Decisão de Ridley deixar os campos é corajosa ante as críticas covardes que virão

O jovem recebedor do Atlanta Falcons, ao decidir se afastar do esporte para cuidar de sua saúde mental, nos lembra do peso e as expectativas que recaem sobre os ombros de atletas tão jovens

Se você torce para o Atlanta Falcons, a notícia de que o recebedor Calvin Ridley decidiu se afastar dos gramados para cuidar da sua saúde mental caiu como uma bomba nesse último domingo. Fãs do esporte seguramente foram pegos de surpresa pela declaração do jovem de 26 anos, um dos grandes talentos na posição nas últimas temporadas. Sem sombra de dúvidas há jogadores de Fantasy Football que estão lamuriosos e foram surpreendidos com a notícia. Mais do que todos, ninguém sofre mais com essa notícia do que o próprio Calvin Ridley.

Certamente não é fácil sair de uma posição privilegiada na NFL. Ridley é produto de um dos melhores programas do futebol americano universitário em Alabama, selecionado como escolha de primeira rodada e está no seu primeiro ano sem Julio Jones ao lado, precisando mostrar ser “o nome” desse jogo aéreo. Não existe apenas a pressão para lidar com as expectativas dos torcedores, amigos, familiares, mídia, coordenadores, treinadores, dono do time. Há também a pressão em aprender e executar perfeitamente os aspectos técnicos mais refinados da sua posição, assistir às partidas dos adversários, entender cada confronto com defensores, cada atribuição em cada snap. Profissionalmente, é um ambiente de gigantesca demanda.

Considere, ainda, ver tantos companheiros de time no high school e na faculdade que não tiveram chances no nível profissional, mesmo dedicando tempo e esforço ao sonho de vestir a camisa de uma das trinta e duas franquias. Mais do que isso, imagine tomar uma decisão dessa magnitude sabendo que a vida na NFL é pautada em resoluções de negócio todas as semanas; ninguém é insubstituível, e os times não só sabem disso como conduzem seus negócios sob essa máxima.

Decidir deixar tudo pelo qual ele trabalhou a vida inteira requer extrema coragem, por mais que para alguns infelizmente possa parecer covardia. Ainda que retorne em breve aos gramados, a janela dos 26 anos de idade não volta para um wide receiver, e talvez times fiquem receosos em dar uma nova oportunidade no futuro. No universo esportivo, muitas vezes esquecemos do aspecto individual de cada atleta. Estamos acostumados à entrega em altíssimo nível de domingo a domingo. O desgaste não é só físico, mas mental – e se um talentoso jogador não consegue equilíbrio emocional para executar suas funções, não há tiro de 40 jardas em 4.3 segundos que compense.

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O caso de Calvin Ridley inevitavelmente traz atenção a um assunto por vezes subestimado e ignorado nos esportes profissionais. Claro, quando vemos a fortitude mental e o foco de Tom Brady, ela é exaltada aos quatro ventos. O outro lado da moeda não é tão generoso. Por vezes grandes talentos deixam de alcançar o seu potencial pela dificuldade em encontrar o equilíbrio mental e a estabilidade emocional. Nesses casos, bom, é mais prático rotulá-los de busts ou erros de julgamentos de uma franquia, descartando-os e esperando a nova jovem estrela sair do college em abril.

Isso não quer dizer que não existam casos de nomes que realmente deixaram de colocar o tempo e esforço para se aprimorarem. Nem todos tem a ética profissional (perdoem a tradução literal de work ethic) e a disciplina para serem destaque na NFL. O ponto é que é importante considerar o atleta como um todo. Quando olharmos para alguém que chamamos de bust, ao invés de apenas xingar seu general manager por uma escolha desperdiçada, entender o que pode ter contribuído para aquele desfecho. Não é deixar de ser crítico em relação à perfomance, mas buscar ser mais empático com a situação na qual aquele jogador está inserido.

Apesar de ser outro esporte, a história do atacante Adriano é bastante emblemática. Imperador na Itália, foi amplamente questionado sobre sua “perda de futebol”, com rumores voando pela imprensa a torto e a direito. Recentemente, o jogador publicou um texto mostrando o que contribuiu para sua derrocada no futebol europeu, em detalhes. É um texto esclarecedor, sincero e que mostra de perto como às vezes os desafios dos atletas não se dão dentro das quatro linhas num domingo. É importante que se traga contexto e nuances às vidas, escolhas e trajetórias dos atletas que assistimos, especialmente numa época de julgamentos fáceis e takes nas redes sociais.

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A decisão de Calvin Ridley é de enorme importância para que se dê a atenção devida à saúde mental. É necessário que se discuta, nesse ambiente esportivo, que dedicar tempo às suas próprias questões internas não é e nem pode ser visto como uma inaptidão para jogar na NFL. Trabalhar o aspecto tático e físico, claro, mas também as batalhas internas e como se tornar alguém mais forte, resiliente e preparado para um ambiente de gigantesca pressão.

Que a escolha do recebedor do Atlanta Falcons seja um catalisador para uma abordagem mais justa em relação à estabilidade mental e emocional. Mais do que isso, que se torne um momento marcante e positivo na vida de Calvin Ridley.

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