Por que Nick Saban é uma lenda no College e foi um fracasso na NFL?

Não há grande necessidade de apresentar Nick Saban. Afinal, estamos falando de um dos técnicos mais conhecidos e bem-sucedidos em todos os níveis do futebol americano (escolar, universitário e profissional). Mais do que isso, Nick Saban é o técnico do atual campeão da primeira divisão do futebol americano universitário (FBS), Alabama Crimson Tide – com o qual conquistou múltiplos títulos. O sucesso de Saban, tanto como estrategista defensivo, quanto como motivador e “gestor” de elencos com jovens atletas é quase incomparável no cenário atual do nível universitário.

Existe, entretanto, uma “mancha” no currículo de Nick Saban: sua única experiência como técnico principal na NFL não deu nada certo. Duas temporadas muito discretas com o Miami Dolphins, sem conquistar vaga nos playoffs, seguido do que pode ser descrito como uma “fuga” para seu porto seguro, o futebol universitário. Por que um técnico com qualidades tão claras, e com tanto sucesso nas suas diversas paradas no college football, apresentou tantas dificuldades diante do desafio de comandar uma equipe profissional?

Para tentar entender os motivos do fracasso de Saban na NFL, vamos primeiramente lembrar a trajetória do treinador, incluindo sua passagem como assistente na liga profissional. Discutiremos ainda as características de Saban com técnico, tanto no aspecto tático quanto administrativo, e de que maneira essas características podem ter contribuído para os resultados do técnico na NFL. Finalmente, falaremos sobre as diferenças entre as atribuições de técnicos universitários e profissionais, e de que maneira isso se aplica a Nick Saban.

Talvez, desta maneira, seja possível compreender por que o técnico cinco vezes campeão universitário não conseguiu realizar um trabalho ao menos relevante na NFL.

A Trajetória de Saban

Nick Saban estudou e jogou futebol americano (como defensive back) em Kent State, tendo se formado em 1972. Imediatamente, iniciou sua carreira de técnico, inicialmente como assistente defensivo na mesma Kent State. Passou por outras universidades (Syracuse, West Virginia, Ohio State, Navy), sempre como assistente defensivo, até chegar à sua primeira posição de coordenador defensivo, em Michigan State, entre 1983 e 1987. Depois deste período, teve seu primeiro contato com a NFL, como técnico da secundária do Houston Oilers por dois anos. Retornou ao futebol universitário em 1990, para assumir sua primeira posição de técnico principal, em Toledo. Apesar da temporada bem sucedida, incluindo o título da conferência (Mid-American Conference, a MAC), Saban optou por deixar Toledo ao ser convidado por Bill Belichick para ser coordenador defensivo do Cleveland Browns, posto que ocupou até 1994. Muito do que viria a ser considerado como o sistema defensivo de Nick Saban foi desenvolvido durante o período de trabalho do treinador junto a Bill Belichick.

Após a demissão de Belichick do comando dos Browns, Nick Saban retornou – novamente – à sua zona de conforto (o futebol universitário). Assumiu a posição de técnico principal em Michigan State, revivendo o programa que vinha sofrendo após sanções da NCAA em 1990. Saban conseguiu temporadas bem-sucedidas em East Lansing (sede de Michigan State), deixando a universidade para assumir o posto de técnico principal de LSU. Nos Tigers, Saban alcançou sucesso ainda maior, chegando ao título nacional em 2003. Em 2005, chegava a hora de Nick Saban tomar de assalto a NFL. É, mas não rolou. Após dois anos fracos no Miami Dolphins (que serão discutidos a fundo mais a frente), Saban (mais uma vez) optou pelo retorno ao college football, assumindo sua posição como técnico de Alabama.

No comando de Alabama, Nick Saban parece ter encontrado definitivamente o seu lugar. Já são quatro títulos nacionais com a Crimson Tide, sempre com a marca do treinador: defesas fortíssimas, recrutamento dos melhores talentos nacionais e uma equipe comandada na base da disciplina. Como veremos mais adiante, algumas ferramentas do sucesso de Saban na universidade foram seus pontos fracos no profissional.

Como sempre dizemos aqui em ProFootball: College é College, NFL é NFL. E isso vale, também, para os técnicos.

