Entenda de uma vez por todas as diferenças do Futebol Canadense (CFL) para o Americano (NFL)

Embora idênticos em vários aspectos – como o uso de capacetes, o passe para a frente e o touchdown – há diversas e importantes diferenças entre o futebol americano e o futebol canadense que os especificam como modalidades diferentes. Após ler este texto, você vai entender o porquê de não existir “futebol americano canadense” – mas, sim, um “futebol canadense” tão somente.

Saber quais são essas diferenças é essencial para apreciar de maneira completa e satisfatória os jogos da Canadian Football League, os quais estão sendo transmitidos semanalmente no Watch ESPN e também em transmissões na TV pelos canais ESPN a partir desta sexta – estou postando constantemente na minha página do Facebook quais as transmissões. Assim, este artigo tem como objeto diferenciar os dois Gridiron Football – bem como brevemente mostrar o que eles têm de comum. Comecemos pelas semelhanças então.

Tanto o Futebol Americano quanto o Canadense tem como principais níveis de jogo o profissional (NFL/CFL) e o Universitário (CIS/NCAA) – não obstante, a semelhança de haver um Draft para que os jogadores amadores sejam inseridos na liga profissional. Além disso, são esportes jogados essencialmente no segundo semestre do ano e é necessária proteção extra para os jogadores devido ao impacto dos corpos um contra os outros em bloqueios e tackles.

Duas são as semelhanças entre ambos que os separam dos demais futebóis: a estrutura de “bola morta” após uma tentativa de ganho de território e uma dada quantidade disponível de tentativas (descidas/downs) aos ataques entre as bolas mortas para avançar 10 jardas – 9,14 metros, para você que nunca teve curiosidade de ir ao Google.

A segunda semelhança é que em ambos os jogadores podem usar as mãos para tocar a bola – a exemplo do rúgbi. Mas, diferentemente deste, os atletas podem passar a bola para a frente (desde que estejam atrás da linha de onde a bola saiu – a linha de scrimmage – e apenas uma vez por jogada).

Ditas as semelhanças – em essência, dois esportes de grama no qual as pontuações acontecem por meio de conquista de território em tentativas e em chutes – vamos às principais diferenças entre o Futebol Canadense e o Americano

História

Ambos tem um ancestral em comum: o futebol da bola redonda que você tanto ama de quatro em quatro anos na Copa do Mundo. A bola redonda foi modificada para oval com o rúgbi e este junto daquele deu origem ao Futebol Americano e ao Canadense, esportes distintos embora com mesma espinha dorsal.

O Gridiron Football (o nome gridiron vem do fato do campo parecer uma grelha/gridiron de churrasqueira graças às marcações de jardas) surge no século XIX num contexto histórico bastante interessante. Da mesma forma que o baseball surge como uma variação – e afirmação – americana ao críquete britânico, esporte do colonizado ante colonizador, o gridiron football surge como forma de afirmação ao melhor estilo da Doutrina Monroe (América para os americanos) do início daquele século. Ou seja, uma forma de criar um esporte com características mais americanas do que europeias – ou ao menos adaptar aqueles ao contexto cultural americano.

O curioso é que as primeiras sementes do fomento do football na América do Norte tem contexto semelhante àquela do Futebol aqui no Brasil. Em ambos os casos, estudantes que iam estudar na Inglaterra e quando voltavam traziam o esporte consigo – no caso dos americanos, o futebol e o rúgbi e no caso brasileiro essencialmente o futebol. Como o Brasil ainda tinha extensa influência econômica britânica – havia muitos com negócios no Brasil – o futebol prosperou aqui. A mistura de rúgbi com futebol prosperou na América do Norte.

Em 1874 ocorre o primeiro jogo de gridiron football conforme hoje convencionado. A McGill University (Montreal, Canadá) enfrenta a Harvard University (Cambridge, MA, Estados Unidos). Este é o elo perdido entre os dois futebóis norte-americanos. É possível dizer que daqui para frente cada um tomará seu caminho, embora contenham as semelhanças acima listadas que os aproximam.

A maioria das diferenças de regra surge entre o Futebol Americano e o Futebol Canadense porque as mudanças de regras americanas que eventualmente aparecem ao início do século XX não são copiadas pelo futebol canadense – como por exemplo a proibição da movimentação livre dos jogadores de backfield antes do snap. O passe para frente, dentre outros exemplos, demorou a ser adotado no futebol canadense, sendo uma criação americana. Algumas mudanças, como você verá a seguir, não foram até hoje adotadas na CFL – como o posicionamento dos goal posts para fora da end zone.

