Dropback: Dan Marino explode os recordes aéreos da NFL

Você provavelmente leu ou pelo menos já ouviu falar do livro “1984”, um famoso clássico escrito no final da década de 1940 pelo inglês George Orwell. Ou então, caso não seja um grande fã de literatura, talvez já tenha escutado o álbum homônimo da banda de rock Van Halen (se você não conhece nenhuma destas obras, procure conhecer – de preferência depois de ler este texto, claro).

Contudo, nem só de governos totalitários fictícios e solos de guitarra viveu o ano de 1984. Esta data também foi um marco para a história da NFL e do futebol americano, pois um quarterback de 23 anos de idade, apenas em sua segunda temporada como jogador profissional, decidiu pulverizar quase todos os recordes aéreos importantes da liga. O nome deste jovem é Dan Marino, que no futuro se tornaria ídolo do Miami Dolphins, membro do Hall da Fama e uma das maiores lendas do esporte.

Marino terminou aquela temporada regular com 362 passes completos, 5,084 jardas aéreas, 48 touchdowns, 17 interceptações e um rating de 108,9. Este desempenho estabeleceu um nível de produtividade simplesmente surreal na época, tanto é que ele demorou muitos anos para ser igualado e superado. O ataque dos Dolphins, aproveitando-se da velocidade dos seus recebedores, usava e abusava dos passes precisos de Dan em profundidade e com isso foi imparável durante a maior parte todo o tempo.

Não por acaso, várias pessoas acreditam que a performance de Marino em 1984 tenha sido a melhor de um quarterback em toda a história da NFL – melhor do que Joe Montana, John Elway, Peyton Manning, Tom Brady ou qualquer outra superestrela. Então, nada mais justo que dedicar um texto para falar um pouco mais detalhadamente sobre o ano mágico vivido por Miami e os inúmeros recordes quebrados pelo signal caller.

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Uma temporada (quase) perfeita

Os Dolphins e Dan Marino já começaram 1984 pegando fogo. Logo na semana 1, contra Washington, a equipe atropelou por 35 a 17, com o quarterback lançando 311 jardas, cinco touchdowns e nenhum interceptação. Na verdade, a franquia esteve on fire até a semana 11, vencendo e passando por cima de todos seus adversários no período. Os maiores destaques foram os massacres diante dos Colts (44 a 7), Steelers (31 a 7), Patriots (44 a 24) e Bills (38 a 7). Por outro lado, o time que mais deu trabalho foi Philadelphia, justamente na 11ª partida, porém mesmo assim acabou perdendo por 24 a 23.

A primeira derrota do ano viria apenas na semana 12, em San Diego, contra os Chargers (34 a 28). No jogo seguinte, Miami se recuperou e bateu os Jets, mas depois sofreu um novo revés na semana 14 – desta vez em casa para o Los Angeles Raiders (45 a 34). Entretanto, após este momento mais turbulento, os Dolphins triunfaram nos seus dois últimos compromissos e encerraram a temporada regular com o record de 14-2.

Como podemos perceber analisando os placares, o ataque foi o grande diferencial da equipe. Miami anotou pelo menos 21 pontos em todas as 16 partidas, terminando na primeira colocação no ranking de jardas totais (433,5) e pontos por jogo (32,1). Marino obviamente foi a maior estrela, apresentando os números fantásticos já citados acima – incluindo incríveis 16 touchdowns lançados nos últimos quatro confrontos da temporada -, mas esteve longe de brilhar sozinho. Os wide receivers Mark Duper e Mark Clayton, conhecidos como “Marks Brothers”, somaram juntos 2,695 jardas e 26 touchdowns – Clayton, aliás, quebrou o recorde da NFL com suas 18 recepções para touchdown. Ademais, a linha ofensiva dos Dolphins também merece uma menção honrosa, haja vista ter cedido apenas 14 sacks.

Nos Playoffs, o show continuou. Miami recebeu os Seahawks no Divisional Round e atropelou por 31 a 10, vingando-se da derrota sofrida para Seattle na pós-temporada de 1983. Já na final da AFC, a franquia novamente massacrou Pittsburgh, desta vez por 45 a 28. Marino acabou com o jogo, lançando 421 jardas e quatro touchdowns (ambos recordes para uma final de conferência).

