Valor, probabilidade e perdas. Em quase todas as nossas decisões, estes três elementos estão presentes. Analisar a oportunidade de emprego em outro estado ou entrar em um relacionamento são dois exemplos clássicos. Toda vez que corremos riscos é necessário apostar, porém é preciso saber apostar alto ou ficar no seguro.
Já deu para notar que isto também é frequente nos esportes em geral. Obviamente em alguns as decisões de risco são menos frequentes do que em outros. Especificamente em esportes coletivos, na hora das contratações pesar os riscos é muito importante – ninguém quer desperdiçar dinheiro. Só que já deu para os fãs mais assíduos perceberem que as ligas americanas adicionam mais um cenário de análise: o Draft.
Na NFL, em que as escolhas são mais valorizadas em média, times ficam o ano inteiro observando e seguindo prospectos, medindo os riscos e os valores – assim montando o seu Draft board. Claro que existem general managers que escolhem um punter na terceira rodada ou um kicker na segunda, porém isto não significa que ele não pesou os riscos e valores empregados, apenas que sua avaliação está meio diferente do que se espera.
Mas o que são os valores no Draft? Oras, posições mais importantes são muito mais valorizadas do que aquelas em que se acham talentos mais facilmente. É muito mais importante achar um franchise quarterback do que qualquer outra posição, todo mundo sabe disto. E todo mundo sabe também que achar este signal caller é uma tarefa ingrata que acaba tirando o emprego de algumas pessoas ao longo do ano.
Devido à baixa taxa de acerto, recentemente muitos amantes do esporte adotaram a postura de querer que os times escolham outras posições na primeira rodada e deixem para achar um signal caller na terceira ou quarta. Oras, deu certo com Russell Wilson e com Tom Brady, certo? Por que não podemos achar um garoto no meio do Draft que resolva os problemas? O valor investido é baixo e o resultado é alto! Nada melhor do que isso.
Quais as probabilidades de acerto?
Só que a coisa não é bem assim. Só citamos Russell Wilson e Tom Brady porque, bem, eles são um dos únicos exemplos. Já ficou claro que a medida que entramos na segunda ou terceira rodadas as chances de acertar um titular diminuem drasticamente. Um titular de qualidade então? Cai quase para zero.
Como a NFL muda muito, não adianta analisarmos dados de 30 anos atrás para criar uma hipótese consistente. Infelizmente, considerar períodos menores faz com que a amostragem seja muito pequena e as conclusões não sejam definitivas – temos uma tendência clara, mas nenhuma certeza total. Olhando para os quarterbacks draftados desde 2002 (ano em que o Houston Texans escolheu David Carr com a primeira escolha geral), é nítido que os de primeira rodada têm mais chances de darem certo:
| Rodada | Draftados | Titulares | Jogos como titulares/draftado | Jogos como titulares/anos de liga | Anos de liga/draftado | Anos titular/anos de liga |
| 1º | 35 | 35 | 71,9 | 9,6 | 7,5 | 0,64 |
| 2º | 14 | 13 | 27 | 4,2 | 6,4 | 0,27 |
| 3º | 17 | 14 | 24,7 | 4,5 | 5,5 | 0,29 |
| 4º | 17 | 9 | 9,1 | 2,1 | 4,3 | 0,1 |
| 5º | 18 | 8 | 5 | 1,4 | 3,5 | 0,02 |
| 6º | 25 | 11 | 5 | 1,4 | 3,5 | 0,09 |
| 7º | 23 | 8 | 9,1 | 2,9 | 3,1 | 0,19 |
Muito óbvio, não é? Todos os escolhidos na primeira rodada foram titulares porque eram apostas valiosas e uma boa parte acabou dando certo, tanto é que a média de estadia é de 7,5 anos – lembre-se que a conta foi feita até o Draft de 2013. Eles jogaram mais, tiveram mais chances, foram menos busts e 64% das vezes foram os titulares do ano. O interessante dos dados não é ver a primeira rodada, mas sim o que vem abaixo dela.
As segunda e a terceira são muito parecidas, mas Russell Wilson estaria atrapalhando a análise, certo? Errado. Tirando os números dele, mesmo assim elas são parecidíssimas. Lembre-se, Wilson está entrando em seu quinto ano e ainda não é o ponto fora da curva que atrapalha a análise.
Logo, vale a pena investir em alguém no segundo dia do Draft, correto? Errrr, não é bem assim. O parâmetro anos de titular/anos na liga é diretamente proporcional ao sucesso da escolha. Quando você acerta um signal caller, a esperança é que ele seja o titular da temporada por quase todo o tempo que ele está na NFL. Como já deu para ver, esta razão cai pela metade do primeiro para o segundo dia. Escolher na segunda ou terceira rodadas? No olhar probabilístico, tanto faz: as tuas chances de acertar são as mesmas e menores de 50%.
Neste ponto já é importante pesar se realmente vale a pena escolher um quarterback. Um bom Draft é aquele em que se escolhe um bom titular na segunda rodada e alguém que contribua na terceira. Com uma taxa menor de 50% de acerto, já fica muito mais complicado vender a ideia. Para equipes que estão se preparando para uma transição ou que tem um elenco forte, a probabilidade de achar o titular do futuro aumenta, mas não chega nem perto das chances da primeira rodada.
E com relação ao restante do Draft?
