Ou nem tão nova assim. Dos criadores de WWE, temos a reencarnação da mal-fadada empreitada de 2001: a XFL. Para você que não está a par do que aquilo foi, em resumo posso dizer que uma grande mistura de wrestling e futebol americano. Tal como uma churrascaria que faz sushi e carne, não conseguiu nenhum dos dois lados bem. A liga, chega de problemas, mal chegou à final e durou só uma temporada.
Vince McMahon, amparado por um estudo de três anos atrás que indicou que havia “sede” de mais futebol americano após o Super Bowl, comprou a ideia. Ou melhor: resgatou a ideia. McMahon, todo poderoso da WWE, parece ter aprendido com os erros: a nova versão da XFL é, em muitos sentidos, oposta à bagunça original.
Vai dar certo? Bom, a última liga que bateu de frente com a NFL e razoavelmente deu certo foi a American Football League, de 1960 a 1970 – mas, contando o fim da história, você a conhece hoje como Conferência Americana. É difícil apostar nisso. De toda forma, há uma inclinação para que, sim, dê certo.
a) Tem dinheiro para bancar: o apostador no rolê é Vince McMahon, bilionário do wrestling que parece ter um plano em mente. No caso da AAF, não havia esse fator… Bem, importante.
b) Tem um contrato de TV: jogos serão transmitidos em TV aberta nos EUA, na FOX/ABC (com os canais irmãos, FS1 e ESPN americana, também transmitindo). Aqui no Brasil, as transmissões serão na ESPN (apenas os jogos da ESPN americana/ABC).
c) Não há afiliação/competição com a NFL: isso, por si, já ajuda. Por um lado, porque a liga não deve perder jogadores para a liga maior no meio da temporada; segundo porque a competição direta com a NFL seria completamente kamikaze.
Calendário, forma de disputa e times
A competição começa neste final de semana e já temos transmissão no Brasil – este que vos escreve comenta Dallas x St. Louis às 19h de domingo, na ESPN.
i) São 10 jogos de temporada regular em sábados e domingos
ii) O calendário de temporada regular começa no dia 8 de fevereiro e acaba no dia 12 de abril
iii) Depois da temporada regular, há duas semifinais (19 e 20 de abril) e uma final dia 26 de abril (domingo no dia seguinte ao terceiro dia de NFL Draft).
São 8 times. Eles jogarão em estádios da NFL, ex-estádio da MLB , College Football e MLS. Vamos a eles.
- Dallas Renegades (Globe Life Park, ex-casa do Texas Rangers da MLB)
- Houston Roughnecks (TDECU Stadium, College)
- Los Angeles Wildcats (Dignity Health Sports Park, MLS e ex-Chargers)
- D.C Defenders (Audi Field, MLS)
- St. Louis BattleHawks (The Dome at America’s Center, ex-Rams/NFL)
- New York Guardians (MetLife Stadium, Giants/Jets/NFL)
- Tampa Bay Vipers (Raymond James Stadium, o Raimundão, Buccaneers/NFL)
- Seattle Dragons (CenturyLink Field, Seahawks/NFL)
Como se vê, a ideia foi colocar times em cidades que já contam com a presença da NFL. Com exceção a Chicago, dois dos três maiores mercados consumidores dos Estados Unidos estão representados com Nova York e Los Angeles. A ideia, portanto, é corresponder àquele estudo sobre a “sede” de futebol americano após o fim da temporada da NFL. Em colocando franquias que já contam com times da NFL, a chance de achar pessoas com essa sede é maior.
Assim, das oito franquias da XFL, sete estão em cidades da NFL – a que não está é um dos maiores mercados sem franquia e que teve os Rams de 1995 a 2015, St. Louis.
Em essência, jogos com menos paradas e mais rápidos (e com mais pontos)
A principal diferença da XFL para a NFL não reside em closes que os câmeras farão nas saias das cheerleaders. Acredite ou não, isso aconteceu na reencarnação original da liga em 2001 e a ideia é que o público esqueça disso. Para dar um verniz de credibilidade, McMahon contratou Oliver Luck para ser o comissário da liga. Sim, o sobrenome é familiar – é o pai daquele quarterback que você já deve ter ouvido falar e que infelizmente se aposentou em agosto.
Oliver enfatizou em suas coletivas de imprensa quanto ao passo do jogo. Para ele e o VP de operação de futebol americano da nova liga, um jogo ideal da XFL teria placar de 34 a 28 e seria jogado em no máximo duas horas e 45 minutos (25 a menos do que a média dos jogos da NFL). “[Quero] um passo mais rápido com mais empolgação, menos paradas e interrupções”, disse Luck.
Nesse sentido da explosão de pontos, há a possibilidade de dois passes para frente na mesma jogada – desde que o primeiro não rompa a linha de scrimmage.
Como a liga fará isso? De várias maneiras.
i) Não haverá desafio de treinador, apenas a arbitragem, de ofício, pode rever jogadas (como no College)
ii) A liga terá 8 árbitros – o oitavo, que não existe na NFL, terá a função exclusiva de colocar a bola no campo para o próximo snap
iii) Assim que a bola for colocada em campo haverá um play clock de 25 segundos para a próxima jogada (na NFL são 40)
iv) O relógio não para com passe incompleto. Ele só para com o jogador saindo do campo nos dois minutos finais de cada tempo. Na NFL, ele para nos passes incompletos e para nos dois minutos finais do segundo quarto e cinco minutos finais do último quarto
v) Técnicos terão apenas dois tempos para pedir por metade de jogo – na NFL são três. O intervalo será de apenas 10 minutos.