Campo de Jogo

O Futebol Americano tem, em seus dois principais níveis, um campo de 100 jardas de comprimento por 53,5 jardas de largura. As duas end zones – local do campo após a goal line no qual um jogador receptor de um passe tem de estar para anotar um touchdown tem as mesmas 53,5 jardas de comprimento – mas apenas 10 jardas de largura. O campo é menor porque na “transição” do rúgbi para os Estados Unidos, na gênese do Futebol Americano, algumas universidades não tinham tanto espaço – como Yale. Assim, reduziu-se o campo. Desde 1974 os goal posts estão localizados na NFL após o final da end zone e não mais na linha de goal, como no rugbi e na versão canadense do esporte – isso foi feito num contexto de abertura de jogo aéreo, com o escopo de proteger os recebedores executando suas rotas.

O Futebol Canadense tem um campo maior, são 110 jardas de comprimento e 65 jardas de largura. São dimensões mais parecidas com pai de ambos, o rugbi (que tem 122,5 a 133,4 de largura por 74,3 de comprimento). As end zones tem o mesmo comprimento do campo – a exemplo da fórmula americana – mas acabam tendo 20 jardas de largura. Pelo fato de serem bem maiores, seria difícil colocar os goal posts ao final delas – isso faria os field goals extremamente difíceis. Assim, a NFL mudou o posicionamento deles na década de 1970 – contudo, a CFL manteve a regra da mesma forma, com os goal posts na linha de goal.

Número de Jogadores

O Futebol Americano tem times com onze jogadores no ataque, defesa e time de especialistas. As formações tem de ter necessariamente sete jogadores na linha de scrimmage, podendo os outros quatro estarem dispostos no backfield.

O Futebol Canadense tem times com doze jogadores no ataque, defesa e time de especialistas. As formações também tem de ter sete jogadores na linha de scrimmage – com efeito, o jogador extra acaba estando disposto no backfield.

Sistemas e Formações Ofensivas/Defensivas

O Futebol Americano tem no ataque como formações mais comuns a singleback (em “T”, com apenas um running back), a I-Formation (em I, com dois running backs havendo outras variáveis na filosofia West Coast) e a Shotgun/Pistol, com o snap sendo realizado quase que como um passe para trás pelo center. Na defesa, os sistemas mais defensivos mais comuns são o 4-3 (quatro defensive linemen, três linebackers) e o 3-4 (três defensive linemen e quatro linebackers, sendo um deles quase que exclusivamente responsável pelo pass rush). A formação 3-3-5 aparece cada vez mais no College Football para combater a spread offense – e outras, como a 46 defense e a 5-2 fazem parte da história do esporte. Falamos neste texto sobre as formações ofensivas do futebol americano, neste sobre o 4-3 e neste sobre o 3-4.

O Futebol Canadense tem no ataque formações essencialmente com o quarterback em Pistol/Shotgun, até por um viés mais aéreo apresentado pelo esporte – haja vista, como veremos a seguir, o menor número de tentativas disponíveis para avançar 10 jardas. Com um jogador extra no backfield e a referida filosofia aérea, o tight end praticamente não aparece. Em seu lugar temos o slotback – exatamente o que você está pensando, um recebedor híbrido de tight end/wide receiver/running back entre os velozes wide receivers e a linha de scrimmage. Geralmente são eles que se movimentam verticalmente antes do snap e muitos times da CFL os veem como playmakers. A defesa, por sua vez, se organiza em 4-4 na maioria das vezes. De toda forma, existe também um posicionamento de forma que há dois “defensive halfback” (o qual, aliás, era o nome do cornerback na NFL até meados dos anos 1950) e um jogador mais ao fundo, o safety do futebol canadense (que é solitário e último homem, bem semelhante ao líbero nas formações do futebol na década de 1980 – o alemão Lothar Matthäus sendo o exemplo clássico).

Bola

O Futebol Americano tem uma bola com as seguintes especificações de circunferências mínimas e máximas: 21 polegadas a 21 e 1⁄4 de polegada como mínima e 28 polegadas a 28 e 1⁄2 de polegada como máxima.

O Futebol Canadense tem uma bola com as seguintes especificações de circunferências mínimas e máximas: 20 e 7⁄8 de polegada a 21 e 1⁄8 de polegada como mínima e 27 e 3⁄4 de polegada a 28 e 1⁄4 de polegada como máxima.

