[dropcap size=big]Q[/dropcap]uando a direção do Los Angeles Rams decidiu contratar o jovem Sean McVay como técnico principal, em 2017, veio junto uma outra ideia. Enquanto McVay se ocuparia de reconstruir do zero o ataque da equipe, montado em torno do núcleo jovem formado por Jared Goff e Todd Gurley, a direção da equipe traria um coordenador defensivo experiente, capaz de comandar “por conta própria” a unidade, e o nome escolhido para a função foi o de Wade Phillips. Com mais de 40 anos de experiência como treinador na NFL (a maior parte como coordenador defensivo em diversas equipes), Phillips poderia acrescentar muita firmeza ao comando da equipe, permitindo a Sean McVay permanecer focado em questões esquemáticas ofensivas.
Os primeiros indícios desta colaboração foram muitos positivos, com os Rams ganhando a divisão, mostrando um ataque explosivo e uma defesa segura. Sob o comando de Wade Phillips, o defensive tackle Aaron Donald foi mais uma vez considerado o melhor jogador defensivo da liga.
Para 2018, a defesa dos Rams se fortaleceu consideravelmente. Chegaram, por trocas ou pela free agency, o defensive tackle Ndamukong Suh e os cornerbacks Aqib Talib e Marcus Peters. Com estes reforços, a unidade tem potencial para ser uma das melhores da liga nesta temporada. E é aí que entra Wade Phillips.
Hoje, aqui no Pro Football, vamos falar um pouco da história deste grande técnico (e grande figura, também), com foco principal na evolução de seu sistema defensivo. Como veremos, Wade Phillips vem construindo uma carreira espetacular; mais importante do que isso, Phillips, que como já dissemos, está nessa há mais de 40 anos, vem consistentemente adaptando seu sistema, mantendo-o atualizado e competitivo na NFL dos dias de hoje.
As origens e a história na NFL
Wade Phillips viveu o futebol americano desde muito cedo. Seu pai, Bum Phillips, foi técnico do esporte tanto no meio universitário quanto na NFL. Wade e Bum inclusive trabalharam juntos na comissão técnica do Houston Oilers e, desde esta época, Wade Phillips levantou a bandeira da defesa 3-4 – como veremos mais à frente, de um tipo bem específico de 3-4. Posteriormente, Wade Phillips teve a oportunidade de atuar, tanto como coordenador defensivo quanto como head coach em várias franquias.
Como técnico principal, destacam-se os períodos no comando do Buffalo Bills e do Dallas Cowboys. Nestas duas passagens, Phillips conviveu com críticas severas sob a maneira de comandar o time. Em Buffalo, naquela que foi sua melhor temporada (1999), Wade Phillips levou a equipe aos playoffs. Após ter jogado a temporada toda com Doug Flutie como quarterback, Phillips decidiu por utilizar Rob Johnson na partida contra o Tennessee Titans; com a derrota para os Titans, Phillips foi muito criticado. Vale lembrar, no entanto, que este jogo foi duríssimo, tendo sido vencido pelos Titans praticamente no último lance, com um retorno de kickoff para touchdown de Kevin Dyson (sim, estamos falando do Music City Miracle).
Muito mais do que estas passagens como técnico principal, o que faz da carreira de Wade Phillips tão especial (e que deve garantir a ele um ligar no Hall da Fama) é seu desempenho como coordenador defensivo. Phillips comandou diversas defesas ao longo das últimas décadas. Destaques recentes são os ótimos trabalhos em Houston e em Denver (onde participou da conquista do Super Bowl 50).
A defesa de Wade Phillips: princípios estratégicos
Desde os anos 70 do século XX, trabalhando em conjunto com seu pai, Bum Phillips, Wade tem sido um proponente do esquema 3-4. Quando pensamos neste alinhamento defensivo, frequentemente o associamos a uma postura passiva. É o sistema de “dois gaps”. Neste sistema, cada um dos três jogadores da linha defensiva é responsável por dois gaps, ou seja, o nose tackle precisa cobrir corridas nos dois lados do center (os dois gaps A) e cada defensive end cobre um gap B e um gap C (espaços entre o guard e o tackle e entre o tackle e o tight end, respectivamente). Assim, a linha defensiva precisa esperar a definição do ataque para reagir de acordo com a jogada.