O conto de fadas, entretanto, chegou ao fim no dia 20 de janeiro de 1985, quando os Dolphins foram até o Stanford Stadium, na Califórnia, para medir forças no Super Bowl XIX com os 49ers de Joe Montana e Bill Walsh. San Francisco, detentor de um record 15-1 e do segundo ataque mais prolífico da liga, aproveitou-se da fragilidade defensiva do time da Florida e venceu por 38 a 16. Miami até terminou o primeiro quarto na frente por 10 a 7, porém entrou em colapso no período seguinte e cedeu três touchdowns consecutivos aos 49ers (dois do running back Roger Craig e um de Montana). Na sequência, os Dolphins reagiram chutando dois field goals, mas foi pouco. O explosivo ataque da equipe ficou zerado na segunda etapa e a defesa ainda permitiu um field goal e outro touchdown para Craig.

Esta foi a primeira e única visita de Dan Marino ao Super Bowl. O quarterback não conseguiu repetir o desempenho das partidas anteriores e acabou o dia com 29 passes completos, 318 jardas, um touchdown e duas interceptações. Um final nada glamouroso para uma temporada brilhante.

Dan Marino simplesmente explodiu os recordes aéreos da NFL

A melhor maneira de falar sobre os recordes aéreos quebrados por Marino em 1984 é fazendo uma lista em tópicos. Confira:

-Mais jardas aéreas lançadas em uma única temporada (5,084)
-Mais passes para touchdown (48)
-Mais passes completos (362)
-Mais jogos com pelo menos 300 jardas lançadas (9)
-Mais jogos com pelo menos 400 jardas lançadas (4)
-Mais jogos com pelo menos quatro touchdowns lançados (6)
-Mais jogos consecutivos com quatro touchdowns lançados (4)

Ao superar a marca de 4,802 jardas estabelecida por Dan Fouts em 1981, Marino tornou-se o primeiro quarterback da história a romper a barreira das 5,000 jardas na mesma temporada. Além disso, ultrapassou com folga o recorde anterior de 36 touchdowns de George Blanda (1961) e Y.A. Tittle (1963). E o mais incrível: fez tudo isso aos 23 anos de idade, na sua segunda temporada como profissional. Embora tenha ficado sem o anel de campeão do Super Bowl, Dan obviamente recebeu várias outras honras individuais por conta da sua performance, como os prêmios de MVP e jogador ofensivo do ano.

Seria este o melhor desempenho de um quarterback em toda a história da liga?

Os dois principais recordes de Marino demoraram, respectivamente, 20 e 27 anos para serem batidos: Peyton Manning lançou 49 touchdowns em 2004 e Drew Brees conseguiu 5,476 jardas aéreas em 2011. Contudo, na atualidade, as duas marcas pertencem exclusivamente a Manning, o qual passou para 5,477 jardas e 55 touchdowns em 2013 – lembrando que Tom Brady também superou Dan em algumas ocasiões.

Mas, se as estatísticas de outros são superiores, por que então a temporada de Marino seria a melhor de todos os tempos? Bem, as pessoas que argumentam isso dizem, com razão, que era muito mais difícil passar a bola na década de 1980. Deste modo, os números de Marino, embora hoje um pouco menores, ainda assim seriam mais impressionantes levando em conta o contexto histórico. Vamos explicar.

Em 1984, a NFL era uma liga bem menos amigável para os quarterbacks. Por exemplo, existiam menos regras restringindo a ação dos defensores adversários. Com isso, eles podiam ser bastante agressivos com os signal callers (basta ver qualquer vídeo com lances de Lawrence Taylor) ou marcando os recebedores. Os quarterbacks recebiam uma punição física absurda. Os juízes não assinalavam falta em qualquer contato antes do passe entre cornerbacks e wide receivers, algo que evidentemente dificultava as recepções. Além do mais, os coordenadores ofensivos, no geral, não eram adeptos de chamar tantas jogadas aéreas quanto hoje.

Esta é a síntese do argumento de quem defende a temporada de Marino como a melhor da história. Claro, existem opiniões diferentes, como por exemplo a de Kurt Warner:

“O jogo é muito mais complexo agora. A complexidade dos esquemas e coberturas faz ser mais difícil. E então você tem os ajustes de cobertura pré-snap. Sem querer desmerecer o que Dan fez – todo mundo sabe que ele foi um grande jogador – mas ele tinha muito mais marcações homem a homem, jogadas ‘meu cara é melhor do que o seu'”. (tradução livre)

Seja como for, independente da preferência por Manning, Brady, Brees ou quem quer que seja, o ano de 1984 vivido por Dan Marino ficará para sempre registrado nos livros de história – com a vantagem de não ser uma obra de ficção, ao contrário daquela escrita por George Orwell.

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