Em cada temporada da NFL, sempre vemos alguma tendência estratégica se destacar, seja na defesa ou no ataque. Nos anos subsequentes, as equipes se adaptam e, frequentemente, a vantagem obtida acaba desaparecendo. Neste ciclo de “inovações” (em geral não tão novas assim) contra reações, o esporte evolui ao longo dos anos (e décadas).
Nas temporadas mais recentes, algumas dessas tendências que obtiveram sucesso na liga incluem o uso de múltiplas rotas em profundidade, associadas a movimentações laterais dos recebedores, criando aberturas na defesa. Esta estratégia ofensiva tem sido utilizada com bons resultados por equipes como Washington e Pittsburgh. Outro destaque recente é o uso de safeties/linebackers híbridos (os chamados “moneybackers“), capazes de atuar contra o jogo corrido e marcar tight ends e slot receivers. O melhor exemplo é como atua Deone Buchannon na defesa do Arizona Cardinals.
Apesar desses (e outros) exemplos mostrarem a constante evolução do jogo na NFL, é raro vermos uma inovação esquemática tomar de assalto a liga como aconteceu com o Wildcat em 2008. A formação, empregada inicialmente pelos Dolphins, trouxe o caos para as defesas da NFL (particularmente para o poderoso New England Patriots). Claro que, como sempre acontece, outros times “roubaram” a estratégia de Miami, sem o mesmo sucesso.
Hoje, no último dia de Semana 2008 aqui no Pro Football, vamos falar sobre a formação Wildcat. Além das origens históricas do Wildcat (vale lembrar que quase nada é realmente novo), falaremos sobre como os Dolphins utilizaram a formação e do seu impacto em toda a liga em 2008.
Wildcat: princípios estratégicos
A ideia básica do Wildcat, como utilizado pelos Dolphins em 2008, é uma questão de números: com um running back instalado na posição de quarterback, “sobra” um bloqueador, em geral o outro running back (ou wing tight end/wing back). Dentro desde raciocínio, o quarterback “tradicional” é visto, em jogadas de corridas, como quase… um inútil, que não bloqueia para o running back nem oferece uma ameaça de correr por conta própria. É claro que isso é um exagero mas, diante da perspectiva de se ter várias possíveis corridas embutidas em uma, com bloqueadores extras e até mesmo uma opção de passe (pelo próprio running back), o Wildcat se mostrou uma alternativa ofensiva interessante.
No alinhamento mostrado acima, o running back recebe o snap, tendo diversas opções. Pode fazer o handoff para o wingback que cruza a formação, correr por conta própria em qualquer dos gaps ou, finalmente, passar a bola.
Wildcat: origens históricas
Sabe aquela velha história de “nada se cria, tudo se copia”? Na NFL é mais ou menos assim. Desvendar as origens de uma inovação não é uma tarefa fácil. Até porque os técnicos que “criam” esquemas novos são sempre influenciados pelo que conheceram em momentos anteriores. Assim foi com o Wildcat.
A estratégia empregada pelos Dolphins com sucesso em 2008 é derivada do single wing, um dos esquemas mais antigos em toda a história do futebol americano. Neste sistema, o quarterback (chamado de tailback), recebe o snap no shotgun, executando um handoff para outro running back (ou o wing back, que dá o nome ao sistema, se posicionando no backfield, mas no final da linha de scrimmage – quase um tight end), correndo ou lançando a bola.
No Wildcat, o princípio do snap direto se mantém, mas com maior variedade de formações. O quarterback (em geral um running back ou wide receiver) tem a opção de realizar o handoff para um dos outros corredores (alinhados em formações diversas, como T, single wing, double wing, entre outras) ou de segurar a bola para corrida ou passe.
A “paternidade” do Wildcat é contestada (“Chama o Ratinho!”- não, por favor). A versão empregada pelos Dolphins em 2008 veio do técnico de quarterbacks da equipe na temporada, David Lee, que trouxe o esquema da Universidade de Arkansas. Em Arkansas, o coordenador ofensivo Gus Malzahn – hoje head coach em Auburn – instalou o sistema com sucesso, utilizando-se dos running backs Darren McFadden e Felix Jones.
Quem disputa com Malzahn o título de “criador” do Wildcat é o Hugh Wyatt, técnico de futebol americano em diversos níveis (principalmente em escolas secundárias). Wyatt, adepto do single wing e de suas derivações desde os anos 70 do século XX, começou a utilizar jogadas com snap direto para o running back no início dos anos 90, já com o nome de Wildcat.
Hugh Wyatt não se acanha em se assumir como inventor do Wildcat, tendo declarado em entrevistas que “acha que Gus Malzahn tem memória seletiva”. Independente de sua origem, o mais importante, ao menos hoje, é lembrar do sucesso do Wildcat com o Miami Dolphins na temporada 2008 da NFL.