Wade Phillips sempre preferiu uma abordagem diferente. O atual coordenador defensivo dos Rams emprega uma versão mais agressiva do 3-4, na qual cada jogador da linha tem apenas um gap para atacar. O objetivo é gerar penetração na linha ofensiva, prejudicando a jogada do ataque antes mesmo que ela comece. Enquanto no tradicional 3-4 de dois gaps, a pressão ao quarterback vem majoritariamente dos linebackers e defensive ends, por pressão direta ou por meio de zone blitz, na versão de Phillips todo o front 7 pode gerar pressão. Assim, a defesa ganha automaticamente uma variabilidade maior, ainda que se torne um pouco mais suscetível ao jogo corrido. No entanto, com o predomínio do jogo aéreo na NFL dos dias de hoje, pressionar o quarterback de forma eficiente acaba sendo mais importante para a defesa.

Diagrama mostrando o alinhamento da linha defensiva no sistems 3-4 de um gap. Cada jogador é responsável por atacar um gap, tentando penetrar na linha ofensiva. O nose tackle ataca o gap A do lado do tight end (strong side) e os ends atacam o gap B do weak side e o gap C do strong side, respectivamente
A estrutura do front 7 é o que dá a cara à defesa de Wade Phillips. No entanto, a cobertura, obviamente, é um aspecto fundamental. E é neste aspecto que Phillips mostra sua adaptabilidade à NFL moderna. Tradicionalmente, em sistemas defensivos baseados no 3-4, a cobertura é majoritariamente por zona: nesta combinação, a pressão ao quarterback é realizada por meio de blitzes enquanto a cobertura atua de frente para a jogada, tentando evitar ganhos explosivos. Mais uma vez, uma abordagem algo passiva, de quem “espera pra ver o que vai acontecer”.
O sistema de Wade Phillips, contudo, desde a sua concepção, tem utilizado, prioritariamente, a cobertura homem a homem. Assim, os cornerbacks “colam” nos recebedores, mancando agressivamente. Enquanto isso, na sobra ficam dois (ou mais frequentemente um) safeties. A cobertura agressiva traz a vantagem de atrapalhar a rota do recebedor, além de aumentar a chance de um turnover. Por outro lado, a defesa se expõe à jogada explosiva, quando o recebedor vence o duelo direto com o cornerback, conseguindo espaço para receber o passe e correr com a bola.
Quando juntamos isto ao crescimento dos sistemas ofensivos spread, com slot receivers e tight ends muito atléticos e explosivos, o risco da cobertura homem a homem torna-se ainda maior. Com cada defensor responsável por um possível recebedor, não é raro nos depararmos com um linebacker na cobertura de um Rob Gronkowski da vida. Tudo pra dar errado.
Mas é aí que entra a característica de Wade Phillips que o mantém como uma das principais mentes defensivas da liga nas últimas quatro décadas.
Constante evolução
Da mesma forma que os ataques evoluem, com a progressão do spread, do predomínio das formações shotgun e, mais recentemente, com o avanço das RPOs (em que a opção por corrida ou passe é feita logo antes – ou mesmo depois – do snap), as defesas precisam correr atrás.
Quando pensamos no sistema defensivo de Wade Phillips, como descrito acima, poderíamos considerá-lo vulnerável aos ataques da NFL do dia de hoje. Afinal, com tantas opções de recebedores de qualidade, a cobertura homem a homem “pura” só segura até certo ponto. A contrapartida imediata seria o uso das formações nickel e dime (com 5 e 6 defensive backs respectivamente). No entanto, com mais jogadores leves no meio do campo, associados a uma linha defensiva agressiva, que não defende todos os gaps, aparece a deficiência contra o jogo corrido.
Assim, mais recentemente, Wade Phillips mostrou que não ficou sentado em cima do seu sucesso de outrora. O veterano treinador adaptou sua cobertura para contemplar as características dos ataques modernos da NFL. Desde a sua bem-sucedida passagem no comando da defesa do Denver Broncos, Wade Phillips tem utilizado os conceitos de cobertura pattern match.
Neste tipo de estratégia defensiva, a cobertura homem a homem agressiva nos lados do campo é combinada com uma opção de cobertura por zona, baseado no padrão de rotas dos recebedores. Em resumo, se o wide receiver faz uma rota em profundidade, o cornerback segue de perto, como em uma cobertura homem a homem tradicional. Se o recebedor cruza o campo em uma rota curta, o cornerback “passa” a responsabilidade para um defensor do meio do campo (safety ou linebacker), como em uma cobertura por zona. Assim, este tipo de cobertura tenta mudar o paradigma da relação entre ataques e defesas, tirando dos primeiros a exclusividade das jogadas que mudam no meio do caminho para se adaptar ao adversário.