O “Sistema Saban”

Quando falamos em “Sistema Saban”, podemos dividir o conceito em duas partes. Nick Saban desenvolveu um modo de trabalho muito estrito, baseado em controle total de tudo que envolve a equipe que comanda. Esta é a primeira parte do sistema. A segunda parte é seu sistema defensivo propriamente dito, desenvolvido e aperfeiçoado ao lado de Bill Belichick no Cleveland Browns. As duas partes são igualmente importantes para explicar o sucesso do treinador no futebol universitário, e também, por incrível que pareça, para explicar o fracasso na NFL.

No quesito gerencial de sua equipe, Saban inicia o processo no recrutamento de jogadores do ensino secundário. Suas equipes buscam, claro, bons atletas, mas valorizam muito também postura, atitude e inteligência. A partir daí, esses atletas-estudantes são engolidos pela estrutura montada por Nick Saban, que inclui, além do treinamento físico e técnico, acompanhamento psicológico, nutricional e motivacional. Esse grau de investimento global na formação dos jogadores diferencia o “Sistema Saban” do que se costuma ver no futebol universitário. Junta-se a isso a fixação do técnico em controlar cada aspecto do processo. Nick Saban se coloca ao lado dos seus jogadores, cobrando cada passo exigido para a formação e eficiência do atleta. Isso é facilitado pelo poder direto do treinador sobre as bolsas de estudo, muitas vezes única forma da maior parte dos jogadores frequentarem uma universidade. Não queremos com isso fazer de Nick Saban um “vilão”, explorador de estudantes, Lord Sith ou qualquer coisa do gênero.

Saban dá muito em troca também, aconselhando seus atletas e entrando em contato com seus contatos na NFL quando da entrada destes jogadores no draft. É sabido que general managers da NFL levam muito em conta a opinião de um técnico como Saban (Bill Belichick e Ted Thompson – general manager de fato dos Patriots e o GM dos Packers, respectivamente –  têm relações particularmente próximas com o técnico de Alabama).

Para a segunda parte do “sistema”, falaremos propriamente de estratégia defensiva. Ao olharmos de longe, as equipes de Nick Saban parecem jogar no sistema 3-4, e em cobertura majoritariamente por zona – o que, em tese, explicaria porque a spread offense seria a kriptonita do treinador. Quando chegamos mais perto, vemos que esta é uma definição simplista. Nick Saban tem obtido grande sucesso no futebol universitário com uma defesa híbrida, que usa o 3-4 para parar o jogo corrido, mas que se adapta à spread offense se transformando em um 4-3.

O jogador “extra” na linha defensiva pressiona o quarterback, mas a grande sacada deste sistema está na cobertura. Como defender o sistema spread e ainda ser eficaz contra o jogo corrido (particularmente quando o corredor é o quarterback)? A resposta de Saban, utilizada desde os tempos de assistente de Bill Belichick, é a cobertura Liz/Rip. Esta cobertura se assemelha a uma cobertura por zona tradicional, com três zonas em profundidade (cover 3), mas muda suas características de acordo com as rotas dos recebedores. Em rotas profundas, a cobertura muda para homem a homem, se mantendo por zona em caso de rotas cruzadas e/ou curtas. Esta estratégia deixa a defesa segura contra os mais variados ataques universitários. Mas… e na NFL?

Quando se joga primordialmente por zona, ou quando muda-se a cobertura conforme a rota do recebedor, sempre há uma pequena janela para o passe. E aí a diferença de nível entre quarterbacks universitários e profissionais aparece muito. Ainda que as defesas de Saban em Miami não fossem fracas (15a melhor da liga em 2005 e 5a melhor em 2006), não foram defesas dominantes como foram as das equipes comandadas pelo técnico em universidades. Curioso notar como a diferença de acurácia dos quarterbacks do College para a NFL – as eficiência nas janelas – acaba sendo também a determinante para a falha do “Sistema Saban” no nível profissional. Mas não é só.

Universidade X Profissional: o papel do técnico

Entre as atribuições dos técnicos de futebol americano, tanto na universidade quanto na NFL, pode-se destacar a montagem de sua equipe de coordenadores, a definição do esquema de jogo, e de quem serão os titulares e reservas do time. Apesar destas semelhanças, as funções dos técnicos universitários e da NFL não são exatamente iguais. O técnico universitário é responsável pelo recrutamento dos estudantes secundaristas para sua universidade, com a possibilidade de oferecer um determinado número de bolsas de estudo. Ainda que haja requisitos acadêmicos que os jogadores universitários precisam cumprir para poderem participar de atividades esportivas, os técnicos têm ampla liberdade quanto à seleção e utilização dos atletas nos jogos. Muitas vezes, os técnicos são os gerentes de todo o processo que envolve o futebol americano nas universidades.

