Poucas expressões do universo de futebol americano são tão verdadeiras quanto any given Sunday. Mal traduzindo, “em qualquer domingo”. Certamente algum leitor reconhecerá o título do filme de 1999 estrelando Al Pacino como o técnico Tony D’Amato, da franquia fictícia Miami Sharks – um bom filme, diga-se de passagem. O ponto é: essa frase sugere que em qualquer domingo, qualquer coisa pode acontecer. E a temporada de 2021 da NFL traz essa expressão à tona.
Pode parecer novamente uma exaltação ao azarão, tal qual fiz na semana passada, mas não é exatamente sobre isso. O ponto aqui é sobre como não há uma clareza sobre os favoritos tanto ao Super Bowl quanto aos prêmios individuais, em especial ao do MVP. Mais do que isso, as divisões estão abertas e sendo francamente disputadas. É possível usar o argumento de que a NFL está nivelada por baixo, embora eu discorde. Acredito que esteja apenas nivelada, e isso é espetacular para o torcedor e para o produto exibido às segundas, quintas e domingos.
Imagino que Roger Goodell esteja bastante satisfeito com o andar da carruagem. Afinal, a NFL toma todas as medidas possíveis para equilibrar o cenário de disputa, desde as escolhas de Draft de cada franquia até teto salarial, e franchise tag. Poucas vezes os time que foram eleitos favoritos antes da temporada começar pareceram tão “mortais”. Até mesmo as equipes que ainda carregam o peso de serem os prediletos para levar o Vince Lombardi exibem vulnerabilidade semana sim, semana não.
Por exemplo, a paridade da temporada pode ser atestada pelo Washington Football Team, semana passada, então com duas vitórias, conquistar sua terceira contra os atuais campeões do Super Bowl, comandados pelo maior quarterback de todos tempos. Ou, ainda, o desempenho do Tennessee Titans, que bateu o Kansas City Chiefs, Los Angeles Rams, Buffalo Bills e os ascendentes Indianapolis Colts (duas vezes), mas perdeu para os mambembes Houston Texans e New York Jets. É da ordem do inexplicável para o torcedor, seja ele um iniciante no esporte ou até mesmo para experientes analistas – o Twitter dos comentaristas americanos até hoje não sabem o que esperar da AFC e nem decidir quando “um time é bom”.
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Falando da AFC, as disputas no Norte, Leste, Oeste e até mesmo Sul estão para lá de acirradas e são bastante ilustrativas da paridade da NFL em 2021. Na NFC Leste, vemos o New England Patriots na ponta. A expectativa era um Buffalo Bills profundamente dominante, mas o time de Boston, ancorado na sua formidável defesa e no seu calouro-veterano Mac Jones, lideram a divisão com margem de uma vitória, num saboroso flashback para a era Brady-Belichick. Na AFC Norte, caos absoluto – todos os times tem pelo menos cinco vitórias. Eu poderia elaborar, mais deixo o retrospecto para ilustrar: Baltimore Ravens 7-4, Cincinnati Bengals 6-4, Pittsburgh Steelers 6-4-1, Cleveland Browns 6-5. Ansiosos para aquele fim de dezembro na divisão? Eu também.
O começo cambaleante do Kansas City Chiefs foi retificado nas últimas semanas, mas ainda assim os vice-campeões do Super Bowl estão apenas uma vitória na frente dos Chargers – embora tenham perdido a primeira contra os rivais de divisão. Além disso, teve derrotas significativas para Buffalo Bills e Baltimore Ravens que pode ter implicações no seeding da pós-temporada. Ainda que os Chiefs ainda sejam um dos grandes favoritos pela melhora defensiva e pela presença de Patrick Mahomes, o time não parece mais “inevitável”; vencê-los é uma possibilidade maior no horizonte.
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Alguns outros dados mostram o quão equilibrada está a NFL em 2021. Líderes de divisão tem um retrospecto agregado de 14 vitórias e 15 derrotas nas últimas quatro semanas. Mais do que isso, os times considerados zebras – underdogs – tem um retrospecto de 25 vitórias, 29 derrotas e 1 empate (alô Detroit Lions). Nas Semanas 8 e 9, os azarões tiveram retrospectos positivos em semanas consecutivas pela primeira vez desde 1982 – 39 anos atrás.
Certamente dirão que esse nivelamento se dá por baixo. Ainda que os times que eram considerados a elite da NFL antes da temporada começar não estejam entregando o altíssimo nível que deles se esperava, isso é extremamente positivo para o torcedor, por dois grandes motivos. O primeiro deles é um maior índice de retenção para as últimas semanas de temporada regular. Com times menos badalados com chances reais não só de abocanhar a divisão, mas disputar o wild card para valer, os fãs do esporte terão muitos jogos “que valem alguma coisa” para assistir. Em segundo lugar, você sente que o seu time sempre pode mostrar seu valor. Mesmo com poucas vitórias, em qualquer domingo sua equipe pode chegar à glória e vencer um favorito à pós-temporada. Isso estimula o fã a comprar um ingresso no domingo e tentar a sorte no estádio. Como produto, a temporada da NFL é um best seller.
No futebol, muitas vezes falam que o futebol praticado na Europa é o verdadeiro topo de linha, com razão. Todavia, houve sempre a crítica de que cada campeonato nacional tem dois, três favoritos que amassam a concorrência, e os quase vinte outros times da liga jogam por vagas na Champions League ou Liga Europa, quase que num campeonato paralelo. Ao mesmo tempo, falamos que o charme do nosso Brasileirão é chegar com nove, dez candidatos ao título e, em todas as semanas, termos a chance de um time recém-chegado da Série B bater um dos líderes do certame. Neste ano, a NFL abraçou todo o charme do nosso futebol brasileiro e está entregando competitividade em todos os níveis, dos favoritos ao Vince Lombardi aos candidatos à primeira escolha geral.
Quem ganha é o torcedor.
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