Para você que, como eu, tinha problemas em geometria espacial, vamos digerir isso. Por mais que o Futebol Americano permita uma bola maior e o Futebol Canadense uma bola menor, muitos acham que a bola canadense é maior. No final das contas, ela é praticamente idêntica. A única diferença perceptível ao público é que a bola da CFL possui aquelas duas faixas brancas  – isso é feito como método de treinamento para os quarterbacks. Explica-se: as faixas fazem com que seja mais fácil identificar se o quarterback está lançando um tight spiral, com a bola indo como um foguete sem oscilar muito no próprio eixo. Como na NFL partimos do pressuposto que estamos diante dos 32 melhores quarterbacks do mundo, a bola americana ao nível profissional não precisa desse macete para os treinadores (embora no nível universitário ele esteja presente, conquanto em só metade da bola).

Número de Descidas

O Futebol Americano tem em suas regras a previsão de que cada time tem 4 descidas (tentativas) para avançar 10 jardas – seja pelo ar com passes ou pelo chão com corridas. Caso não consiga as 10 jardas em três descidas um time de futebol americano pode tentar a quarta tentativa ou dar um punt para devolver a bola ao adversário. Se tentar e não conseguir o adversário começa com a bola na linha de scrimmage anterior no caso de passe incompleto ou da onde o ball carrier foi derrubado por contato da defesa (ou tenha saído do campo) em caso de corrida.

O Futebol Canadense tem em suas regras a previsão de que cada time tem 3 descidas para avançar 10 jardas – seja pelo ar com passes ou pelo chão com corridas. Ou seja, os recursos para “produção” são mais limitados no futebol canadense. Com efeito, cada descida tem de ser utilizada de maneira mais eficiente, de modo a proporcionar um maior número de jardas médias – e isso é feito com mais passes ao invés de corridas. Assim, o jogo terrestre no futebol canadense é mais restrito a situações pontuais, visando corridas curtas para garantir a primeira descida (como 2nd and 2 ou 3rd and inches em situações que sejam vantajosas para o ataque sob o aspecto situacional). Em suma, você verá mais passes num jogo de futebol canadense pelo número inferior de descidas disponíveis. Para você que estuda economia, é o famoso trade-off.

Formas de Pontuar

O Futebol Americano tem as seguintes pontuações: um touchdown vale 6 (seis) pontos, uma conversão (ponto extra) de chute vale 1 (um) ponto, uma conversão de passe ou corrida vale 2 (dois) pontos, um field goal vale 3 (três) pontos e um safety vale 2 (dois) pontos. Para não ficar muito extenso, consideraremos que você sabe a definição de cada pontuação acima.

O Futebol Canadense tem as seguintes pontuações: um touchdown vale 6 (seis) pontos, uma conversão (ponto extra) de chute vale 1 (um) ponto, uma conversão de passe ou corrida vale 2 (dois) pontos, um field goal vale 3 (três) pontos e um safety vale 2 (dois) pontos. Aí vem a diferença: o futebol canadense tem o rouge/single, que vale 1 (um) ponto. Vamos explicar o que paçocas é isso.

O rouge/single nada mais é do que um resquício da pontuação do gridiron football do século XIX. Naquela época o touchdown valia menos do que o field goal. Este valia cinco pontos e aquele, quatro. Na evolução do Futebol Canadense, convencionou-se que o chute seria meio que uma “batata-quente” para o time receptor – algo como uma “defesa de território”. No Futebol Canadense, em suma, um single/rouge é mardo quando a bola é chutada para dentro da end zone por quaisquer meios legais (fora um field goal entre o Y, neste caso é marcado o field goal e três pontos para o time chutador) e o time retornador não consegue colocá-la fora de sua própria end zone. Exemplos (rol exemplificativo) de situações com single/rouge:

a) Um time chuta um field goal/punt e o jogador do time receptor é tackleado dentro da end zone

b) Um time chuta um field goal/punt e o jogador do time receptor sai do campo nas laterais ou no fundo da end zone (ocorre bastante em punts e kickoffs (mas neste caso apenas se o jogador tocar ), quando o jogador tentando retornar pisa fora dentro da end zone)

c) Um time chuta um field goal/punt e o jogador do time receptor ajoelha dentro da end zone (ocorre em situações de manejo de cronômetro ou por pura burrice mesmo).

d) Um field goal é errado mas sai pela linha de fundo – assim, um time não ganha três pontos mas erra e acaba saindo com um ponto.

Dinâmica no Extra Point

No Futebol Americano, uma bola é morta (ou seja, a jogada acaba ali) depois de um field goal ou chute de extra point errado. No College Football e na NFL a partir da temporada 2015 as conversões mal sucedidas podem ser retornadas para a outra end zone.

