Um dos grandes prazeres de acompanhar a temporada regular do baseball é saber que você nunca fica desamparado. Explico: todos os dias, praticamente a qualquer momento, você pode assistir a dois times disputando mais uma vitória. São 162 partidas, do começo de abril até outubro, nas quais times jogam praticamente todos os dias. É um calendário inchado, no qual uma derrota ou uma vitória tem peso diluído. Perder três partidas consecutivas é um cenário comum até para os melhores times da MLB. Se você tem um esporte tão frequente e tão volumoso, a tendência é que algumas anomalias estatísticas surjam naturalmente – vide as 28 corridas anotadas pelo Toronto Blue Jays numa série contra o Boston Red Sox em julho.
No outro lado do espectro esportivo, a NFL não permite resultados ruins em sequência sem um custo gigantesco. Desde 1990, menos de 3% das equipes que começam a temporada com retrospecto 0-3 chegam à pós-temporada. Desde que os playoffs foram expandidos, nenhuma. Ou seja, para o torcedor do Las Vegas Raiders, a temporada de 2022 já subiu no telhado. Perder é caro. São dezessete partidas, e apenas metade são disputadas diante da sua própria torcida – não são nem dez encontros entre fã e time. O tiro é curto, e cada domingo é monumental para as pretensões de qualquer time.
Mais do que isso, uma temporada ruim pode ser o fim da linha para uma comissão técnica promissora. Às vezes, um elenco é montado considerando o teto salarial apertado com um contrato de quarterback calouro; estrelas renovam por custos altos e uma franquia ganha uma janela apertada para tentar vencer o Super Bowl. Se o ano de all in não se paga, pode significar o fim da linha para todo um trabalho. A NFL é dura com quem desperdiça oportunidades.
Com tudo isso em mente, pode até parecer que estou justificando a decisão de Brandon Staley em colocar Justin Herbert em campo no último domingo. Para os que não seguem o Los Angeles Chargers com afinco, Herbert sofreu uma fratura na cartilagem da costela na segunda semana da temporada e foi dúvida até os últimos momentos para a partida contra o Jacksonville Jaguars. Não só Herbert entrou em campo como ficou até a derradeira campanha da sua equipe, perdendo por 38 a 10, com menos de dois minutos no relógio para jogar.
O que leva um técnico a manter o jogador-chave de uma franquia em campo, perdendo por 28 pontos, correndo o risco de agravar uma dolorosa lesão?
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A resposta oficial, dada por Brandon Staley e Justin Herbert, é que os dois queriam “terminar aquilo que começaram com seus companheiros de equipe”. É um motivo nobre, valoroso, bravo. Sem sombra de dúvida, é a virtude de um grande líder que vemos no jovem Justin Herbert. Se a situação fosse a mesma num Divisional Game na pós-temporada, elogiaríamos a coragem e o companheirismo do jogador. Eu mesmo já elogiei Matthew Stafford e Phillip Rivers no passado em situações similares – estar em campo por vezes é a parte mais importante para a moral de uma equipe.
Justin Herbert entrou em campo a um tackle errado de agravar uma lesão e comprometer de vez as chances do Los Angeles Chargers em toda a temporada
Entretanto, era a terceira partida da temporada, em casa, contra o Jacksonville Jaguars. Mesmo considerando a altíssima nota de corte da AFC West, ainda há um longo caminho pela frente. O Los Angeles Chargers contava com uma vitória e uma derrota, tal como o Denver Broncos. Os Chiefs estavam 2-0, enfrentando o Indianapolis Colts fora de casa. Mesmo se vencessem (o que não ocorreu), seria um déficit contornável; ainda há um confronto entre as duas equipes e o time do Missouri ainda enfrenta os 49ers, Buccaneers, Bengals, Bills, Titans e Rams. São partidas duras nas quais Patrick Mahomes pode ser batido, diminuindo a distância entre Chargers e Chiefs. Não há, ainda, um botão de emergência a ser apertado no SoFi Stadium.
Justin Herbert entrou em campo a um tackle errado de agravar uma lesão e comprometer de vez as chances do Los Angeles Chargers em toda a temporada. Entendo até colocá-lo como titular na partida, visto que ele estava confortável o bastante para fazê-lo. Minha compreensão falha quando Staley decide deixá-lo até o relógio contar com menos de dois minutos, perdendo por um déficit de quatro posses. Os motivos elencados por Staley e Herbert são nobres, sim. Ao mesmo tempo, ser corajoso não isenta ninguém de responsabilidade pelas consequências. A temporada, ainda jovem, pode ser resgatada pelo Los Angeles Chargers, mas isso passa necessariamente pela saúde do camisa 10. É fundamental que o produto de Oregon esteja saudável, ou ao menos confortável, para disputar todas as partidas da temporada, ainda que isso custe uma ou duas semanas em setembro.
Ao meu ver, é a manifestação do “ganhar a qualquer custo”. Colocar seu jogador mais importante em risco, especialmente numa partida fora de alcance no quarto período, mostra o tamanho da pressão e da necessidade de vencer, vencer e vencer. É um pensamento imediatista; por mais que Justin Herbert estivesse confortável para ficar até o final, ele é jovem e está no começo da carreira. O acúmulo de lesões, de se colocar no sacrifício pode encurtar drasticamente a carreira de qualquer um, especialmente da posição que é alvo para todos os defensores adversários. Proteger esse jogador não é apenas dar-lhe uma linha ofensiva, mas permitir que se recupere fisicamente, dentro do razoável, preservando seu franchise player nas oportunidades em que isso faz sentido – como perdendo por 28 pontos nos minutos finais de uma partida na terceira semana de temporada regular.
Mais do que isso, caso Brandon Staley se firme como técnico por muitos anos, é fundamental que ele mantenha seu mais valioso jogador saudável pelas temporadas vindouras. Vemos como Frank Reich tem dificuldades em estabilizar seu ataque em Indianapolis com uma catraca de quarterbacks a cada temporada. Um quarterback jovem e talentoso é a coisa mais rara na NFL, e é fundamental preservá-lo, pelo bem do jogador, da franquia e do próprio técnico.
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Longe de mim querer dizer o que deve um técnico fazer ou deixar de fazer. Quero apenas oferecer uma perspectiva de médio a longo prazo para um esporte que cobra uma conta pesada no corpo de quem o disputa. O desgaste físico se acumula rápido, e, por sorte, nada aconteceu para agravar a lesão de Herbert. Por sorte.
Eu quero Justin Herbert bem e saudável por décadas; não quero lidar com outro Andrew Luck.







