe que pode lidar pelo resto da vida com as consequências (para o corpo e para a mente) daquilo que acontece em campo. Ele já sabe disso, até porque já vem lidando com isso por muitos anos, desde bem antes de receber o primeiro salário.

Cada pessoa é dona do seu corpo, dos seus limites e das suas decisões.

Assim, quando um grande jogador, como Andrew Luck, decide que não dá mais, não nos cabe minimizar ou relativizar sua dor. Só cabe lembrar o grande jogador que ele foi.

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