No Futebol Canadense, um extra point chutado e errado pode ser retornado valendo um ponto. Uma conversão de dois pontos mal-sucedida pode ser retornada valendo dois pontos

Dinâmica Pós Punt/Kickoff

No Futebol Americano, após um punt ou kickoff, a bola é morta se:

a) Parar o movimento e voltar à inércia sem ser tocada por quaisquer dos times

b) O time chutador tocar a bola (apenas no punt, no kickoff a bola é “coisa sem dono” após 10 jardas)

c) O time receptor sinaliza fair catch

No Futebol Canadense todos os chutes devem ser retornados e não há fair catch. O que há é, em verdade, uma proibição de contato com o jogador que receberá o chute até que ele receba a bola – os jogadores do outro time devem ficar distantes, dando o espaço de uma zona com raio de 5 jardas (e logicamente depois do contato com o time receptor pode haver o tackle). Se não há fair catch, você já deve ter deduzido que não há touchback (haja vista que se houvesse não haveria possibilidade do single/rouge). É importante ressaltar isso. A exemplo do rúgbi, a bola no futebol canadense fica bastante tempo “viva” em relação ao irmão americano – exceção a passes para frente que acabam sendo incompletos, em contrário com a maior situação de casos do futebol americano

Tempo de Jogo

O Futebol Americano tem quatro períodos com 15 minutos cada. O relógio para em determinadas situações – como em pedidos de tempo, sinais dos árbitros, passes incompletos, quando o jogador com a bola sai do campo nos cinco minutos finais de cada tempo e etc). Quando o cronômetro marca dois minutos para o final do segundo e quarto período ocorre outra pausa, o two-minute warning (também chamado de TV Timeout, pelo fato de ter sido criado por demanda das transmissões americanas, as quais queriam ir para o intervalo comercial uma última vez antes de encerrada a ação na partida). O play clock (ou seja, tempo que o ataque tem para colocar a bola morta em jogo, a exemplo do shot clock do basquete) tem 40 segundos.

O Futebol Canadense também tem quatro períodos de 15 minutos e o relógio para em situações semelhantes. Contudo, no Canadá temos o three-minute warning (ou seja, quando o relógio marcar 3:00 para o final do segundo e último quarto aconteceuma pausa semelhante a um timeout). Após esse momento o relógio apenas corre do snap até a bola morta – ou seja, em situações de corrida o relógio para também entre as jogadas. O play clock, por sua vez, tem apenas 20 segundos.

Com efeito, os três últimos minutos de cada tempo “rendem” mais no Futebol Canadense, proporcionando maior chance de viradas – ao mesmo tempo, para contrabalancear, cada time tem apenas um timeout por tempo na CFL. Na NFL são três.

Linha de Scrimmage

No Futebol Americano os jogadores de defesa podem se alinhar imediatamente à frente da linha de scrimmage, onde a bola é posicionada pela arbitragem numa linha imaginária e perpendicular à sideline. O que separa a linha ofensiva da defensiva é, essencialmente, o comprimento da bola.

No Futebol Canadense os jogadores de defesa tem de ficar uma jarda mais longe do que na versão americana – ou seja, há uma jarda extra de zona neutra entre os dois times.

Man in Motion

No Futebol Americano apenas um jogador por vez (a menos que seja uma mudança generalizada de posicionamento após um audible) pode se mover – e isso deve ser feito de maneira paralela à linha de scrimmage.

No Futebol Canadense somente o quarterback e os jogadores de linha ofensiva precisam ficar estáticos – todos os outros, sejam backfielders ou recebedores, podem se movimentar como bem entenderem (desde que permaneçam a pelo menos uma jarda de distância da linha de scrimmage). Com efeito, alguns jogadores podem sair correndo antes do snap, o que torna o jogo aéreo ainda mais frutífero na versão canadense. Com essa possibilidade de movimentação vertical surge a especificação da posição do slotback (como dito, um híbrido entre wide receiver, tight end e running back).

Níveis de Jogo

A NFL tem 32 franquias espalhadas pelos Estados Unidos, separadas em duas conferências e cada uma dividida em quatro divisões geográficas (norte, sul, leste, oeste). A Conferência Nacional tem sua gênese na NFL antiga e a Conferência Americana na AFL, liga concorrente criada na década de 1960 – a fusão de ambas ocorre oficialmente em 1970. São 17 semanas de temporada regular, com 16 jogos para cada time e uma semana de folga. Seis times classificam-se para a pós-temporada em cada conferência, totalizando 12. O campeão das duas conferências vai para o Super Bowl, que é a final da liga.

A CFL tem 9 franquias espalhadas pelo Canadá. Elas são divididas em duas divisões, leste e oeste (a leste com 4 equipes e a oeste com 5 times). São 20 semanas de temporada regular com cada time jogando 18 vezes – e duas semanas de folga. Seis times classificam-se para a pós-temporada. Após os playoffs, que são jogados sem separação por divisão/conferência, o campeão é determinado na Grey Cup.

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