Já na NFL, os técnicos em geral estão subordinados aos general managers (e aos donos), que frequentemente são os responsáveis pelas escolhas no draft, contratação de free agents e renovação de contratos. Essa limitação no controle, muitas vezes torna-se um problema para técnicos universitários que fazem a transição para a NFL. Para Nick Saban, especificamente, que dá muita importância ao controle total sobre sua equipe, esta limitação foi um empecilho para que ele executasse seu trabalho na NFL.

Finalmente, é importante lembrar que, enquanto na universidade os técnicos comandam jovens estudantes (e detém controle sobre suas bolsas de estudo), na NFL, precisam lidar com profissionais experientes (e muito ricos). Os jogadores da NFL tendem a ser muito menos receptivos a abordagens disciplinadoras, tornando-se muitas vezes “surdos” às orientações de treinadores com este estilo. De certa forma, isso explica também a queda de rendimento de Jim Harbaugh nos 49ers ao final de sua passagem por lá. Acabaram as vitórias, acabou o amor. Como já dissemos, Nick Saban é um técnico que prega pelo controle de sua equipe e intensa disciplina. Assim, vai ficando cada vez menos surpreendente o desempenho de Saban nos Dolphins.

O fracasso nos Dolphins

Ao entender as diferenças entre o papel do técnico na universidade e na NFL, assim como as características históricas do trabalho de Nick Saban, é fácil compreender sua trajetória malsucedida como treinador do Miami Dolphins. Em vez da liberdade de recrutamento de jogadores para a universidade, Saban precisava contar com o que a ordem do draft determinaria para sua equipe. Além disso, seu sistema de controle total das decisões e atletas não se adaptou bem à NFL. Recentemente, Saban deu declarações à ESPN afirmando que desejava que os Dolphins tivessem contratado o quarterback Drew Brees em 2006, mas que a direção da equipe, preocupada que a grave contusão no ombro sofrida por Brees no ano anterior prejudicasse seu futuro na NFL, preferiu escolher Daunte Culpepper. No fim das contas, Culpepper teve vários problemas físicos, enquanto Drew Brees alcançou excelente performance no New Orleans Saints, seguindo até hoje (dez anos depois) como quarterback titular. O resto da história você já sabe.

Outro episódio que ilustra a dificuldade de Nick Saban em se adaptar à NFL aconteceu em seu primeiro training camp nos Dolphins. Quando o defensive tackle calouro Manny Wright entrou em campo para o treino sem shoulder pads (proteção do ombro), Nick Saban o repreendeu de maneira agressiva em frente a toda a equipe. Wright saiu de campo chorando, retornando mais tarde ao treino. Ainda que as declarações à imprensa tenham sido todas em tom apaziguador, é pouco provável que esta atitude de Saban tenha sido vista com bons olhos pelos veteranos da equipe. Para um treinador da NFL, é fundamental saber manejar os egos de atletas experientes e ricos, e essa agressividade excessiva certamente não é tolerada por todos.

Finalmente, chegamos ao fator campo. Fato é que, ainda que tenham grandes proximidades, o futebol universitário e o profissional têm também características muito diversas. A qualidade dos quarterbacks, a velocidade das defesas, diferenças de regras e punições, só para citar algumas – e, também, em regras, vide as hashmarks (linhas de marcação para o posicionamento horizontal da bola) serem mais largas no College – o que acaba propiciando maior estímulo a corridas.

O sistema defensivo de Nick Saban, dominante no cenário universitário, não alcança o mesmo patamar entre os profissionais. Da mesma forma que em qualquer outra área, um treinador pode ser excelente dentro das características do futebol universitário, e mediano dentro das características da NFL. Parece ser este o caso de Nick Saban.

Resta saber se Saban teria interesse em retornar à NFL, dando a si mesmo mais uma chance de triunfar entre os profissionais. Existe um precedente de um técnico que foi mal em sua primeira passagem na NFL – voltou para o College, foi campeão de tudo e na NFL se acertou depois. É Pete Carroll.

De toda forma, o técnico diz que não tem esse interesse no momento, e que pretende ficar em Alabama até se aposentar. Mas, quando consideramos que Saban declarou, nas últimas semanas na temporada 2006 “Eu não vou ser o técnico de Alabama”, para logo após assumir o posto, talvez devamos pensar que a possibilidade de retorno à NFL ainda existe. Caso isso aconteça, é certo que Nick Saban precisará ser mais flexível para se livrar da descrição do título: rei do futebol universitário, fracasso na NFL.

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