Apesar de ter desistido de pendurar as chuteiras, a (anunciada) aposentadoria de Tom Brady gerou um enxurrada de artigos, crônicas, vídeos e tweets. A comoção pelo término da carreira do mais prolífico quarterback da história da NFL é perfeitamente natural e proporcional. Trata-se de uma manchete gigantesca; é um divisor de águas na história do esporte. Espera-se que todos que trabalham, acompanham ou só conhecem por alto o esporte reajam à notícia.
Tom Brady é um nome que reverberará para sempre na história do futebol americano. Sem sombra de dúvidas, a NFL Films terá que mencionar o camisa 12 nas suas criações de 2064, para chutar um ano qualquer. Sete Super Bowls (até agora), capitaneando uma das maiores dinastias de qualquer esporte, disputando dez Super Bowls – um legado com L maiúsculo. Todos se lembrarão onde estavam quando Tom Brady finalmente encerrar seu longevo ciclo no futebol americano. Céus, eu me lembro onde estava quando Andrew Luck anunciou a aposentadoria às vésperas do início da temporada de 2019; certamente lembrarei da decisão final do futuro ex-Patriots e ex-Buccaneer.
Afirmo com certa tranquilidade que o anúncio não será feito en passant num podcast. “Eu só não contei para ninguém”, disse Blake Bortles há uns dias atrás sobre ter se aposentado. Casualmente, de um dia para o outro, a terceira escolha geral de 2014 deixou o esporte. Sem pompas, sem anúncio, depois de alguns anos como andarilho por Denver Broncos, Green Bay Packers e New Orleans Saints, a NFL não conta mais com os dotes de Blake Bortles.
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O ex-camisa 5 está longe de ser um nome de destaque nos quarterbacks da sua geração. Apesar de boas sequências pelo Jacksonville Jaguars em temporadas esparsas – incluindo um AFC Championship Game em 2017 -, Bortles nunca “chegou lá”. Mesmo sendo selecionado antes de Khalil Mack, Mike Evans, Aaron Donald, Odell Beckham Jr., Zack Martin, Davante Adams, Ryan Shazier, Blake Bortles não gozou do prestígio destes atletas citados, não pelo menos pelo seu excelente desempenho dentro de campo.
De certa maneira, Blake Bortles tornou-se um jogador quase “aurático” para os que acompanharam a NFL na década passada. Mecanicamente atabalhoado, sem números de destaque, Bortles tinha um apelo bastante particular. Nascido na Flórida, cria da universidade de Central Florida e selecionado justamente pelo Jacksonville Jaguars, ele tinha seu charme. Não à toa, seu nome aliterativo fez dele uma recorrente brincadeira no seriado The Good Place, justamente por ele vestir a camisa do seu estado natal. A personagem Jason Mendoza amava Blake Bortles por ele representar a Flórida, e isso fez do quarterback uma personagem muito rica para o futebol americano.
Eu mesmo comprei uma camisa 5 do Jacksonville Jaguars numa andança por Nova York. Torcer por Blake Bortles era um exercício interessante, quase que uma guinada na contra-mão dos números exorbitantes de touchdowns e jardas por outros quarterbacks. Com uma defesa dinâmica do outro lado da bola, o Jacksonville Jaguars de Blake Bortles foi um baita azarão para se torcer.
E, assim, depois de meros 8 anos desde sua seleção no Draft, Blake Bortles pendurou as chuteiras. Aos 30 anos de idade, entre salários e signing bonus, acumulou quase 50 milhões de dólares e agora caminha até o horizonte para encarar sua empreitada de predileção. Mesmo se tratando de um atleta particularmente atraente para torcedores, a aposentadoria de Bortles me traz um pensamentos: o que é um legado para quem não é, digamos, Peyton Manning ou Tom Brady.
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A maioria dos atletas que fazem do futebol americano seu sustento não chegarão ao Olimpo do esporte. Poucos são os atletas memoráveis por gerações a fio; inclusive, a memória do esporte vai se afunilando a cada geração. A cada punhado de Super Bowls disputados, escolhem-se os verdadeiros ícones do esporte e outros excelentes jogadores pelo caminho da história. Para além do retorno financeiro, o que fica como legado esportivo para quem não vira uma estrela do esporte na sua curta carreira?
Pensando justamente em Blake Bortles, acredito que o legado de um jogador comum vive não nas páginas de história, mas na memória afetiva dos torcedores. Na falta de um Vince Lombardi para imortalizar uma carreira, os torcedores que viveram e assistiram certas temporadas lembrarão, carinhosamente, de certas jogadas, jogadores e circunstâncias. Não veremos highlights de Blake Bortles em lugar nenhum nas próximas décadas. Entretanto, lembraremos com carinho dos anos promissores do Jacksonville Jaguars, a natureza mística do camisa 5 e como eles eram azarões perfeitos para a AFC dos anos 2010.
Blake Bortles não foi um bust, mas também não foi um craque. O legado dos seus oito anos de NFL viverá com os que os testemunharam. Quando a nossa geração passar, o legado esportivo de Blake Bortles também enfraquecerá. Até lá, celebremos não só Bortles, mas todos os jogadores que fizeram dos nossos domingos marcantes e prazerosos, seja ele um membro do Hall da Fama ou não.