Neste diagrama de uma cobertura do tipo pattern match, vemos o cornerback do strong side em cobertura homem a homem, diante de uma rota paralela à lateral do campo executada pelo recebedor. No weak side, por sua vez, como o recebedor cruza o campo, o cornerback passa a marcar por zona, “passando” o recebedor para os linebackers do meio do campo.
Em Denver, Wade Phillips obteve muito sucesso com esse sistema, principalmente por contar com dois cornerbacks de muito talento, capazes tanto de executar a cobertura homem a homem agressiva quanto as leituras rápidas exigidas pelo pattern match. Com Aqib Talib e Chris Harris, Phillips conseguia deixar os dois lados da defesa em “ilhas”, com o resto dos defensores ocupando o meio do campo.
Em 2017, primeiro ano de Wade Phillips no comando da defesa do Los Angeles Rams, foi necessário utilizar coberturas menos agressivas, pelas características do elenco. O principal cornerback do time no ano passado, Trumaine Johnson, é um jogador cujo ponto forte é a cobertura por zona. Como veremos a seguir, em 2018 a situação deve ser bem diferente.
Perspectivas para a defesa dos Rams em 2018
Após uma ótima temporada em 2017, o Los Angeles Rams investiu pesado em reforços para 2018. Utilizando-se agressivamente da free agency e das trocas, o time trouxe peças importantes. Sob o ponto de vista defensivo, destaques para as chegadas do defensive tackle Ndamukong Suh e dos cornerbacks Aqib Talib (velho conhecido de Wade Phillips) e Marcus Peters.
A expectativa, conforme descrito acima, é de que, na secundária, Talib e Peters ocupem as “ilhas”, em um sistema com leituras do tipo pattern match. No meio do campo, defendendo contra o jogo corrido e pegando as “sobras”, estarão jogadores como o safety LaMarcus Joyner e os linebackers Ramik Wilson e Mark Barron.
Com relação à linha defensiva, os Rams contam com uma abundância de recursos impressionante. Em Aaron Donald, a equipe tem o melhor jogador defensivo da liga, um tackle agressivo e muito ágil. Donald é o 3-tech por excelência, ou seja, é um jogador “leve”, que se alinha entre o guard e o tackle, buscando penetrar na linha defensiva e chegar ao quarterback.
Agora, Aaron Donald terá ao seu lado Ndamukong Suh. Suh é também um defensive tackle muito hábil em penetrar pela linha ofensiva. Informações iniciais que vêm dos Rams sugerem que Wade Phillips deve utilizar Suh prioritariamente como nose tackle. No sistema de Phillips, o nose tackle frequentemente assume o alinhamento 1-tech (entre o center e o guard), atacando o gap A após o snap. Com Suh e Donald (além de Michael Brockers), os Rams certamente terão uma linha defensiva com diversas possibilidades de alinhamento dos tackles.
Observando o elenco dos Rams, os tackles devem ser a principal fonte de pressão aos quarterbacks. Aliás, essa é mais uma das tendências modernas do esporte que Wade Phillips tem adotado. Podemos inclusive afirmar que, se o elenco defensivo dos Rams tem um ponto fraco, são os edge rushers. Ainda assim, o equilíbrio do front 7 e da secundária deve garantir uma ótima performance defensiva em 2018. A expectativa é de que os Rams tenham uma das melhores defesas da liga.
Wade Phillips, a figuraça
Além de ser um dos melhores treinadores defensivos da liga (e se manter nesta posição nos últimos 40 anos), Wade Phillips traz uma leveza muito bem-vinda ao mundo excessivamente sisudo dos técnicos da NFL. Sempre fazendo piadas (muitas vezes às custas dele mesmo), Phillips é o que se poderia chamar de “tesouro nacional” da NFL.
Recentemente, Phillips foi visto, aos 71 anos, com uma camisa de “lenda do Fortnite”. Eu mesmo, um pouco mais novo que Phillips, só sei que Fortnite é um jogo de computador. Então, com essa imagem jovial do veteraníssimo Wade Phillips, ficamos por aqui.

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