O sucesso do Wildcat em 2008
Na semana 3 da temporada 2008, o Miami Dolphins já estava com problemas. Com nenhuma vitória e 2 derrotas, além de uma visita do New England Patriots, já havia uma percepção dentro da equipe que era necessário fazer algo diferente. Então David Lee, sabendo da experiência prévia do running back Ronnie Brown na posição de quarterback, sugeriu importar o Wildcat de Arkansas.
No jogo, os Dolphins surpreenderam com a formação em que os running backs Ronnie Brown e Ricky Williams se posicionavam como quarterback no shotgun e wingback respectivamente, enquanto o quarterback Chad Pennington se alinhava como wide receiver. A defesa dos Patriots não estava preparada para defender esta nova arma de Miami. Naquele jogo em Foxboro, das seis vezes em que os Dolphins utilizaram esse alinhamento, em quatro o resultado da jogada foi touchdown (com Brown correndo e lançando touchdowns).
Ao final, vitória dos Dolphins por 38 a 13. Em pleno Gillette Stadium, foi Miami quem fez barba, cabelo e bigode (minhas sinceras desculpas…). Era notório como Bill Belichick derretia no sol sem saber o que fazer para combater a formação. Obviamente ele a conhecia e sabia que estava vendo algo derivado da single wing – como notório estudioso do jogo que é. Mas daí até parar os Dolphins naquele jogo foram outros quintos. Sem Tom Brady para colocar pontos no ataque e com Matt Cassel sofrendo turnovers, os Dolphins arrancaram uma das mais marcantes vitórias de sua história recente. Este vídeo conta bem a história da partida.

Tem gente que acha que Miami jogou metade dos snaps naquela formação. Não foi bem assim. Durante a temporada, a equipe utilizou o Wildcat em aproximadamente 10% dos snaps ofensivos, tendo marcado 20% dos seus touchdowns com a formação. De toda forma, o Wildcat foi ferramenta fundamental para que os Dolphins pudessem sair de 0-2 para 11-5, conquistando o título da Divisão Leste da Conferência Americana e chegando aos playoffs. A vitória contra os Patriots acabou sendo determinante: Os Dolphins perderam um jogo e ganharam outro contra New England. No critério de desempate seguinte (campanha contra adversários da AFC), os Dolphins tiveram uma vitória a mais.
Mais Temporada 2008 no ProFootball:
Semana 2008: Quando conhecemos um tal de Aaron Rodgers
Semana 2008: Aos 37 anos, Kurt Warner ressurge e leva os Cardinals ao Super Bowl
Semana 2008: Brett Favre larga a aposentadoria para se juntar ao New York Jets
Semana 2008: Tom Brady machuca o joelho contra os Chiefs e perde restante da temporada
Como já era de se esperar, várias equipes tentaram reproduzir ainda em 2008 o sucesso que os Dolphins vinham obtendo com o Wildcat. Nenhuma delas conseguiu alcançar este objetivo, ao menos não de maneira consistente. Vale destacar, no entanto, uma das jogadas mais legais daquela temporada, feita pelo ataque do Kansas City Chiefs, em partida contra o Tampa Bay Buccaneers. Partindo do alinhamento Wildcat, o running back Jamaal Charles recebeu o snap, fazendo o handoff para o wide receiver Mark Bradley, em um end around, que por sua vez lançou em profundidade para o quarterback Tyler Thigpen, que estava alinhado como wide receiver. Touchdown de 37 jardas, em uma jogada que mostrava todo o potencial de variação ofensiva trazido pelo Wildcat.

A terceira lei
Como já vimos, a temporada 2008 dos Dolphins foi muito boa, com título de divisão. O Wildcat foi a principal ferramenta ofensiva da equipe durante todo o ano. Entretanto, como já sabemos toda ação gera uma reação oposta. As demais equipes da NFL se adaptaram ao Wildcat, encontrando maneiras de limitar o sucesso desta estratégia ofensiva. Já no ano seguinte o Wildcat foi progressivamente desaparecendo do ataque dos Dolphins (e de toda a liga), “derrotado” pela reação das defesas.
Como sempre, a roda da estratégia ofensiva seguiu girando. Logo depois, uma nova filosofia se espalharia pela liga causando dificuldades para todas as defesas: o read option, que tem uma grande similaridade com o Wildcat. Nos dois sistemas, a defesa tem que considerar o quarterback como um corredor em potencial, muitas vezes abrindo espaços para corridas em outra direção ou passes em profundidade. Mas o read option é assunto pra outro dia.