Não há ponto-extra
Yup, você não poderá ir ao banheiro imediatamente após o touchdown. Na XFL, não há ponto bônus por meio de chute. No caso, há três opções para um time após um touchdown:
- Buscar 1 pt com uma jogada de scrimmage/conversão da linha de 2 yds
- Buscar 2 pts saindo da linha de 5 yds
- Buscar 3 pts saindo da linha de 10 yds
Além de virtualmente impedir que empates aconteçam, essa regra pode favorecer bastante que haja viradas e que o jogo fique com significado até o fim. Lembra quando um time estava nove pontos atrás e falávamos “há duas posses de diferença”? Não vale isso na XFL, dado que um touchdown + conversão da linha de 10 jardas vale nove pontos.
Vale lembrar, ainda há punts e kickoffs – bem como field goals, que seguem valendo três pontos.
“Disputa de pênaltis” na prorrogação
Sim, você leu isso. Ou quase. Calma, a ideia absurda que você já deve ter lido alguma vez no twitter de que os kickers se alternem em cobranças de field goals não foi adotada na XFL. Mas é parecido. Se por algum milagre houver algum empate – coisa que é improvável pelo fato do touchdown quase que automaticamente não valer 7 pontos – há um método rápido para solucioná-lo.
Aqui, de fato a XFL aprendeu com seus erros de 2001. Na primeira partida, o Saturday Night Live que vinha em sequência na NBC acabou atrasando, para a fúria dos executivos da empresa, por conta de uma prorrogação longa na primeira partida da temporada.
Na XFL, você terá a seguinte prorrogação: cada time tem cinco jogadas para marcar da linha de 5 yds. Tal como na disputa de pênaltis do futebol, se o empate seguir, de maneira alternada eles farão isso até um dos times conseguir a conversão e o outro não.
Jogadores não tão famosos – e técnicos
A XFL tinha uma decisão a tomar: contratar estrelas que correriam o risco de perder já nos primeiros meses de temporada ou voar mais baixo e, com a segurança de atletas menos badalados, ter treinos com eles desde dezembro para que os jogadores estejam entrosados e apresentem bons jogos?
A liga, acertadamente, não foi com sede ao pote e optou pela segunda opção. Ainda, a XFL fugiu de nomes famosos como Johnny Manziel ou Colin Kaepernick. Ainda, Luck e McMahon evitaram ir atrás de jogadores do college que ainda estão sob a regra do NFL Draft de “você tem que ter três anos de formado no Ensino Médio para estar elegível para a NFL”. Assim, o foco foram veteranos que já tiveram passagem na NFL ou alguns que não tiveram essa chance.
Como dito, a ideia era ter treinos já no início de dezembro para que a química acontecesse e jogadas ritmadas e com timing, tão necessárias no futebol americano, acontecessem como devem. Dos 416 jogadores na liga, 207 já passaram pela NFL em 2019. Ainda, o objetivo foi contar com técnicos experientes para o projeto. Alguns são nomes que você conhece. Jerry Glanville, o coordenador defensivo de Tampa Bay, já foi head coach por anos na NFL. O mesmo vale para Jim Zorn, June Jones e Marc Trestman – os dois últimos também passaram pela CFL. Bob Stoops, campeão de 10 títulos da Big XII com Oklahoma, também está entre os treinadores da XFL.
Entre os jogadores, preciso dizer que há poucos que você reconhecerá. Listei cinco abaixo.
1. QB Landry Jones (Dallas) – ex-Steelers
2. QB Cardale Jones (Washington) – ex-campeão do college
3. DE Kony Ealy (Houston) – jogou bem no Super Bowl 50
4. RB Christine Michael (St. Louis) – ex-Seahawks
5. P Marquette King (St. Louis) – punters também são gente
O que as outras ligas que competiram com a NFL erraram e que a XFL deve aprender
A torcida é para que dê certo. A USFL, nos anos 1980, sobreviveu bem algumas temporadas e chegou até a ser mais ousada, indo atrás de estrelas saídas do college – Herschel Walker, Jim Kelly e Reggie White como exemplos. Num primeiro momento, é melhor que a XFL aprenda com os erros das antigas empreitadas para não cair em esquecimento. E parece ter feito isso. Quais erros?
a) USFL: Após Donald Trump comprar a franquia de Nova York, começou uma caçada para mudar o calendário da liga para setembro e competir diretamente com a NFL – a liga entrou em falência.
Leia mais: Quando Donald Trump destruiu a USFL, a última liga rival da NFL
b) UFL: Não tinha exposição televisiva
c) XFL original (2001): Tinha regras absurdas, como dois jogadores indo de encontro um ao outro para a posse da bola em vez do cara ou coroa (na primeira partida um atleta se machucou fazendo isso) e outras bizarrices. Times não tiveram treinos o suficiente antes da temporada e a liga mal durou até o final da primeira temporada.
Leia mais: Mistura de WWE com futebol americano, XFL vira documentário exibido hoje pela ESPN no Brasil
c) AAF (2019): Era meio que subjugada à NFL, os jogos eram difíceis de encontrar para assistir e, no final das contas, o dinheiro acabou.
Leia mais: AAF: a liga que não foi
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Agora você já sabe o básico. A ideia de um jogo com passo mais rápido e o cuidado que a liga teve para treinar todo mundo desde dezembro são esmeros que a versão original da XFL não teve.
Parece tudo mais organizado do que a versão original de 2001 ou mesmo a AAF do ano passado. Ao menos, temos meio que a garantia de que há dinheiro para bancar a brincadeira até o final da temporada, em abril. As TVs americanas sequer estão pagando pela liga, apenas cobrirão os custos de produção das transmissões – então é uma aposta de todo mundo, mas sobretudo de McMahon.
Torçamos para que dê certo. Afinal de contas, não é nada mal ainda termos futebol americano em fevereiro.