Bem, a partir do terceiro dia as coisas vão perdendo o seu valor. Apenas 43% dos escolhidos chegam a serem titulares em, no mínimo, um jogo. A permanência na liga? Quatro míseros anos, que passam na maior parte do tempo como terceira opção. Com toda a certeza, as chances de acertar um jogador de linha ofensiva ou um safety são maiores do que achar um signal caller – infelizmente.
É muito improvável achar um quarterback quase no fim do Draft que vai ser alguma coisa. Se no segundo dia já começa-se a ficar questionável investir na posição, a partir da quarta é para achar um calouro reserva que deve ficar desempregado ao final de seu primeiro contrato – uma triste realidade. Vale muito mais a pena investir em posições como running back e linhas (que são mais fáceis de se desenvolver) do que signal callers – isto é óbvio. Reservas? Muito melhor apostar na sexta ou na sétima.
E a sétima rodada?
O que mais chama atenção é a quantidade de acertos na sétima rodada, que se assemelha à quarta. A razão disto não é de alguém específico, mas sim que existe talento mesmo. Ryan Fitzpatrick, Ken Dorsey, Matt Cassel, Tyler Thigpen, Matt Flynn. Todos são (ou foram) bons reservas ou titulares medianos, mas que compensaram em muito as escolhas investidas. Como na sexta e na sétima o valor de tudo é muito parecido, vale muito a pena investir na posição e tentar sair com um reserva funcional que possivelmente lhe renda alguma escolha em alguma troca no futuro – com alguém desesperado – e que traga segurança quando o titular se machucar.
E os casos Brady e Wilson?
Muitos leitores devem estar pensando: “Aaaaaah, mas mesmo assim há chances de se achar um Wilson ou um Brady, certo?” Sim, ainda é possível, mas é totalmente improvável e não vale a pena na maior parte dos casos. Além disso, quem fala de Tom Brady ser escolhido na sexta rodada deve se lembrar sobre a época de seu Draft.
No excelente documentário Year of the QB exibido em 2011 pela ESPN destaca-se que ele era visto como um talento entre segunda e terceira (no começo deste vídeo). Engana-se quem pensa que Brady era um desconhecido na universidade e virou uma grande surpresa na NFL. Ele teve que lutar pela titularidade, mas mesmo assim foi um excelente atleta. Ganhou 20 de 25 jogos, obteve viradas sensacionais (ganhando o apelido de Comeback Kid) e chegou a vencer o Orange Bowl em cima de Alabama no último jogo da carreira – com direito a quatro passes para touchdown.
Seu físico não era dos melhores e sua experiência não era grande, mas mesmo assim ele tinha todos os elementos para ser uma aposta de valor e deveria ser escolhido na segunda rodada. Além disso, ele caiu em uma situação perfeita: elenco bom, titular que podia ensinar algo e um ataque talentoso.
Já Wilson também teve uma carreira na universidade muito boa e era apontado como um possível prospecto entre a segunda e a terceira rodadas muito mais pela sua altura do que pela qualidade de seu jogo. Ele encaixou-se em um esquema perfeito em Seattle e contou com o apoio de um elenco muito talentoso. Vale lembrar também que os dois encontraram técnicos excepcionais, que facilitaram ainda mais o seu desenvolvimento.
O que Brady e Wilson nos ensinam não é que sempre vale a pena apostar em quarterbacks da metade do Draft, mas sim que é preciso ter boas condições para lapidar um talento bruto. Não adianta sair apostando se você não tem uma linha ofensiva boa e uma defesa minimamente competente aliadas com uma comissão técnica de qualidade. Poucas franquias podem oferecer isto, logo na maioria das vezes acaba-se queimando oportunidades preciosas de se acertar em outras posições.
A conclusão: além da primeira rodada, a aposta é de muito risco.
Achar um quarterback titular não é fácil. De qualidade então, uma tarefa quase impossível. É preciso tentar arriscar de qualquer maneira, mas não dá para esquecer de seu elenco. Investir cegamente só diminui a qualidade e deixa a situação de desenvolvimento de seus jogadores prejudicada. É preciso ser inteligente, principalmente em analisar os riscos e saber no que investir.
Claramente, é muito mais valoroso escolher um signal caller na sexta ou na sétima do que na quarta ou na quinta. As chances de acerto são muito parecidas, porém os valores investidos diferem bastante. Além disso, procura-se achar no máximo um Kirk Cousins e não um Tom Brady. Sem um bom elenco então é quase impossível desenvolver algo, visto que a falta de qualidade ao redor do atleta mascaram o seu potencial – e ele não se desenvolve.
Assim como na vida, na NFL é preciso saber arriscar e é preciso analisar a probabilidade dos eventos. E os números mostram que é quase impossível achar um Tom Brady no último dia de escolhas. Se considerar que ele deveria ter saído na segunda ou terceira rodadas, fica fácil perceber que realmente não vale a pena ficar queimando escolhas a toa.
Para a posição mais importante do jogo, se quer arriscar achar um titular, gastar uma escolha de primeira rodada é o mais indicado. Obviamente, o segredo mora em saber analisar se o jogador vale uma escolha de primeira rodada. Não adianta pegar um Jake Locker (que era para ter saído na terceira), mas sim fazer a sua pesquisa e saber elencar os talentos. Ficou claro que preterir escolher um futuro calouro na primeira rodada por alguém de segunda ou terceira é um péssimo negócio.






